MILTON MACIEL
22
- CONFISSÕES E CONFIDÊNCIAS DE LARISSA
Na segunda-feira, no meio da tarde do
expediente, Gládis sentiu que o
momento tinha chegado. Era agora que ia pegar sua Fofinha de jeito, ia colocá-la no confessionário. Foi até à sala da
gerência e falou para sua mãe:
– Mamita,
chegou a hora. Vou espremer a Fofinha.
Você dispensa nós duas e me sede a sua sala?
– Claro, hijita.
Pobre da Fofinha! ...
– Pobre dela mesmo – e Gládis caiu na
gargalhada. – Manda ela pra mim, mamita.
Já?
– Mando sim, pode ficar tranquila, e aviso pra ninguém
interromper.
Larissa chegou menos de dois minutos depois,
com carinha de curiosa:
– Mandou me chamar, Gládis. Você que falar
comigo?
– Eu?! Não.
– Ai, desculpe, entendi errado, então. Sua mãe me
disse algo e eu, muito tonta, entendi que
você queria falar comigo.
E começou a se voltar para sair. Gládis então
falou, imperativa, mas suavemente:
– Senta aí, Fofinha!
É você que quer falar comigo!
Larissa desabou na cadeira:
– Eu? Mas falar o que?
– Isso eu não sei. Mas que você quer, você
quer, sim. Pode começar...
– Falar... sobre o que eu quiser?
– Isso mesmo.
– Qualquer coisa? Mesmo que seja uma coisa... meio feia?
– De preferência que seja coisa muito feia, não só meio feia.
Larissa abaixou os olhos, cruzou as mãos
delicadas sobre o colo e começou a apertar os próprios dedos. Sua respiração
foi ficando mais ofegante.
– Não sei se eu tenho coragem... Não sei o que
você vai pensar de mim – e seu rosto começou a avermelhar visivelmente.
– O que eu vou pensar de você depois, vai ser
exatamente o que eu penso agora, o que eu pensava antes: que você é a criatura
mais pura e mais sincera que eu conheço.
– Vocês me chamam de Fofinha e eu adoro isso, é tão carinhoso, faz a gente se sentir
tão bem. Agora, isso de pura... Ah, eu
estou muito longe disso.
Baixou os olhos de novo e voltou a retorcer os
dedos de uma mão com os da outra. Como
está nervosa a cabritinha, pensou Gládis, divertida. Respondeu:
– Ah, não é pura, não?... E posso saber por
que?
– É... É essas coisas de sexo, sabe? Ai, que
vergonha!...
– Ah, quer dizer que você não é pura por causa
de sexo, é menina? Puxa, e eu que não me dei conta que você nasceu no século dezenove.
– Como século dezenove? Não, já era quase o
século vinte e um!
– Fofinha, meninas do século XXI não entram
mais nessa roubada de associarem pureza com vida sexual. Isso é besteirol de
gente antiquada e de fanático religioso. Quando eu digo que você é pura, é
porque você não tem nenhuma maldade nessa alminha. Isso é maior raridade, é a
coisa mais difícil de se ver. Agora, quanto ao que você faz ou fez com seu
rabinho, isso não só não é da conta de ninguém, como não tem nada a ver com a
pureza dessa sua alma e dessa sua mente limpinha. Eu conheci um monte de
pilantras que não valem nada, almas sujas, mas os cabaços delas só a terra vai
conseguir comer.
– Ai, Gládis, você falando assim... Nossa, isso
é tão diferente do que eu aprendi sobre sexo. Que é uma coisa... que não é
decente pra se falar. E que só se pode fazer com o marido da gente, porque aí
vai resultar em nascimento de filhos.
– Ah, bom. Então eu me enganei, você não nasceu
mesmo no século dezenove. Nasceu no século quinze! Deve ter chegado aqui na
caravela de Pedro Álvares Cabral.
– Ai, Gládis... Tanto assim? E não foi no século
dezesseis o descobrimento?
– Não, Fofinha. O século quinze terminou em
1500. O século dezesseis começou em 1501.
– Nossa! E eu pensando que era dezesseis. Mas
eu sou tão antiquada assim?
– Está me parecendo. Só falta me dizer que
você, com toda essa cara e todo esse corpo, ainda tem um cabaço empedrado aí.
– Não, menina! – Larissa apressou-se a
responder energicamente, em voz bem alta. Mas a seguir corou e sua voz quase
sumiu de novo:
– Desde os... os... os ONZE anos...
– Ah, gostei! Parabéns, só o que me faltava era
ter que lidar com uma cabaçuda. Cabaçuda encruada, geralmente o pior tipo de
gente.
– Parabéns? Mas você não acha que eu me perdi
muito criança?
– Ah, não! Retiro o parabéns: Me Perdi! Francamente, menina, nem uma
dinossaura falaria assim nos dias de hoje. Me
Perdi! Saco, que merda de influência religiosa você teve assim na infância?
– Ai, Gládis, desculpe – a Fofinha estava vermelhíssima, torcendo os dedos em desespero.
– Sua mãe era do tipo carola, aquelas ratas de
sacristia?
– Não, ela não. Mas a irmã dela, minha tia
Christa, era uma evangélica dessas linha dura. Ela teve muita influência na
minha infância, até que foi embora de Amarante, brigada com minha mãe para
sempre.
– Ah, ela foi embora brigada com sua mãe. Por
que razão?
– Porque ela não aceitava, de jeito nenhum, que
minha mãe vivesse me colocando em concursos de beleza infantil, sempre me
arrumando, vestindo e penteando como o pavãozinho que eu sempre fui na
infância. Ela dizia que isso era pecado, que era vaidade e que ia levar à
luxúria quando eu crescesse. Elas brigavam feio a toda hora por causa disso.
– Duas destrambelhadas, duas fanáticas cada uma
do seu jeito. Qual terá sido a pior influência para você?
– Ah, minha mãe, não tem nem comparação! Porque
a tia Christa era uma pessoa muito boa, muito simples, ainda conservava as
raízes da colônia italiana pobre de onde veio, como minha mãe e toda a família
delas. Mas minha mãe casou com um sujeito que já estava rico e isso subiu à
cabeça dela. Minha mãe foi a grande desgraça da minha vida. Minha mãe e a tal
da beleza, que acabou comigo.
– Como assim, acabou com você?
– Ai. Gládis, você não pode fazer ideia do
suplício que é ter nascido bonita demais deste jeito e cair nas mãos de uma
doida varrida como a minha mãe. Isso acabou comigo porque eu nunca pude ser uma
criança normal, desde que eu consigo me lembrar era sempre às voltas com roupas
de grife, com sapatinho que tinha meio salto, com maquiagem... Isso mesmo,
maquiagem na minha pele de criancinha! Minha mãe me fantasiava de adulta o
tempo todo, me fazia desfilar com livros na cabeça desde que eu aprendi a
caminhar. Eu tinha três passarelas em casa, ela trazia costureiros de fora, a
gente volta e meia viajava para assistir concursos de beleza em tudo quanto era
cidade. E sempre, sempre afirmou que eu ia ser Miss Universo!
– Interna essa louca! Camisa de força nela!
Choque elétrico, lobotomia!
– Antes tivesse acontecido isso. Aí eu teria
sido uma criança normal. Isso era tudo o que eu mais queria: ser uma criança comum,
poder fazer uma operação plástica que tirasse aquela maldita beleza do meu
rosto, que me fizesse ter cara de gente normal. Gente normal, uma criança
normal que pudesse brincar com as outras, sem medo de apanhar porque amassou o
vestido, despenteou o cabelo, se misturou com “gente inferior”.
– E você apanhava muito?
– Sim, dos dois, mãe e pai. Da mãe, porque eu
me rebelava contra as regras dela e aparecia com a roupa amassada ou com uma
mancha de sujeira qualquer. E, quando apanhava, eu não podia chorar, porque, se
borrasse a maquiagem com lágrimas, apanhava de novo.
– Que monstro! E o seu pai te batia por que?
– Porque ela fazia queixa de mim, fazia um
teatro, fingia que estava passando mal por causa das minhas travessuras, minha
indisciplina, meu desaforo. Aí ele me batia com o cinto dele, só na bunda, para
não deixar marcas aparentes.
– Que horror, pequena. Eu não podia imaginar
uma coisa assim, como é que esses cretinos tinham coragem de bater num anjinho
com a sua carinha.
– Ai, Gládis, eu apanhei muito, muito, na minha
infância. E só não foi pior porque eu encontrei o padrinho Fúlvio na minha vida,
que era nosso vizinho. Eu aprendi a fugir para a casa do padrinho, quando um
deles vinha bater em mim. E aí ele não deixava que eles entrassem na casa dele,
eu ficava horas lá com o meu anjo protetor, até esquecia da surra. E ele não me
levava pra casa até que garantissem que, naquele dia, eu não ia apanhar mais.
– É, não admira que você seja tão insegura
assim... Pobre criança.
– Mas apanhar não era o pior. Ser bonita era a
desgraça da minha vida! Se não fosse a maldita beleza, minha mãe não tinha me
judiado como judiou. E eu teria crescido como uma pessoa normal. E hoje poderia
ser uma agrônoma, que foi sempre o meu sonho. Aliás, eu tive um outro sonho que
nunca pude realizar, mesmo depois de adulta: eu queria ter um fusca!
– Um fusca? Um carrinho de pobre, sendo a
menina mais rica da cidade?
– Gládis, meu pai é o homem mais rico da cidade. Eu não tenho nada de meu, nem
esse carrão que eu dirijo pra cima e pra baixo é meu. Como tudo que eu e minha
mãe aparentemente temos, está sempre no nome dele ou da empresa dele. Eu
normalmente não tenho dinheiro, desisti, dá tanto trabalho ter que explicar
para aquele pão-duro para que eu quero, esperar pela aprovação ou não, ter que
apresentar sempre comprovantes para ele colocar na contabilidade da firma... ah,
amiga... E ele, de vez em quando, ainda me dá uns tapas.
– O que?! Mas você agora tem 23 anos, garota!
– Sim, mas cada vez que eu desmanchei o noivado
com o Leonzinho, eu apanhei muito dele. A última vez foi há uns seis meses...
– Bem, bem, pelo menos isso vai acabar
definitivamente, ou não me chamo Gládis De Rios. Eu vou preparar você e você
nunca mais vai deixar nem seu pai, nem homem algum bater nessa carinha de anjo.
– Mas como, Gládis? Me ensinar a me defender?
Ai, não, eu morro de medo de violência.
– Claro que você morre de medo de violência,
você sofreu violência a vida toda e ainda sofre! Mas ainda sofre porque tem
medo. Pode deixar que eu vou acabar com isso!
– Com o medo? Dá pra acabar com o medo, Gládis?!
– Pode deixar comigo. Eu garanto que dá. Eu já
dei um jeito no meu, com a ajuda de uma pessoa muito especial.
– De quem, Gládis?
– Ah, de um especialista nisso. Outra hora a
gente fala do assunto. Agora eu quero voltar ao seu cabacinho de onze anos, quando
você “Se Perdeu”, sua perdida impura
– e a espanholita caiu na gargalhada. Larissa voltou a avermelhar
profundamente:
– Ai, Gládis, eu morro de vergonha disso.
– Posso saber por que?
– Porque eu perdi a minha pureza... – Gládis
deu-lhe um tapa na mão:
– Não diz mais besteira nesta sala, menina!
– Tá, eu queria dizer que perdi a virgindade
aos onze anos porque EU quis! Mesmo morrendo de medo do castigo divino, mesmo
tendo jurado sobre a bíblia sagrada, para minha tia Christa, que eu ia me
manter pura até o dia do casamento, mesmo com medo de levar uma surra horrorosa
do meu pai. E mesmo com medo que a cidade toda soubesse que eu era uma puta.
– Hum, ao menos a putinha foi corajosa... Tava
mais a fim era de uma vara dura.
– Ai, Gládis, não brinca assim, aí mesmo é que
eu travo e não consigo falar o resto. E eu tenho outra coisa estranha, eu fico
toda trancada quando escuto palavrão. E grito também, eu tenho horror a grito.
Eu mesma nunca grito. Não consigo, de jeito nenhum.
– É, mas isso não faz falta mesmo. Está pra
nascer um artista neste mundo que consiga transformar você numa grossa. Você é
fofinha demais pra isso. Mas vamos lá, não desconverse, como é que se foi o
cabacinho? Com quem?
– Ah, com o Leonzinho, com quem mais poderia
ser?
– Ah, então foi ele o ecologista que colheu o
cabacinho dos verdes anos. E por que foi ele?
– Bem ele é seis anos mais velho que eu. Se eu
estava com onze, ele já tinha dezessete, já era um homem grande da altura que
tem hoje. E lindo, lindo de morrer. Eu adorava o Leonzinho, porque ele sempre
foi o meu companheirinho de infância. Ele brincava comigo, era a única criança
que podia fazer isso. Quando eu tinha dois e ele oito, eu tinha cinco e ele
onze, eu tinha sete e ele treze, eu tinha dez e ele dezesseis. O Leonzinho é um
amor de pessoa, Gládis. É calmo, delicado. E tinha uma paciência infinita
comigo, ele se sujeitava a todas as minhas brincadeiras, infantis demais para
quem era tão mais velho que eu. Mas ele fazia tudo com jeito e com compreensão.
Brincava até de casinha e de boneca comigo. Eu cresci tendo aquele menino
grande e comprido como meu único amigo de infância. Tinha total e absoluta
confiança nele.
– Que ele traiu quando tirou o seu cabaço...
– De jeito nenhum! Ele não tirou, EU tirei o
meu cabaço com ele, é diferente.
– Ah, é? Como assim?
– Bem, depois dos dez anos eu comecei a botar
corpo, aos onze já tinha peitos bem formados e a bunda já tinha crescido
bastante. Meu corpo mudou demais, começou a ficar como de mulher mesmo. E é
claro que isso era a puberdade, eu curtia meus pelos loiros lá embaixo com
orgulho, os hormônios começavam a ferver.
– E o Leonzinho...
– Ah, ele é homem, não é? Acho que detectou a
femeazinha no cio. E eu mesma passei a preferir os brinquedos de agarramento.
Sempre dava um jeito de me esfregar nele, comecei a notar que abaixo da cintura
dele aparecia agora um volume grande que não existia antes. Era duro e quente,
bem quentinho. Eu me apertava contra aquilo e ficava louquinha por mais. Um dia
passei a mão e apertei. Ele tentou se livrar, mas eu não soltava. Aí ele disse
que não podia fazer aquelas coisas comigo ainda, que eu era muito criança, que
tinha que esperar até a gente poder casar.
– Ué, já falavam em casamento nessa época?
– Ah, Gládis, nossos pais acertaram o nosso
casamento quando eu era uma criancinha ainda, eles sempre contaram com isso.
Por isso me deixavam ir para a casa do Leon, que ficava só a duas quadras da
minha, a hora que eu quisesse. Hoje eu
acho que eles até torciam que algo mais forte acontecesse entre a gente e aí
eles nos obrigariam a casar mesmo antes de eu ter dezoito anos. O fato é que a
gente brincava de agarramento no jardim, no quintal enorme, no quarto das
empregadas, no galinheiro, e até no quarto do Leonzinho. Ora, estavam pedindo
pra coisa acontecer. E aconteceu.
– E como?
– Ora, teve uma hora que ele não aguentou mais
e tirou aquilo pra fora. Primeiro eu me assustei, achei uma coisa muito grande.
Mas o meu fogo lá embaixo era maior, eu botei a mão e fui fazendo tudo o que
ele me dizia pra fazer. Foi uma delícia! Dali em diante, a coisa toda evoluiu
de uma forma muito natural, rapidamente.
– É normal...
– Ele começou a mexer em mim e eu conheci meu
primeiro orgasmo. E conheci os orgasmos dele, que eram diferente porque saltava
aquela coisa esbranquiçada e imediatamente o que eu gostava diminuía de tamanho
e ele não queria mais que eu mexesse por um bom tempo. Aí ele começou a encostar a
cabeça dura em mim e era uma esfregação tão gostosa que eu enlouquecia. Era o
maior problema fazer eu fechar a boca, porque eu gemia alto demais, fazia mais
barulho que gato no telhado. E ele foi entrando devagarinho, um pouquinho de
cada vez, levou vários dias pra entrar todo. Tinha medo de me machucar, no
começo deu uma dorzinha, mas eu queria era provar tudo dentro de mim, me sentir
uma mulher completa. Eu já estava para fazer doze anos dali a três meses.
– E então aconteceu. Ele entrou mesmo com tudo
e o cabacinho verde se foi...
CONTINUA
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