MILTON MACIEL
– Pra semana eu ligo pra você, aí me diga uma hora em que pode me receber aqui ou na firma, pra gente conversar mais sobre futebol. Acho que eu tenho muito o que aprender com você, cara.
21 – A GRANDE REVELAÇÃO: QUEM É CELSO ROMANO TELES, NA VERDADE
– Não vá embora ainda, nem deixe seus meninos
irem. O melhor da festa vai começar agora.
E apontou para a entrada do campo. Naquele
momento um monte de gaúchos paramentados a rigor chegava com várias mesas de
montar, ajudados por vários populares que ali estavam. De imediato
desembarcaram de uma grande van um enorme número de espetos com carne
fumegante. Era a trupe de Etelvino, o gaúcho, o pessoal da Churrascaria Estrela
dos Pampas, que ficava logo ali, na esquina seguinte da Rua Tuiuti.
Churrasco e bebida correram livres naquele
início de tarde, pouco depois de meio-dia. Tudo, é claro, por conta do feliz
dono da Academia e dos campos de futebol, o risonho e eufórico paulista Celso
Teles.
Risonho pelos sucessos, eufórico por causa de
um pequeno detalhe que Gládis De Rios lhe revelara, instantes antes:
– Sabe jefe,
eu estava com a Fofinha na torcida do
Delfim, ela me pediu para ficar lá com ela, tinha que torcer pelo time do Leon,
tinha prometido para ele. E ela fez isso, até que você fez aquele gol de falta.
Pois ela deu um pulo com os braços pra cima e um berro de gol, comemorou o seu gol e aí se deu conta que estava na
torcida deles. Ficou super-vermelha, e tentou explicar:
– Ah, foi gol do meu chefe, gente, me
desculpem, eu tenho que comemorar.
– E comemorou os outros gols do Nacional e a
vitória final. Dá pra acreditar? Achei que o meu jefito gostaria muito de saber isso.
Como resposta, Celso deu um beijo estalado na
cabeleira preta e cheirosa de sua amiga e respondeu:
– Valeu, espanholita, obrigado. Fico devendo
esta!
E, se já estava feliz, fez-se radiante. Ah,
como era bom viver certos dias da vida!
Lá pelas 14 horas, quando todos já estavam de
barriga cheia e muitos bem alegres com a cerveja, um microfone foi instalado à beira do gramado e duas potentes caixas de som foram colocadas próximo. A deusa negra,
a Rainha de Sabá, tomou da palavra, pedindo silêncio.
– Calma, pessoal, agora um pouco de silêncio,
porque chegou o momento culminante da nossa festa. Nós vamos agora entregar o
prêmio de cinco mil reais ao vencedor do torneio de futebol, conforme foi prometido. Peço a presença do
nosso chefe, Celso Teles, que transformou todo este grande sonho em realidade hoje.
Quando Celso chegou ao palco improvisado, vinha
acompanhado daquele japonês cabeludo, baixinho e gordo. Que caiu na choradeira
quando viu a enorme faixa que foi desdobrada, nesse exato momento, atrás deles.
Ali estava escrito, em letras enormes:
“1º. Torneio de Futebol HANASHIRO ITO”
Então Celso falou:
– Pessoal, hoje é um dia muito importante na
minha vida. Hoje eu comecei a realizar meu sonho mais precioso, com a
inauguração destes campos de futebol. Com o nome que vocês estão vendo na
faixa, eu quero homenagear um velho amigo da minha infância, um homem admirável
que produzia então e produz até hoje a melhor grama para campos de futebol em
todo o Brasil. É o pai do meu melhor amigo de infância, Hiro, que trouxe uma
das carretas de grama pessoalmente, desde Indaiatuba, nossa cidade natal, lá em
São Paulo. E que concordou em ficar aqui conosco até hoje, para assistir ao
nosso torneio.
– E para receber esta surpresa que quase me mata
do coração –disse Hiro Ito, chegando-se ao microfone, olhos ainda vermelhos,
muito emocionado.
O público aplaudiu longamente. Celso voltou a
fazer sinal de silêncio.
– Meu amigo Hiro, em nome do seu pai, vai entregar
o prêmio de cinco mil reais aos vencedores do Torneio Hanashiro Ito. Por isso
eu peço a presença aqui dos dois capitães dos times, o Bentinho e o Dieter.
Bentinho apareceu exultante, levantando os
punhos cerrados para o ar. Dieter veio mais comedido, tinha levado uma senhora
goleada dos riquinhos.
Hiro Ito pegou o cheque de cinco mil reais ao
portador e o entregou a Bentinho, segurando-o também enquanto dezenas de
celulares espocavam em fotografias.
– Para o vencedor, cinco mil reais: Nacional Esporte Clube!
Aplausos delirantes da torcida do Nacional.
Também o pessoal do Bandeirantes aplaudiu, solidário. Reconheciam que não
poderia ter feito papel melhor nesse torneio.
Hiro Ito pegou um segundo cheque, esse completamente inesperado, e Celso falou:
– Por favor, Dieter, venha receber o prêmio do
seu time.
E, quando este segurou a ponta do cheque com
Hiro, para as fotografias, Celso anunciou:
– Para o terceiro colocado, um prêmio de cinco
mil reais: Bandeirantes Futebol Clube!
A galera explodiu em aplausos e gritos. Dieter
arregalou os olhos e arrancou o cheque da mão de Hiro para conferir. E aí foi ele que deu
vexame, bem tinha avisado Bentinho que seu compadre Dieter era um manteiga
derretida.
Sem esperar que o pessoal se refizesse da
surpresa, Celso falou:
– Por favor, o capitão e representante do nosso
vice-campeão, o Delfim Futebol Clube, Leon Schlikmann, por favor.
Leon chegou com cara de surpresa, viu Celso
passar mais um cheque para a mão de Hiro, que o estendeu a Leon, para que ambos
o ficassem segurando juntos para as fotos. E Celso arrematou:
– Para o segundo colocado, o prêmio é de... cinco mil reais: Delfim Futebol Clube!
Mais uma onda de aplausos, Leon felicíssimo,
não pelo dinheiro em si, pouca coisa para os padrões dele e de seus jogadores,
mas muita coisa junto com as palavras de Celso:
– Este prêmio vai para recompensar nosso melhor
time de futebol de Amarante. Perderam por culpa minha, porque eu não joguei
limpo com eles: eu entrei no time do Nacional. E eu já fui jogador
profissional.
Mais uma vez ele pediu silêncio e disse aquilo
que era a parte mais importante de sua fala, o grande anúncio que queria fazer
naquela tarde:
– Atenção, todos agora. Atenção. Agora eu vou
dar uma notícia realmente importante. O que nós fizemos hoje aqui, com a
inauguração dos campos e a realização do primeiro Torneio Hanashiro Ito, foi só
o primeiro passo para a realização da primeira parte do meu grande sonho. E fez um instante de suspense, antes de
anunciar:
– Amanhã
eu vou dar entrada nos papéis para a constituição do primeiro time de futebol PROFISSIONAL desta cidade, o AMARANTE ESPORTE CLUBE!
O ruído produzido pelas pessoas foi
ensurdecedor. As frases entreouvidas no tumulto iam desde “Ele é doido
varrido!”, até “Me belisca pra ver se eu não tô sonhando”.
Só depois de o tumulto serenado, Celso pôde
explicar:
– Primeiro eu vou formar um selecionado local,
com os melhores jogadores dos três times. Esse ainda vai ser um time
amador, pra gente enfrentar times de
outras cidades. E para se divertir e brincar. E, claro, para a mesma
finalidade, vamos manter e incrementar os nossos times tradicionais, o
Nacional, o Bandeirantes e o Delfim. Aí, do que resultar do nosso selecionado,
eu vou montar o time profissional, valorizando primeiro a prata da casa, os que
têm potencial para evoluírem para craques. O resto, eu contrato de fora. Mas
podem escrever aí: o Amarante Esporte Clube vai nascer para ser um campeão,
para vencer as divisões de acesso uma por uma e chegar à divisão especial do
Estado. E aí o Campeonato Brasileiro e a Copa de Brasil que nos aguardem.
Foi um delírio total. Gente gritando,
assobiando, batendo os pés, dançando, brindando, abraçando Celso Teles até quase
sufocar. Parecia até mentira: Amarante ia ter um time de futebol profissional! Isso
jamais teria passado pela cabeça do mais otimista sonhador entre os amarantenses. E aí
chegava aquele moço paulista e virava tudo de pernas pro ar, sacudia a cidade,
transformava um sonho que nem se podia sonhar em realidade iminente!
Após o encerramento das comemorações, Celso reuniu
todo o pessoal que lhe era mais próximo e pediu que o seguissem nos carros até
a sede da Teles Automóveis. A esses, e somente a esses, iria revelar o resto do
seu projeto. Ou seja, iria enfim, SE revelar por inteiro no Brasil!
Instalou todos ao redor da enorme mesa de
reuniões, de 24 lugares. Então ligou seu notebook e acoplou a ele um projetor
de imagens. E começou a projeção, mostrando trechos de uma reportagem com diversos
jogadores jovens do Brasil, todos jogando em campos estrangeiros. Aos poucos a
sucessão de imagens em vídeo foi se concentrando em um único jogador, um
rapaz alto, de enorme cabeleira comprida e barba espessa, de tom acastanhado.
Curtos vídeos em espanhol inglês, italiano, mais alguns idiomas estranhos, que
pareciam russo ou árabe, eram misturados com um grande número de fotografias.
Celso começou então a explicar:
– Esse é um jogador brasileiro que foi muito
cedo para a Europa. Jogou, nesta ordem, nos times espanhóis do Betis e do
Zaragoza, depois foi para a Ucrânia e de lá para a Rússia. Aí chegou ao seu
apogeu, quando foi comprado pelo Milan, da Itália, onde ganhou um scudetto e uma copa dos campeões da
Europa. Então aconteceu a desgraça: ele foi quebrado por um maldito zagueiro
italiano e ficou dois anos no estaleiro. Perdeu forma física e foi vendido para
o futebol árabe. Era a decadência, embora ainda muito bem remunerada. E, da
Arábia, ele atravessou o oceano e foi encerrar sua carreira nos Estados Unidos,
jogando e depois dirigindo um time de Fort Lauderdale, na Flórida.
Então retirou de uma gaveta um grande álbum de
recortes de imprensa, em todos os idiomas dos países citados, que entregou nas mãos de Fúlvio Rondelli . Tirou também uma
sacola e pediu licença, pois precisava ir ao banheiro. Quando voltou, já Hiro
Ito, Nicanor, Fúlvio Rondelli e Lucas tinham sacado quem era o jogador e
cochichavam entre si, não dizendo nada para as moças.
Mas o Celso Teles que voltou do banheiro era
outro: tinha colocado uma peruca enorme e uma barba postiça. E vinha
paramentado com todo o uniforme oficial do Milan da Itália, chuteiras
inclusive.
– ROMANO!!! Gritaram os quatro homens
quase que em uníssono.
– Meu Deus, é o Romano do Milan!!! – reconheceu
Carmen de Rios, que gostava de futebol.
As outras moças, Paula, Jennifer, Gládis e
Larissa viram que aquele era exatamente o rapaz cabeludo e barbudo das fotos e
vídeos. Então o chefe tinha sido muito mais do que um jogadorzinho do juvenil
do Mogi Mirim, de São Paulo! Ele tinha sido ninguém menos do que o grande
Romano, cérebro do time do Milan durante duas temporadas, que tinha deixado o
futebol europeu depois de uma lesão irreparável.
O japinha falava, entusiasmado:
– Celso ROMANO
Teles!... Sim senhor, você nos enganou direitinho, cara!
Fúlvio Rondelli comentou:
– Bem que eu achei o homem parecido com um
grande jogador, quando o vi jogar. Cheguei a pensar no Rivelino, mas esse não é
do tempo dele, é muito mais velho. Acho que condiz mais com o Diego, que foi do
Santos e foi cedo para a Europa também.
Depois de receber os cumprimentos efusivos dos
quatro homens e a admiração de todas as surpresas mulheres, Celso sentou em sua
cadeira, com uniforme do Milan e tudo. Gládis notou a forma nova como Larissa o
olhava: não era só admiração, o que ela via nos olhos da Fofinha, era orgulho! “Ela
está sentindo orgulho do seu chefinho... Que delícia!”
Então o chefe falou:
– Agora vocês já sabem, finalmente QUEM eu sou.
Sou Celso Teles desde que voltei para o Brasil há seis anos atrás, aos 33 anos.
Mas fui Romano simplesmente a maior parte da minha vida, dos 17 aos 33 anos. Foi
como Romano que ganhei a minha fortuna, jogando na Europa, na Ásia e na América
do Norte. E foi muito dinheiro mesmo! No Brasil, eu fui um desconhecido. E
aproveitei isso quando decidi voltar para o meu país. Eu sabia como era chata a
vida de outros colegas meus, que encerraram também suas carreiras lá fora e
vieram acabar de vez com seu nome aqui no Brasil, jogando em timezinhos cada
vez mais inexpressivos. Eu não quis isso para mim. Acabei de jogar nos Estados
Unidos e lá mesmo passei para a posição de técnico e de dirigente de time, em
Fort Lauderdale, Flórida. Aprendi demais com isso, porque minha ideia, já naquele
momento, era vir para o Brasil e montar o meu time. Aproveitei também os meus
dois anos de Flórida e trabalhei também nas car
dealership americanas, como sócio de um americano e de um brasileiro, com
lojas em Fort Lauderdale e em Miami. Foi quando aprendi tudo o que sei sobre
mercado de automóveis novos e usados. Quando cheguei aqui, fui direto para
Sertãozinho, uma cidade pequena o suficiente para que ninguém me reconhecesse
como Romano. Raspei a barba, passei a usar o cabelo bem curtinho. E depois de
dois anos na Arábia e dois nos Estados Unidos, todo mundo já tinha esquecido o
cabeludo-barbudo do Romano.
Foi interrompido por um berro de Fúlvio
Rondelli, que bateu forte na mesa:
– Pirlo! Andrea Pirlo! Esse era o craque que o
meu chefe me lembrava, só agora me dei conta! É o Pirlo!
– Obrigado, Rondelli, pela comparação. Fico
feliz demais com isso, o Pirlo é um tremendo de um jogador.
E continuou onde tinha parado antes da
interrupção:
– Ali, morando em Sertãozinho, montei minha revenda
de automóveis em Ribeirão Preto. E fui encontrando vocês todos, um por um, para
minha grande felicidade. Achei o Nicanor em Sertãozinho mesmo, as espanholitas em
São Paulo, Lucas em Barretos, Paula em Ribeirão e a Jennifer nos chegou pelas
benditas mãos de Carmen. Assim eu montei a minha equipe nota dez e pude
progredir rapidamente nos negócios.
Fechou um pouco o semblante e continuou:
– Mas aí me estrepei todo, conhecendo, me
apaixonando e casando com a Rosana, de Sertãozinho. Deu no que deu, quatro anos
depois. Vocês conhecem a história, o japinha, o Fúlvio e a Larissa não conhecem,
nem precisam perder tempo conhecendo.
– E hoje você não joga as mãos para o céu
agradecendo, jefito? Não foi melhor
para você que a Rosana tivesse lhe causado o que causou?
– Ah, Gládis, Gládis, você sempre me surpreende
com sua percepção avançada das coisas! Como você é incrível! Sim, por tudo o
que me aconteceu foi que eu vim para Amarante e conheci Rondelli, que foi o
amigo que eu mais precisava na hora certa. Rondelli trouxe com ele Larissa e os
dois hoje fazem parte da nossa família, são parte importante da minha vida
também. Sim você tem razão, espanholita sabida, eu tenho mais é que agradecer
que tudo tenha acontecido daquele jeito lá em São Paulo. Sem aquilo, eu não
estaria aqui, não estaria COM VOCÊS aqui, o que é o mais importante. E a minha
vida sem vocês hoje não faz mais sentido. E o meu sonho de futebol está em
pleno início. Sim Gládis, eu agradeço: Graças a Deus, bendita Rosana!
Ouviu-se um suave murmúrio diferente: pra variar, era
Larissa que chorava com a carinha afundada no peito do padrinho. Celso sentiu
uma onda de ternura subir-lhe ao peito: Chora
de emoção. Será que é de alegria também?
Carmen levou as moças para copa e elas voltaram
rapidamente com garrafas de vinho e várias taças. Rondelli as abriu e serviu a
bebida. Carmen propôs o brinde:
– A Celso Teles, nosso jefito querido da Teles Automóveis! A Romano, nosso grande craque!
À Teles Academia e suas escolinhas de futebol! E ao Amarante Esporte Clube,
futuro campeão brasileiro!
Todos brindaram felizes, Celso mais do que todos eles, seus olhos
momentaneamente perdidos num mar de azul água-marinha, que brilhava com um
resquício de lágrimas, ficando ainda mais belos, fosse isso algo possível ou,
sequer, imaginável. Aquilo é que era felicidade! Aquele 31 de Outubro jamais se
apagaria de sua memória!
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