MILTON MACIEL
2 – A TERAPEUTA
Fim do cap. 28: "– Gênio, chefe! Puta que pariu, gênio!!! Que ideia do cacete! – explodiu Paula, com sua sutileza habitual de muitos momentos – Claro, Maria Amália! Ela vem e dá um jeito na Fofinha pra nós.
– Perfeito, chefe. Perfeito, Paula. É isso
mesmo. Faz com a Larissa o que fez comigo. Aliás, acho que com todas nós, sem
exceção.
As outras todas concordaram com a cabeça. E
Celso completou:
– E comigo também, antes de vocês. Por isso eu
insisti tanto para que ela trabalhasse com todas vocês. Aliás, depois do que
ela conseguiu com o Claudionor...
– Mas quem é essa Maria Amália, gente? Eu estou
boba de ver como ela é uma unanimidade para vocês, até para o chefe. O que ela
fez de tão importante assim com vocês.
– Maria
Amália Lasson é uma psicóloga junguiana, Larissa. Uma
terapeuta superior, com um grande conhecimento e uma enorme experiência.
– Ah, então está explicado. Ai, eu sempre
sonhei fazer terapia, mas meu pai nunca deixou, aquele ignorante sempre dizia
que isso era coisa para loucos. Ou que era coisa de charlatanice, só pra tirar
o dinheiro dos outros. Eu tanto supliquei, mas não teve jeito... Ele nunca ia
me dar o dinheiro para pagar, é claro. E eu nunca tive dinheiro meu...
– Caramba, garota, nem mesmo uma mesadinha?
– Não, nunca, nunca. Eu só podia comprar o que
a minha mãe aprovava. Isso desde que ele concordasse. Se ele dissesse não, se
achasse frescura ou caro demais... acabou-se.
– Ah, que vontade que dá de ir lá onde ele está
e terminar o serviço, quebrar o resto, principalmente aquela cabeça de bagre! –
esbravejou Gládis, revoltada.
– Pois então, se você concordar, eu dou um
jeito de trazer a Maria Amália aqui e ele se encarrega de você, Larissa.
Miss Amarante, com seu habitual jeito infantil,
chegou a dar um pulinho:
– Nossa, eu quero, eu quero, eu quero!!! Ai,
chefe, eu quero sim! E agora eu posso pagar, eu tenho aquela comissão da venda
que a Gládis me deu, pode ficar tudo para pagar a terapeuta. Ai, que maravilha,
que maravilha, mal dá pra acreditar! Eu fazendo análise, fazendo terapia... Eu!
Quem diria! Eu! Como têm acontecido coisas maravilhosas na minha vida agora, dá
até medo que aconteça uma coisa ruim, pra estragar tudo...
– Tá vendo, jefe?
Maria Amália nela. E urgente. Essa coisa de ficar com medo que venha uma
desgraça... Ah, essa é demais – E Paula caiu na gargalhada. Larissa, é óbvio,
corou violentamente.
– Ai, Paula... Eu não sei porque eu falo essas
coisas. Acho que é esse medo eterno que eu tenho dentro de mim. Uma sombra escura...
Mas minha vida foi sempre desse jeito, cada vez que eu estava feliz, um dos
dois lá em casa dava um jeito de acabar com a minha alegria. Sempre foi
assim...
– Bem, chefe, vamos para a parte prática,
então. Quer que eu fale com a Maria
Amália e negocie com ela? Que tome todas as providências?
– Beleza, Jeniffer. Ninguém melhor que você
para fazer isso. Tem carta branca, gaste o que for preciso, com Maria Amália
Lasson não se chora preço. Também ela é daquelas que, por ser a mais cara, é a
mais barata, vocês sabem muito bem.
– Mas... Se ela é tão boa, tão importante
assim, será que ela aceita vir para uma cidadezinha como Amarante? De onde ela
é, de Ribeirão Preto? E o preço... deve ser muito caro. Mas eu quero, eu tenho
essa comissão e tenho um outro dinheiro que o padrinho me deu, para comprar um
carrinho para mim. Eu uso tudo com a
terapeuta, o carro pode esperar, pego carona com vocês e com o padrinho.
– Larissa, não se assuste, a Maria Amália tem
um preço que é muito inferior ao que ela vale. E ela virá, com certeza e só uma
questão de uns dias para acertar a agenda dela. Ela mora num sítio, no interior
de São Carlos. E a maior parte do
trabalho dela é feito via Internet. E grande parte para clientes de fora do
Brasil. Portanto, não importa muito onde ela está, ela segue trabalhando de
qualquer lugar que tenha Internet razoável.
– Nossa, chefe, essa mulher deve ser fera
mesmo. Uma grande psicóloga.
– Uma psicóloga superior, Larissa. Superior, é
diferente de ser apenas boa ou ótima, você vai compreender quando começar ao
trabalho com ela. Superior!
– O que o chefe não está dizendo, Larissa, é
que a Maria Amália é superior porque ela é também astróloga. Usa mapas astrológicos nas consultas, exatamente como
Carl Jung, o criador da Psicologia Analítica, fazia também.
– Jung usava Astrologia com os pacientes? Nossa,
eu nunca ia imaginar uma coisa dessas. Mas Astrologia funciona mesmo? Eu olho,
de vez em quando, a coluna de astrologia no jornal ou na Internet, mas só
quando cai na minha mão, não procuro por isso, nunca acreditei. E diz cada
besteira...
– Larissa, horóscopo de jornal ou revista não é
astrologia. É mais uma diversão, uma bobagem mesmo. Mas a Astrologia séria, de
base científica é outra coisa. Eu conheci isso na Europa, na Espanha, quando ainda
era bem garoto. E nunca mais deixei de usar na minha vida. A Teles Automóveis,
por exemplo, é toda planilhada anualmente com base em mapas gráficos de
planejamento astrológico que são feitos para mim por um grande astrólogo de São
Paulo, um que conheci quando eu ainda morava em Miami.
– Mas a grande psicóloga e astróloga não é
Maria Amália?
– É, sim, Larissa. Mas eles têm especialidades
diferentes. É como dois grandes médicos, um gastroenterologista e outro
ortopedista, compreende? Ela trabalha com a psicologia, o homem com astrologia
aplicada a negócios: empresas, investimentos. É outra área, Maria Amália não
faz isso. Aliás, detesta. E sempre recomenda o mesmo profissional que eu uso,
que ela conheceu por meu intermédio.
– É estranho... Astrologia. Mas se o chefe diz
que a coisa funciona, eu é que não vou duvidar.
– E não duvide mesmo, menina. Não quando é
praticada por essas feras que o Celso usa há anos e anos. Palavra de sua amiga
Gládis aqui, que passa pelos dois periodicamente também.
– Nossa! Se você endossa uma pessoa, aí mesmo é
que eu tenho eu acreditar nela, porque você é bruxinha, vê logo de cara quem
presta e quem não presta.
– Pois então! Você vai adorar a Maria Amália.
Ah, você sabe a hora do seu nascimento? Precisa dela para poder fazer um mapa
astrológico.
– Ai, meu Deus! Eu não sei! Está vendo, está
vendo como as coisa são comigo! Eu toda feliz e agora já não vai dar mais.
Como era de se esperar, gotas teimosas subiram
aos olhos de água-marinha, o rosto lindo era agora pura desolação.
– Tolinha! Eu vi a sua hora de nascimento, a
gente tem a informação aqui na firma. Aliás, bem atrás de você.
Larissa arregalou as águas-marinhas e exclamou:
– O que?! Mas como, Carmen?
– Pasta verde. É a sua. Pode pegar. Ali estão
os seus documentos para admissão na Teles Automóveis. Estamos esperando apenas
que chegue a sua carteira profissional para registrar você, como mandam a lei e
as nossas normas rígidas. Pois entre eles está a sua certidão de nascimento.
Larissa entregou a pasta a Carmen De Rios, que começou
a examinar seu conteúdo.
– Mas a certidão tem a hora do nascimento?
– Tem sim, bobinha. Eu já olhei, já vi que a sua tem. E me interessei
porque eu, sendo uma adepta da astrologia também, sempre checo as horas de
nascimento nos documentos. Ó, está aqui. A resposta
é seis horas e dois minutos da manhã. Pronto! Fim
do problema que não existia.
– Ai, graças a Deus! Deus lhe pague, Carmen,
você me fez voltar a vida de novo, eu já estava toda pra baixo, vocês viram.
Ai, eu preciso mudar isso. E preciso deixar de ser tão chorona, eu choro por
qualquer coisinha, nas horas mais inconvenientes. É mais uma coisa para eu
morrer de vergonha também, eu pareço uma criança pequena, não consigo segurar,
quando me dou conta já estou desse jeito. Será que a terapeuta pode me curar
disso também?
– Se ela “curar” você disso, Fofinha, eu mando
o sapato de flamenco na cabeça dela, mato a desgraçada. Não mesmo, nunca! Você
não é a nossa Fofinha sem as suas
choradinhas. E sem as choradonas, também. Fique sempre assim, pura, autêntica,
emocional, sem máscaras. É por isso mesmo que a gente curte você.
– Que a gente ama você, Fofinha –
corrigiu Carmen, com um sorriso e um carinho no cabelo de Larissa – Que a gente
ama você.
– Mas eu sou tão infantil nessas horas... Anh, você disse AMA?!!
– É isso mesmo que mamita disse: a gente ama
você.
Todo mundo esperou pela automática explosão de
lágrimas. Mas Larissa fez algo diferente dessa vez: Arregalou desmedidamente os
olhos, fixos em Carmen e Gládis, que estavam juntas e... tombou pesadamente
para a frente. A ágil Paula antecipou-se e aparou a sua queda, evitando que ela
se machucasse no chão.
Todos levaram o maior susto. Todos, menos
Gládis, que disse tranquilamente:
–Todo mundo quieto. A Paula segura fácil. Não
foi nada, ela está bem, foi só emoção demais. Parece que, com ela, quando isso
acontece, em vez de chorar, ela desmaia. É, a Maria Amália vai ter um bocado de
trabalho com essa criança grande.
– Mas o que foi que aconteceu, afinal, para ela
reagir assim de uma maneira tão extrema? – perguntou Celso, muito assustado e
intranquilo com o estado de sua musa.
– Ora, qual foi pergunta que ela fez, antes de
cair? Quem prestou atenção, quem lembra?
– Ela perguntou isto, Gládis: Você disse AMA?! E aí ficou dura e
apagou em seguida.
– Mas vocês viram a carinha de surpresa dela?
Viram que ela estava dizendo outra coisa e aí se tocou que mamita tinha acabado de afirmar que a gente ama a nossa Fofinha. Ama!
– Pois é, acho que você está certa para variar,
hijita. Só pode ser isso. Então quer
dizer que essa menina...
– Tem a maior carência afetiva, gente! Pensem bem, crescer com aqueles dois
estrupícios desestruturando a vida, a personalidade dela, sendo um joguete na
mão da mãe biruta por causa da beleza, sendo um saco de pancadas do pai sádico,
aliás, do pai e da mãe sádicos. Que amor essa criança recebeu na infância?
Cercada de inveja por todos os lados, isolada, sem amigos. Não é de admirar que
ela tenha se agarrado no Leon Schlikmann, que era a única outra criatura que a
tratava com humanidade e carinho. E, claro, depois que surgiu o Rondelli na
vida dela, só então ela teve um pouco de paz e um refúgio, mas era uma coisa
diferente, porque, se você tem uma mãe e um pai que só põem você pra baixo e
tempo inteiro, você vai desenvolver sequelas muito pesadas, muito tristes.
– Por isso ela tem tanto medo, pobrezinha. Se
agarra muito nas coisas infantis que ela talvez não tenha conseguido viver na
idade certa...
– Você está muito certa, Jeniffer. Ela contou
que não teve infância, não podia brincar como criança, não podia ter amiguinhas,
só as coisas de beleza, beleza, beleza, concursos. Daí ela crescer odiando a
beleza dela, justamente a única coisa que poderia ter servido para ela se
sentir importante. Ter muito amor-próprio.
– Puxa, mas que coisa terrível! Ela é a mulher
mais linda que a gente já viu, foi a criança mais linda que já existiu. E isso,
ao invés de dar autoconfiança a ela, serviu para deixa-la ainda mais insegura.
– Pois vocês lembram, do que ela contou, que
pedia para o padrinho, quando tinha dez anos, que ele a ajudasse a fazer uma
operação plástica para ficar mais feia e poder ser uma criança normal?
– É mesmo, Paula. Ah, pois eu vou fazer algo
já, já! Vou procurar o telefone da Maria Amália e ligar pra ela agora mesmo.
Nada de e-mails, nós precisamos de socorro urgente pra esta menina, pra ontem.
Ela vai ter que largar tudo e correr pra cá. É agora que eu pego no pé dela e
não solto mais, até ela desembarcar aqui em Amarante. Com licença, gente.
– Isso, Jeniffer, faça isso já. Pague o que ela
pedir, ofereça extra para ela vir imediatamente, não regateie, garanta tudo o
que ela quiser e pedir. É mesmo uma emergência, agora eu estou entendendo
melhor. Vá, obrigado.
Enquanto falava essas palavras, Celso olhava
embevecido, com imensa ternura, para aquela moça-menina que parecia dormir
placidamente nos braços de Paula, moça-menina que ele amava como nunca fora
capaz de amar alguém em toda a sua vida.
Gládis, aquela que ninguém pode enganar,
chegou-se a ele, tocou-lhe o ombro com suavidade e murmurou num fio de voz, que
só ele pôde ouvir:
– Se ela desmaiou quando descobriu que nós a
amamos, nós as mulheres, imagine quando ela descobrir que tem alguém que a ama
ainda mais do que todas nós juntas, alguém que a ama com devoção e desespero.
Ah, como isso vai fazer bem pra ela! Talvez ainda mais do que a própria Maria
Amália.
Celso sentiu-se enrubescer levemente, o que, ao
contrário de Larissa, não era nada comum que lhe acontecesse. Ah, a espanholita
querida lendo sua alma por dentro, como se fosse um livro aberto! E conseguiu
murmurar, quase inaudivelmente também:
– Mas e o Leon? Ela ama o carinha...
– Esqueça o Leon, jefe. Ela ama o garoto, sim, mas é outro tipo de amor. O
verdadeiro, esse que você sente por ela, ela não conheceu jamais.
O diálogo sussurrado foi interrompido porque
Larissa estava voltando a si. Só então Paula a soltou de seus braços protetores
e a ajudou a firmar-se, ainda um pouco oscilante sobre os pezinhos graciosos.
– Ai, gente, eu apaguei, nem sei como. Ai,
perdão, perdão, eu dando vexame, como sempre. Que vergonha!... Mas também, o
que vocês disseram. A Carmen... Ai, gente, desculpem, mas o padrinho é a única
pessoa que eu conheci em toda a minha vida que me ama de verdade.
E completou, já mais firme e calma, mas os
olhinhos daquela inacreditável cor de água-marinha que ninguém mais tem
brilhando com suas inevitáveis lágrimas sempre sinceras:
– Foi emoção demais ouvir o que eu ouvi, vocês
não fazem ideia de como foi importante pra mim. Ainda mais que vocês me
conhecem há tão pouco tempo e eu não fiz nada, nada mesmo, para merecer o afeto
de vocês.
Gládis discordou na hora:
– Ah, fez sim, Fofinha, claro que fez!
– Mas o que eu fiz?!
– Existir, Fofinha.
Existir. Só isso. Você não precisa fazer mais nada. Só existir. E a gente se
apaixona por você, simplesmente. Porque você É! Isso mesmo, você É! Você é
linda por fora e mil vezes mais linda por dentro. Você faz um bem enorme pra
gente, basta a sua presença, basta às vezes só pensar em você, lembrar de você,
e a gente já começa a sentir uma coisa boa, a gostar da vida, a sorrir ou a
rir.
– Minha filha tem razão, Larissa. Pra variar...
Ela conseguiu dizer com palavras o que a gente sente e sabe só por dentro. Mas
é isso mesmo. Você ainda tem a pureza de uma criança dentro de você. Com todo
mal que lhe foi feito, você nunca desenvolveu nada de uma maldade que recebeu,
mas não ecoou. E não ecoou porque maldade alguma pode achar abrigo numa alma
pura como a sua. Você é única, Fofinha.
Gládis tem toda a razão: você faz um bem enorme pra gente, por isso a gente adora
estar perto de você. E por isso você não precisa fazer nada pra gente gostar de
você. Basta ser, basta existir. E existir exatamente assim como você é, sem
máscaras, sem fingimentos, autêntica como ninguém, chorona como ninguém, que
também isso é marca de sensibilidade de uma alma superior. É isso mesmo.
– Mas... Mas vocês esqueceram que eu agredi o
meu próprio pai, unhei a cara dele. Isso é ser boa?
– Ah, minha filha, tudo tem limite, não é! Pois
se até Jesus se queimou, ficou emputecido, e desceu a porrada naqueles filhos
da puta do shopping center do templo!
Carmen caiu na gargalhada:
– Ai, Paula, só você mesmo pra reescrever um
texto bíblico dizendo tanto palavrão numa frase tão curta! Porque você não
reescreve toda a bíblia, criatura? Ia ser um best seller absoluto, o grande sucesso editorial do ano, o Prêmio
Jabuti da boca suja.
CONTINUA
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