MILTON MACIEL
35 – A BRIGADA ANTI-SILVA
Fim do cap. 34: "Depois disso, que os outros se servissem também e um deles qualquer terminasse o serviço, despachando a garota para o inferno. Esse receberia muito mais dinheiro do que o outro.
A notícia da libertação de Valdemar Silva explodiu como uma bomba
nuclear na Teles Automóveis. Celso Teles ficou absolutamente transtornado, pois
sabia que agora suas meninas voltavam a correr perigo. Especialmente a
espanholita filha, que certamente estaria marcada para sofrer a vingança do
perigoso indivíduo.
Sua primeira providência foi ter uma longa reunião com Nicanor, seu
mestre de obras. A velocidade da construção da sede do Amarante Esporte Clube
que sofresse uma quebra. Agora ele queria que seu homem de briga e confiança
ficasse disponível para integrar uma brigada de defesa para blindar a
espanholita. E, por extensão, para proteger todas as moças que moravam no hotel
de Sonia Assad.
Por essa razão, Nicanor foi transferido de seu confortável alojamento na
obra para mais um dos apartamentos de Sonia Assad. Mais dois apartamentos foram
também locados e Celso instalou ali mais dois de seus homens de Ribeirão Preto,
também eles valentes, aguerridos e de sua total confiança.
Gládis disse que aquilo era um exagero, um despropósito, por uma única
razão: ela não se sentia – e nem se sentira – ameaçada em momento algum. Estivera
e estava plenamente segura e tranquila. Mas Celso disse algo que a fez pensar
com um pouco mais de simpatia nas providências do jefito:
– Você está tranquila, sua bruxinha, justamente porque sente que minha
brigada está dando segurança a vocês.
– A nós?
– Sim, espanholita. Eu me preocupo com Larissa, também. O bandido do pai
dela pode tomar alguma atitude de represália contra ela também, o desgraçado é
um poço de orgulho e arrogância, é bem possível que não queira deixar barato os
lanhos na cara que ela lhe fez. E as coisas todas que esse imbecil fez
acontecerem contra ele mesmo, ao tentar invadir a firma para castigar a filha.
E aí, maior azar da vida dele, encontrou uma certa toureira espanhola pronta
para capar o touro.
Gládis sorriu, mas seu semblante mostrou, pela primeira vez, um sinal de
preocupação. Sim, a Fofinha! O chefe
tinha razão, agora que ela estava parando para pensar nisso, sentiu uma espécie
de calafrio. Havia uma energia de maldade muito grande no ar e era para ela
mesma, Gládis, que não se inquietava nem um pouquinho com isso, mas era também
para a sua Fofinha. Mas que
grandessíssimo filho da puta aquele anão de jardim! Ele estava armando algo não
só para ela mesma, mas também alguma coisa muito sinistra para atingir a
própria filha!
Passou a informação a Celso Teles, que redobrou o seu sentimento de
intranquilidade. E redobrou os cuidados com sua brigada de segurança, agora com
a concordância total da espanholita.
Juntou todo o pessoal da brigada e teve uma reunião de planejamento com
eles. Gládis foi presença obrigatória. Foi ela mesma a primeira a falar:
– Amanhã à noite! Minha hora é amanhã à noite. Os bandidos vão agir mais
rápido do que se possa imaginar.
– E você tem ideia de onde, espanholita?
– Claro como água da fonte: no nosso apart-hotel. É noite ou madrugada.
Madrugada, isso! No nosso apartamento, meu e de mamita.
– Maravilha, Gládis! Ô anteninha milagrosa essa sua!
E tratou de explicar rapidamente o que significava aquilo para os outros
homens. Todos ficaram admiradíssimos que uma pessoa pudesse ser dona de um tal
dom, mas isso só vinha contar pontos para eles. Se a moça estivesse certa, o
fator surpresa não estaria mais a favor dos bandidos, mas contra eles. E, se
ela estivesse errada, não perderiam nada, exceto uma boa noite de sono, ficando
espertos de vigília.
Com sugestões de diversos dos presentes, Gládis e Celso inclusive, foi
então estabelecida a estratégia de ação, ao longo de mais de duas horas de
discussões animadas.
Celso Teles saiu em seguida, em busca de contato com o promotor, o qual
já ficara sabendo da grande bomba e tinha ido, imediatamente, tirar satisfações
com o juiz Trindade. Quando Celso lhe telefonou, para marcar o encontro,
encontrou-o bufando de raiva, furioso com a covardia do juiz. Contou a Celso
que essa covardia ficara evidente, o homem não sabia onde se meter, ficara o
tempo todo olhando para o chão, em certo momento tinha enchido os olhos de
lágrimas e repetia, sem cessar, que ele não podia fazer nada.
Os dois se reuniram rapidamente na própria casa do promotor, não era
conveniente que vissem o homem indo à Teles Automóveis. Celso concluiu da mesma
forma, era evidente que o juiz estava apavorado de medo, aquilo não era a
atitude fria e calma de um oficial corrupto, que tivesse apenas se vendido por
dinheiro, ficando tranquilo e com as costas quentes, garantidas pelo corruptor.
Celso teve a ideia de tirar a prova dos noves. Como o promotor tinha o número
do celular do juiz, sugeriu que ligassem para o homem, tentando, de alguma
forma, dar a entender que era de parte de Valdemar Silva. Mas esbarraram no problema dos respectivos
sotaques:
– É, eu falo português como paulista do interior, me sobraram uns pirir-pirpir de Indaiatuba.
E, ante a incompreensão do promotor, explicou que os paulistas da
capital, os paulistanos, brincam com o sotaque de caipira do pessoal do interior,
dizendo que lá os frangos e as galinhas caipiras não fazem piu-piu-piu, mas
cantam pirir-pirpir.
– Mas, bah, tchê! E eu então? Não só me traio com o meu gauchês pesado,
mas o homem até conhece bem a minha voz. Bueno, mas tem uma cosa, a minha
mulher criou-se e estudou sempre na capital, em Porto Alegre. Vem cá, Tereza! –
berrou.
Explicaram rapidamente o que se passava à esposa do promotor, que
aceitou de bom grado fazer uma ligação para o celular do juiz, falando o que os
dois homens ali lhe pediam que falasse. Colocaram o telefone fixo no viva voz,
Celso Teles colocou seu celular na função gravador de voz e ela disse ao juiz, de
forma seca e direta, usando um timbre áspero e autoritário:
– O chefe não está satisfeito com você, sujeito! Tá faltando muita
coisa, olha o perigo, já esqueceu?
Voz de mulher! Era a desgraçada de novo, estava disfarçando a voz, mas
era ela mesma, com certeza. O juiz Trindade falou em pânico, a voz oscilante e
esganiçada:
– Mas como? Pois eu não dei o habeas
corpus, não dei o alvará de soltura? O que mais vocês querem de mim?! Meus
netos são crianças inocentes, o Silva não tem nem um pouquinho de coração, não?
Não tem nada mais que eu possa fazer por vocês. Nada, nada. Pelo amor de Deus,
tenham piedade, as crianças não!
O promotor tomou o telefone na mão:
– Te entregaste, índio velho!!! Quem falou contigo foi minha mulher, fica
por aí mesmo, sei que estás no fórum, que eu já tou indo a teu encontro, vais
ter muito o que o contar pros teus superiores hierárquicos, tchê!
Celso também pegou o telefone e deu o tiro de misericórdia:
– Aqui é o Celso Teles, doutor. Escute só esta coisinha aqui.
E tocou no ícone de reprodução de gravação, com seu celular bem rente ao
bocal do telefone fixo do promotor.
Ao final da curta gravação, em que o juiz ouviu sua própria voz em
pânico, todos ouviram a curta resposta:
– Venham, venham... Seja o que Deus quiser... Quem sabe é melhor
assim...
No caminho para o fórum, Celso convenceu o promotor a não pedir a
revogação do habeas corpus e do
alvará de soltura. Em primeiro lugar,
para não expor os netos de juiz a uma represália, antes que se pudesse armar um
esquema de segurança para as crianças e, provavelmente, para o juiz e o resto a
família. Não havia tempo nem logística para isso, assim de afogadilho. E havia
outra razão também:
– Eu lhe peço que considere que nós estamos armando um esquema de
segurança para a Gládis, que o senhor sabe bem que é, e para a própria Larissa.
Se o desgraçado mandar seus capangas agirem, a gente estará à espera. Por isso
acho que ele nos é mais interessante solto do que preso, agora. Vamos deixar o
maldito livre para agir, vamos dar corda nele.
– Bueno, só se for corda pro maula se enforcar, tchê! Mas vocês se
garantem, têm gente buena pra aguentar o repuxo?
– Temos sim, pode ficar tranquilo, doutor. Eu lhe garanto.
– Bueno, então deixa eu ir lá pro fórum, botar o frouxo do Trindade
ajoelhado no milho, no confessionário. Cosa boa, mais um crime pra gente tocar
mais um processo em cima desse Silva, o homem tá mais sujo que pau de galinheiro,
cada dia se afunda mais, que nem piá em sanga funda.
Despediram-se felizes com o resultado inesperado do telefonema da esposa
do promotor. E Celso voou para a Teles, morrendo de saudade de Larissa.
Precisava urgentemente ver o rostinho mimoso de sua musa!
Encontrou-a ao lado de Gládis De Rios, que não desgrudara mais de sua Fofinha, usando para isso mil
artifícios. Quando Celso chegou, Gládis estava sabatinando Larissa a respeito
de características de automóveis da marca Renault. Aquilo era pano pra muita
manga, seguramente um dia de estudos seria pouco. Espanholita viva aquela, um
prodígio de cabecinha, um prodígio de coração! Só Larissa mesmo, na sua
ingenuidade, para não perceber que aquilo não tinha nada a ver com automóveis,
mas com proteção e afeto.
Celso ficou emocionado com aquela cena. Que coisa boa que ele tivesse
aquela criatura tão especial ali naquele momento, como que envolvendo sua
menina amada com suas asas de anjo de flamenco! Pela primeira vez naquele dia
ele sentiu um pouco mais de tranquilidade com respeito à segurança de Larissa.
Não, nada de mal poderia lhe acontecer enquanto Gládis De Rios estivesse ao
lado dela. E estava ali na firma, estaria em casa, no apart-hotel. E, com toda
certeza, hoje a espanholita iria para casa de carona num certo fusca laranja.
Ou convenceria Miss Amarante a ir com ela e Carmen, no carro delas, deixando o
fusca na oficina de Rondelli.
Naquele ponto, de onde podia ficar contemplando as duas moças, sem ter
sido percebido por elas, Celso deixou-se ficar por alguns minutos. Assim sorvia
com os olhos a visão encantadora de sua musa e absorvia com o coração a atitude
dedicada e protetora de sua espanholita.
Finalmente, com muita dificuldade, conseguiu deixar seu posto e se
afastar. Só então Gládis olhou rapidamente de soslaio para o ponto onde ele
estivera e pensou: – Tolinho como
qualquer apaixonado! Tolinho a ponto de achar que eu não o percebi. Ah,
menininha loirinha, como você sabe fazer a gente te amar tão profundamente! E
pensar que foi criada num ninho de serpentes, sem receber uma migalha sequer de
amor verdadeiro...
Celso foi ter com Rondelli, precisava de um peito amigo. E estava
preocupado com o italiano, pois também ele estaria mais do que intranquilo com
Larissa, uma vez que a notícia da soltura de Valdemar Silva já tinha corrido
por todo e qualquer beco de Amarante. De fato, Rondelli estava com o semblante
carregado e com dificuldade para se concentrar no manual técnico que tinha na
tela do computador. Ao ver Celso Teles, deu um salto da cadeira e falou:
– Que barbaridade isso, doutor! Na certa ele comprou esse juiz de merda!
– Não comprou, não, Rondelli. O homem é honesto. Foi pior que isso, foi
chantagem, foi terror. Ele ameaçou matar os netos do juiz.
E contou rapidamente todo o lance em casa do promotor.
Rondelli ficou absolutamente endoidecido.
– Eu vou resolver isso tudo e é hoje,
doutor. Na bala! Vou lá, me apresento
como amigo e mato esse desgraçado. Livro minha afilhada, livro a Gládis, livro
o juiz, livro Amarante inteira desse vampiro. Livro o planeta desse monte de
esterco!
– Calma Rondelli, não precisa fazer besteira. Deixe que eu estou dando
um jeito.
– Calma nada, doutor. Me escute bem: Eu já sou um homem velho, já vivi
72 anos, grande parte deles muito ruins. Mas há 17 anos 6 meses e 18 dias vivo
feliz como nunca, porque desde um certo dia bendito, eu passei a ter um anjinho
loiro na minha vida todos os dias, só um muro baixinho separando a casa dela da
minha. Já vivi 72 anos neste mundo aqui fora, posso muito bem viver o resto do
me resta, que não deve ser muito, na cadeia.
– Que é isso, carcamano? Quer assustar os seus amigos?
– Não, doutor, eu já pensei um monte de vezes em matar esse desgraçado.
Cada vez que a minha menina fugia lá pra minha casa, pra escapar das surras
dele, eu pensei em limpar o mundo. Muitas vezes cheguei a empunhar o meu
revolver, conservei-o no bolso por muito tempo. Mas sempre me segurei, porque
eu sabia que, se me prendessem, minha menina ficava sem proteção nenhuma neste
mundo. Mas agora eu já posso ir em cana, doutor.
– Ué, mas o que foi que mudou?
– O que mudou foi que, se eu faltar, minha menina não fica mais
desprotegida. E sabe por que? Porque existe a espanholita filha! E eu vejo o
quanto ela gosta da minha menina, doutor. E eu sei o quanto ela é forte, não só
no corpo de lutadora, mas na alma, doutor. Aquilo é uma alma nobre, uma alma
superior. Se me acontecer alguma coisa, se eu tiver que ser preso para defender
minha menina e a própria Gládis, eu sei que a espanholita vai cuidar da minha
afilhada como eu mesmo tenho cuidado.
– Eu não tenho dúvida alguma sobre isso, Rondelli, Agora mesmo eu fiquei
vários minutos observando exatamente isso, a Gládis enrolando a Larissa com uma
história de aprender, de decorar fichas inteiras de carros Renault, só para não
deixar a menina fora do alcance das vistas dela.
– Pois então, doutor! Não é melhor que eu vá logo acabar de vez com tudo
isso? É menos de um minuto e eu livro as duas meninas desse monstro, doutor.
Não me custa nada, vai me deixar feliz demais. Olhe, eu nunca pensei que
pudesse ficar tão feliz com a ideia de sacrificar esse restinho de vida minha
pelas duas meninas, doutor. Mas eu vou ficar. E muito. Eu estou pronto!
Foi só nesse momento que Celso Teles percebeu o volume estranho na
cintura, por baixo do jaleco de mecânico ainda muito limpo.
– Rondelli, seu maluco, você está armado!
– Já falei, doutor: Eu estou pronto! Tem que ser agora. Agora que está
muito mais fácil, na cadeia ia ser muito difícil eu entrar. Agora é só ir na
firma dele, a pretexto de propor o conserto do Mercedes que o idiota rebentou a
pedrada. Agora, doutor. Agora! Vou agora, já, e em menos de meia hora o senhor
recebe a notícia de que os problemas de todos vocês acabaram. O senhor é meu
amigo, sei que vai me compreender, até me arranja um bom advogado depois pra,
quem sabe, diminuir um pouco a minha pena. Mas eu lhe peço agora, pela nossa
amizade, que é uma coisa que eu prezo demais nesta minha vida de velho, me
ajude com a coisa, prometa que vai consolar a Larissa, fazer ela entender que
eu fiz tudo por amor a ela, para proteger meu anjinho pelo resto da vida dela.
Celso Teles estava comovido demais para poder falar. Que amor o daquele
homem por uma criança que ele acolhera aos seis anos de idade e que aprendera a
amar daquela forma incrível desde então! Que caráter, que fortaleza moral que
era Fúlvio Rondelli! Ele, Celso, nunca fora capaz de pensar dessa forma, mas
agora, colocando-se no lugar de Rondelli, chegava a considerar que matar um ser
humano poderia não ser um ato tão reprovável. Mas, quando conseguiu falar, o
que disse foi algo bem diferente:
– Não posso, Rondelli. Não posso ficar sem o meu mecânico. Sinto
desapontar você, mas não posso dispensá-lo por meia hora, pra você dar um
pulinho ali na Transportadora, matar o Silva e voltar para continuar estudando
esse seu manual aí.
– Doutor, pelo amor de Deus, eu não estou brincando!
– Nem eu Rondelli. Quer ver?
E, num movimento extremamente rápido e inesperado, girou por trás de
Rondelli, e, no instante seguinte, estava com o revólver dele em sua mão. E,
antes que o italiano, estupefato, pudesse reagir, destravou e girou o tambor,
retirando todas as seis balas do 32.
– Confiscado, italiano. Aqui na Teles, armado, só segurança legalizado.
– Doutor, pelo amor de Deus me devolva essa arma, as balas, o senhor
sabe que eu tenho que fazer isso!
Rondelli falava a custo, estava a ponto de explodir em choro. Celso
aproximou-se mais e abraçou-o longamente:
– Fúlvio Rondelli, você é o único amigo que eu tenho nesta vida, além do
meu japinha, que eu não via há tantos séculos. Minhas outras amizades você
conhece muito bem, são estas quatro mulheres fora de série, que vieram de
Ribeirão Preto comigo. Mas aqui em Amarante, você é o único homem que eu tenho
como amigo. E eu sou um puta dum egoísta, italiano. Amigo meu não vai em cana
de jeito nenhum, senão eu fico privado do convívio com ele. E não ter você todo
dia, enchouriçando por aqui, enchendo a paciência de todo mundo, está
completamente fora de cogitação.
– Doutor...
– Rondelli, eu gosto de você demais para deixar você fazer essa asneira.
Confie no seu amigo aqui, eu é que vou dar um jeito definitivo
nesse filha da mãe do Silva.
– Então o senhor é que vai matar ele, doutor? Verdade?
CONTINUA
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