segunda-feira, 2 de novembro de 2015

ELVIRA
MILTON MACIEL

Ela era mais alta dos que as outras. Tinha uma voz que, embora suave, transmitia um certa autoridade. Os cabelos erguidos em coque, o sorriso quase uma constante. Havia nela um quê de diáfano e, para mim, de indefinível. Longe de mim querer entendê-la, bastava-me apenas aceitá-la. E amá-la.

Teve um profundo impacto em minha vida.

Acho que meu coração pulsou de amor desde o primeiro momento em que ela se dirigiu a mim, olhando-me com carinho e falando-me com ternura. Sempre foi assim. Nossa relação, que se espalhou ao longo de três anos, sempre teve essa tônica dominante de carinho, ternura. E de respeito recíproco, sem dúvida. 

Elvira. Seu nome era Elvira. Achei o nome lindíssimo. Claro, era o nome Dela! E eu vivia a falar de Elvira pra cá, Elvira pra lá... Maria ficou com ciúmes. Até então ela era a detentora única do meu amor. Agora aparecia aquela intrusa!...

Um dia foram apresentadas. E Elvira era tão extraordinária, que Maria também gostou muito dela. Maria parou de reclamar: o que pensava e sentia, guardou para si, daquele dia em diante. Houve até uma vez em que comprou flores para que eu levasse para Elvira. Fiquei admirado. E feliz, muito feliz. Porque Elvira adorou minha flores, mostrou-as para todo mundo, deu-me um beijo apertado na frente de todos.

Foram três anos. Porque ela fez questão de me acompanhar. Eu não podia interferir, foi escolha dela. Ao cabo do primeiro ano a separação apresentou-se inevitável. Mas antes que eu sofresse por isso, Elvira mudou tudo e seguiu ao meu lado. E repetiu isso outra vez, quando, tempo depois, o mundo queria nos separar. Ela não deixou. E eu a amei ainda mais.

E Elvira abriu todo um mundo para mim, sabia muito mais do que eu. Mas sabia reconhecer que eu queria saber. Queria muito saber! E me ensinava com paciência infinita. E me estimulava a ler cada vez mais. E eu a amava ainda mais.

Por isso, quando chegou o momento de deixá-la e seguir em frente para outro território, eu sofri. Mas ela me amava o suficiente para conduzir meu afastamento, para fazer com que eu aceitasse o inevitável, como uma condição para seguir crescendo.

E o crescendo não era só simbólico, não era só de cabeça, não era só crescer no mundo. Era crescer também no físico. Explico. 

Quando deixei Elvira eu tinha 10 anos de idade. Quando a conheci, ia fazer 8 no meio do ano. Alta, gentil, com seus cabelos completamente brancos em coque elegante, vestida sempre de preto, Elvira foi a minha professora exclusiva de segunda, terceira e quarta séries do primário. Quando comecei a amá-la, ela tinha 71 anos de idade. 

Era boa demais para aceitar a aposentadoria. Seguiu sempre trabalhando com as crianças. Tive a felicidade de ela apaixonar-se por nossa segunda série do primário. E, ao invés de entregar-nos à professora da terceira série, conseguiu continuar com essa turma até a quinta série, quando acabava o primário de então.

Mas eu me desgarrei da turma antes. A maravilhosa Elvira e a dedicada Maria, que agora era sua amiga, decidiram que eu podia “pular” a quinta série primária e entrar direto na primeira do ginásio. Eu não tinha idade legal para isso, mas a Maria deu um jeito com seu amigo de infância, o Chiquinho, que agora era o Prof. Francisco, diretor do ginásio. Deram um jeitinho brasileiro e eu adiantei um ano minha formação. Valeu Maria. Valeu, Elvira.

Elvira continuou presente em minha vida por muitos anos, acompanhou minha trajetória sempre. Estava lá, mais bela do que nunca em seus 77 anos, quando eu fiz o discurso de formatura do ginásio, agora um molecão espigado de quase um metro e oitenta e 14 anos.

Como pode concluir quem lê estas linhas, Elvira ficou para sempre em meu coração e em minha memória. Ah, e antes que eu esqueça: compartilhando estes espaços com Elvira, a Maria... que era a minha mãe!

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