quarta-feira, 25 de novembro de 2015

LUA  OCULTA – 15   
MILTON MACIEL  

15 – ESSA DONA EUGÊNIA!
Fim do cap. 14: " Claro que não é. Pode me dar, que eu entrego. E posso lhe garantir, com toda a certeza, que ela vai adorar receber esse presente. Mas vamos para a sala, seu padrinho está esperando por você faz bastante tempo."

Pouco depois Larissa e Fúlvio saíram, no carro dele. Ainda iriam passar pela Teles Automóveis, antes de irem para casa. Celso ficou com o japinha e aproveitou para tomar o seu banho. Entrou na água que dissera para Larissa não jogar fora, na banheira de hidromassagem, porque Dona Eugênia preferia assim. Na verdade ficou um longo tempo dentro daquela água perfumada, já um pouco fria, dando asas à imaginação, lembrando que ela havia tocado TODAS as partes do corpo de sua fada loira. Era excitante mas, ao mesmo tempo, tinha algo de mais nobre, que ele mal conseguia definir na hora. Ah, Larissa, Larissa! Quando ele poderia ter imaginado, apenas algumas horas atrás, que ela entraria na casa dele, ficaria nuinha em pelo, se esparramaria nessa banheira, vestiria seu roupão, deitaria aquele corpo perfeito e sensual em sua cama de solidão solteira diária. E ainda sairia com a missão de comprar, ainda aquela noite, uma bela caixa de bombons para a gentil e tão competente Dona Eugênia.

No carro, depois de passarem pela firma, a caminho de casa, Fúlvio Rondelli pesou criteriosamente prós e contras e achou que deveria trair o segredo de Celso, exatamente depois de ter parado na confeitaria, para que Larissa comprasse os bombons de Dona Eugênia:

– Se você quiser, pode deixar que eu mesmo levo os bombons para ela, amanhã de manhã vou pegar o Celso e o Hiro em casa, para levá-los para a obra. Não esqueça que o Celso deixou o carro dele lá.

– Quero sim, que bom. E dê um abraço nela por mim. Ela fez um trabalho tão perfeito com a minha roupa. Até a roupa de baixo estava limpinha e perfumada, uma delícia.

– Ah, pois eu vi a Dona Eugênia em ação ontem, justamente pegando a sua calcinha e as outras peças e colocando na máquina de secar roupa.

– E ela é bacana, legal, padrinho? Deve ser. Pelo menos competente ela é demais. Que idade ela tem, dá pra estimar?

– Estimar nada. Dá pra garantir com exatidão: ela tem exatamente a idade do Celso, 39 anos.

– Puxa, ela é moça, então. É gordinha, como eu imaginei?

– De jeito nenhum, tem a maior forma física, forte e atlética que nem o Celso. Aliás, tem até a mesma altura dele.

– Nossa, que incrível. Que mulher alta. E a carinha dela?

– Exatamente igual à do Celso, também.

– Mas como, padrinho? Agora eu não entendi mais nada.

– A Dona Eugênia não existe, minha filha. A Dona Eugênia é o Celso Teles!

– Como? Mas por que... É que ele falou que ela ia lavar as minhas roupas... – então terminou de pensar em tudo – Não! Isso quer dizer, então, que ele...

– Que ele lavou suas calcinhas, mocinha. E todo o resto.

– ELE?! Ele?! Mas como...

– Pois é, ele não tem empregada nenhuma, Eugênia é o nome da falecida mãe dele. E ele inventou essa história só para você não ficar envergonhada como está agora.

– Nossa! E ele é meu patrão, meu chefe! Que homem mais incrível! Lavando roupa como qualquer pessoa, e ainda por cima minha... – E corou intensamente, sem completar a frase.

– Pois é, sua calcinha, que você acaba de dizer que estava limpinha e perfumada.

Larissa ficou olhando boquiaberta para a caixa de bombons em sua mão. E imaginado o doutor, um homem rico e importante como aquele, lavando suas calcinhas, sua calça, sua blusa. Lembrou-se que a calça estava impecável:

– Nossa! Então ele PASSOU a calça a ferro! Dá pra acreditar?!

– Pois, minha filha, eu lhe digo que, em se tratando de Celso Teles, dá pra se acreditar em tudo, tudo o que for muito bom. Mas ele me pediu para não lhe falar de maneira alguma, que ele é a Dona Eugênia. E eu prometi.

– Ai, que amor! Como ele cuida da gente, não é padrinho? Cuida dos outros, é tão bom...

– Pois é. Foi por isso mesmo que eu resolvi trair meu chefe e amigo. Traí porque devo lealdade maior ainda a você, minha filhota querida do coração. Para que você veja que maravilha de homem é esse nosso chefe, até que ponto ele é simples e humano.

Larissa espichou-se toda e deu um beijo na face de Fúlvio Rondelli:

– Obrigada, padrinho. Muito obrigada. O senhor fez muito bem em me contar e eu entendi direitinho por que contou. E acho que o senhor não vai querer que o Celso saiba que me contou, não é?

– Claro, meu amor. De jeito nenhum, ele vai se sentir traído por mim. Mas eu fiz isto pelo bem dele e pelo seu. Principalmente pelo seu.

– Obrigada, padrinho, o senhor é um amor.

E ficou pensativa, calada, o resto do percurso, sempre com os olhos perdidos na caixa de bombons em suas mãos.

Quando chegaram à casa de Larissa, ela desceu do carro e entregou a caixa a Rondelli.

– Você entrega para ele, padrinho. Para ele dar para Dona Eugênia. Assim ele pensa que eu não sei de nada. E, outra vez, obrigada. Boa noite, padrinho.

Naquela noite um anjo loiro demorou muito tempo para dormir. Revirando-se na cama, revivia todos os momentos de intensa felicidade sobre o barro e sob a chuva das grossas mangueiras. Revia o torso nu, musculoso e bem torneado de Celso Teles, tão diferente, tão mais másculo do que o de Leon. Depois voltava a viver a delícia de galopar por Amarante montada na carreta de Seu Hiro. E deixava-se esparramar na larga banheira de hidro da suíte de Celso. E, mais agradável ainda, revivia os momentos em que rolara, nua e relaxada, sobre a ampla cama king size, sentindo a emoção de estar deitada na cama de um homem que não o Leonzinho. E chegava ao clímax dessa emoção quando lembrava sua calcinha limpinha e perfumada, passando antes pelas mãos atenciosas DELE. Ele, a sua competente Dona Eugênia, cobrando silêncio do padrinho, para que ela não ficasse constrangida.

Que homem notável, que... diferente que era esse Celso Teles! Tão diferente dos outros homens em sua vida. Não era uma pintura de beleza como Leonzinho, mas era muito mais... homem! Ainda era jovem, mas já tinha uma maturidade que Leonzinho certamente jamais teria, nem aos cem anos. Tinha a bondade, a generosidade do padrinho, mas maior ainda, porque ajudava todo mundo, como tio Fúlvio mesmo, o Nelson da Academia, os rapazes todos do futebol da Baixada, construía aqueles dois campos de futebol como Amarante jamais tivera um só que fosse. E, como se ainda não bastasse, o padrinho lhe dissera que ele ia mandar terraplenar e gramar a Baixada às suas expensas, sem esperar ganhar nada com isso, só para dar mais um campo de futebol descente, esse público, para a gente pobre da cidade!

Que diferente, que notável, que admirável que era aquele homem! Por isso o padrinho tinha a maior admiração por ele. Mais, ela podia perceber que tio Fúlvio gostava de verdade, gostava muito dele, como de ninguém mais naquela cidade, exceto ela mesma, sua afilhada. E isso queria dizer tanto...

Por fim adormeceu. Mas, em seus sonhos, viu-se flutuando em um lago de águas plácidas e mornas, totalmente nua. E Celso Teles chegava-se a ela, trazendo-lhe um manto branco e diáfano, para que se vestisse ao sair. E ela não tinha qualquer vergonha de sua nudez...

UMA SEMANA DE MUITA EXPECTATIVA

A semana terminou com um jogo de várzea no domingo, no campinho tosco da Baixada, entre os times do Nacional e do Bandeirantes, reunidos com enorme entusiasmo por Dieter e Bentinho, para apresentarem seu futebol a Celso Teles. Depois de 15 minutos de jogo, o Nacional já vencia por dois a zero. Então Celso apareceu em campo, com o uniforme do Bandeirantes e substituiu um dos jogadores de meio campo. Fez um gol e deu passes magistrais para mais dois. O primeiro tempo acabou três a dois para o Bandeirantes.

Mas, no segundo tempo, Celso não voltou mais a campo. Ainda assim, seguindo orientações que ele deu no intervalo ao time, o Bandeirantes fez mais um gol. Era a primeira vez em dois anos que eles conseguiam estar à frente o placar. Aos 30 minutos, mantido placar de 4 a 2, Celso apareceu de novo em campo, agora com o uniforme do Nacional, para surpresa e estarrecimento de todos. Em quinze minutos fez dois gols e o jogo terminou empatado em 4 a 4, para alegria e confraternização de todos.
Dieter falou para Bentinho:

– Puxa, vai ser a primeira vez que a gente não vai ter que pagar a cerveja pra vocês. A gente vai ter que rachar hoje!

– De jeito nenhum – gritou Celso de onde estava, rodeado por dezenas de espectadores e jogadores – Hoje quem paga é a Teles Automóveis. E a cerveja já está toda aí, na van do Bicalho. E, junto, vocês vão conhecer a delícia das delícias, vocês vão comer o melhor bolinho de ovo de Amarante, o bolinho do Bicalho. Tem dúzias e dúzias deles. Bicalho, exultante, começou a servir as bebidas e os bolinhos, com a ajuda da melhor comida de Amarante, sua protegida, a apetitosa mulata Jacira, a cozinheira do bar.

É claro que o único assunto ali no campinho era a extraordinária performance do dono da Revenda de automóveis, o dono da academia que estava concluindo dois flamantes campos de futebol e que viera naquele domingo para vê-los jogar, mas apenas como preparação para o jogo inaugural do Campo Um da rua Tuiuti. Mas entrara em campo pelos dois times e fizera nada menos que três gols, dando passes para os outros dois.

Era óbvio que estavam frente a um jogador profissional, alguém que devia ter jogado em times bons, face a todo o futebol que demonstrara em tão poucos minutos. E que ostentava uma forma física que nenhum dos outros, mesmo os muito mais jovens, tinham.

Celso explicou-lhes, então, sucintamente que sim, que havia jogado pelo time do Mogi Mirim, em São Paulo, como profissional. Mas era ainda muito garoto, tinha só 17 anos. E que, depois, ficando adulto, deixou de jogar, para se dedicar ao negócio de automóveis.

Mas, objetavam todos, como é que podia estar em tanta forma e ainda jogar tão bem, aos sabidos 39 anos de idade. Celso respondeu que jogava com muita constância em Ribeirão Preto. E que, como quase todos ali sabiam, corria 12 quilômetros por dia e fazia muita malhação na academia de Nelson.
Foram todos felizes para casa e convencidos que o homem da Revenda era uma espécie de prodígio, devia ter uma genética toda especial que lhe permitia manter-se assim em forma e competente, mesmo na beira dos 40 anos.

E Celso foi embora, no final da confraternização, convencido que formar o time que queria, contando só com a moçada de Bandeirantes e Nacional ia ser uma missão quase impossível. Foi a caminho de casa que se lembrou do time dos riquinhos, o tal de Delfim Futebol Clube. Se, como lhe haviam contado, esse era o melhor time de Amarante, estava na hora de ver os riquinhos em campo. E teve uma ideia, o que o fez dar meia volta e dirigir imediatamente em busca de Fúlvio Rondelli. Estava inflamado demais para resolver qualquer coisa por telefone.

Estava também todo suado e amarrotado, a primeira coisa que Rondelli notou ao ver o carro do patrão se aproximar de sua casa e ele sair todo apressado.

– Hum, lá vem ideia nova, está na cara – pensou. Aproveitou, enquanto Celso se aproximava do portão para ligar para sua afilhada:

– Rapidinho, olhe aí de alguma janela, veja só quem está chegando aqui em casa, sem avisar.

Larissa correu com o celular na mão e deu um gritinho:

– Ai, é o chefe! Posso ir aí, ou atrapalho?

– Eu não sei o que ele quer, mas pode vir, foi pra isso que eu lhe liguei, garanto que não vai atrapalhar, que ele vai gostar. Venha, sim.

– Oba, obrigada, padrinho, vou me ajeitar e já corro aí pra sua casa.

Nesse ínterim, Celso já estava no portão, chamando:

– Oi, Rondelli! Rondelli, você está em casa?

Fúlvio apareceu de imediato e foi recebê-lo, abrindo o portão:

– Olá, doutor. Que surpresa boa, vamos entrando.

– Não, Rondelli, não precisa, não vou encher você por muito tempo. Só vim telefonar para você pessoalmente – e riu – Tenho uma ideia, mas é coisa rápida. Você acha que a gente pode convencer o Leon a trazer o time dele para jogar na inauguração do nosso Campo Número Um? Aí, com o Delfim, o Nacional e o Bandeirantes, a gente promove um torneio, um triangular. O que você me diz?

– Bom, acho que não vai ser fácil, doutor. Eles não gostam de se meter com “gentinha”, como falam alguns daqueles filhinhos de papai.

– Já pensei nisso, Rondelli. O campeão do torneio da Telles Academia vai ganhar um prêmio de cinco mil reais.

– Opa, aí já é diferente. Eles são capazes de aceitar, porque sabem que vão ganhar na moleza e levam a grana para comemorar. Muito uísque e pouca cerveja, é claro.

– Pois então, Rondelli. Aí é que você entra, você vai falar com o carinha e convence o dito cujo a entrar no torneio com o time.

– Tudo bem, eu posso ir, mais sei de alguém que consegue qualquer coisa que pedir para o Leon. Alguém que está paradinha aí, bem atrás do senhor.

Celso voltou-se vivamente e levou um choque: ELA!

Ela estava ali. Para variar, incrivelmente linda, com um shortinho verde-claro e um bustiê da mesma cor, mais escuro. Nos pés um chinelinho simples, mas muito delicado, verde-claro também. E a  musa falou, com sua voz musical:

– Oi, chefe, que surpresa. Vim visitar o meu padrinho e encontro o senhor aqui. E com roupa de futebol, estou vendo.

– É, este é o uniforme do Nacional, um dos times da várzea de Amarante. Eu estava batendo uma bolinha com os meninos lá na Baixada.

– E aí ele teve uma ideia. E quando o chefe tem uma ideia, tem que ser pra ontem. E você quer saber que ideia é essa? Lembra que eu lhe falei que ele vai inaugurar o campo dele, lá na Tuiuti, no domingo que vem? E com um jogo entre os dois times varzeanos daqui, esse Nacional mais o Bandeirantes? Pois é, agora o nosso chefe maluco quer que o time do Leon vá jogar também, promovendo um torneio entre os três times, E, como ele perdeu o juízo de vez, está dando um prêmio de cinco mil reais ao time vencedor. Parece coisa de gente normal?

E o italiano caiu na gargalhada, secundado pelo próprio Celso.

– Parece é coisa de Celso Teles, padrinho. E eu já aprendi que coisa de Celso Teles tem duas marcas: Uma: é boa. Duas: sempre dá certo!

– Aí, menina, agora você me deixou todo orgulhoso! Coisa de Celso Teles!...

– Mas não é verdade, padrinho? No fim, não é bom pra todos?

– Pois não é que você está coberta de razão, minha filha. E você disse isso de um jeito que nunca me passou pela cabeça. Parabéns.

– Então, Rondelli, você acha que a Larissa consegue convencer a fera?

– Que fera, doutor?

– O seu leão, o dono do Delfim. Será que você convence seu “noivo eterno” a participar? – falou aquilo com um certo travo amargo na boca, o carinha era o amado de sua musa, que droga!

– Meu EX-noivo! - Frisou falando muito alto e sibilante a moça loira - Ex-noivo, doutor! Não é mais meu noivo e, muito menos, é eterno, como o povo gosta de falar por aí.

Celso não notou, não conhecia sua musa o suficiente, mas Rondelli percebeu a clara irritação nas palavras dela. Hum, aí tem coisa! Se tem! E falou:

– Você pode conseguir isso para nós, minha filha?

– Bem, se o chefe precisa, eu falo com o Leon. Aliás, vou falar só por telefone, não quero ver esse moleque tão cedo. Pode ser?

– Claro, claro, Larissa. Tente. Apenas tente. Se não conseguir, não tem importância. De qualquer forma, já lhe agradeço pela tentativa, obrigado.

E, achando que estava abusando de dois funcionários em pleno domingo, entrou rápido no carro e se despediu:

– Bom, já estou largando do pé de vocês. Desculpem o abuso, desculpe Larissa pelo pedido. Até amanhã.

E, acelerando o Toyota, afastou-se rapidamente.

Larissa ficou de boca aberta:

– O que foi que deu nele padrinho? Ele saiu correndo. Por quê?

– Pensei que ele não tinha notado, mas acho que ele percebeu o seu tom de irritação, quando falou aquela coisa de ex-noivo. E, certamente, sendo um cavalheiro como ele é, deve ter ficado chateado, com vergonha provavelmente.

– Ai, meu Deus! O que que eu fiz! – alarmou-se Larissa – é verdade, eu fiquei furiosa com essa coisa que esse povo todo aí fala, que o Leonzinho é meu noivo eterno. Ele não é! Não é! Mas eu fiquei brava com a língua dessa gente, não com o coitado do chefe. Ai, meu Deus, eu fui grossa com ele, fui? Ele foi embora daquele jeito por minha causa? Que vergonha!

–Não, minha filha, também não é para tanto. Você nunca é grossa de verdade, por mais que esteja brava. Você é sempre um doce de criatura. Não fique preocupada, eu tenho certeza que ele ficou foi chateado por ter que vir tomar o nosso tempo no domingo. Amanhã já vai estar tudo bem. Além do que, ele tem um montão de bombons La Mistique, para degustar e esfriar a cabeça. A Dona Guiomar está se fartando de chocolate desde sexta-feira, já esqueceu?


Rondelli acabou de tranquilizar sua menina, que foi para casa com gosto de quero mais: Que pena que o chefe tinha ido embora assim, de repente. Não tinha conversado nada legal com ela. E era tão bom conversar com ele!

CONTINUA

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