terça-feira, 24 de novembro de 2015

LUA  OCULTA – 14   
MILTON MACIEL  

14 – EM CASA DE CELSO TELES

Fim do cap. 13: "Celso, para variar, ficava mudo, no exercício da arte que aprendera a cultivar em sua expressão máxima, desde poucos dias atrás: a arte da contemplação muda e estática de uma deusa. Ah, como não amar Miss Paraíso?" 

A casa que Celso comprou veio na grande transação com o espólio do velho Andrade, junto com a sede da concessionária GM. Não teve nada com o gosto do comprador, mas apenas com a oportunidade do negócio. Para Celso que, apesar de rico, nunca perdera a simplicidade, era um exagero para quem iria morar sozinho. Uma casa térrea moderna, com 3 suítes e um escritório, que o velho Andrade mandou construir para vender, simplesmente. Copiando o padrão norteamericano, equipou-a com cozinha e lavanderia completas: fogão elétrico de seis bocas, de indução, forno alto separado, máquina de lavar louças, máquina de lavar roupas e secadora. E um moderníssimo refrigerador/freezer vertical, de duas portas, muito alto e muito grande.

Quando tudo estava pronto e foi entregue a Paulo César para providenciar a venda, o velho Andrade teve aquele mal súbito que, de início, não parecia grande coisa, mas que o levou desta em questão de 48 horas. A casa foi integrada então ao grande inventário e o espólio teve autorização judicial para incluí-la na transação quando Celso Teles comprou o imóvel da Concessionária. Por essa razão, por ter comprado uma casa sem esperar fazê-lo, ele se referia sempre a ela como “o meu bônus”.

E foi exatamente assim que a apresentou a Larissa e a Hiro, quando todos finalmente desceram da boleia da carreta do japonês.

– Bem-vindos ao meu bônus. É meio metida a besta, não reparem, mas quando comprei a concessionária, o elefantinho branco aqui veio de bônus, do jeito que estava. O importante é que, agora, todos vão poder tomar um bom banho e a gente vai dar um jeito nas roupas de vocês, seus porquinhos de barro. Aliás, pensando bem, como nós somos os três porquinhos, então o Fúlvio, ali no carro dele, puxando um ronco, é o lobo mau.

E riram todos tão alto que acabaram por acordar o mecânico, que sorriu para eles, recostou a cabeça de novo no banco que deitara quase totalmente, e continuou a puxar sua palha. Celso falou que era melhor deixá-lo aproveitar e descansar, quando acordasse entraria, a porta da frente ele a deixaria aberta e escancarada para o italiano.

– Eu tenho roupa limpa na mala, não precisa se preocupar com nada – falou Hiro san.

– Mas eu não tenho a menor ideia do que pode ser feito com a minha roupa, está terrível.

– Ah, nada mais simples, é só entregar aos cuidados de Dona Eugênia, que ela lava e seca num instante, temos máquinas moderníssimas na lavanderia.

Ah, bom, ele tem uma empregada – tranquilizou-se Larissa.

Entraram na ampla sala em dois ambientes e, imediatamente, Celso encaminhou Hiro, que já tinha ido buscar sua mala na carreta, para sua suíte.

– Se instala, japinha, você está em casa, só não pode sair logo e ir embora. Aqui no meu hotel o hóspede não precisa fazer check in, mas, depois que entrou, eu não deixo fazer check out enquanto não me enchi da criatura.

Depois levou Larissa a uma suíte ainda maior, que identificou como os seus aposentos, dizendo:

– Você vai usar a minha suíte, porque aqui no banheiro eu tenho esta banheira de hidromassagem. Entre e aproveite, porque vai levar pelo menos uma hora até sua roupa estar limpa e seca. Aproveite e tome um banho bem demorado, curta bastante. Naquela gaveta ali, no armarinho branco da pia, tem um secador de cabelo que nunca foi usado, espero que funcione. Ali você está vendo sabonete, xampu, sais de banho. E há quatro toalhas brancas dobradas ao lado. Agora eu vou buscar um saco plástico grande, para você colocar toda a sua roupa, que eu dou para a Dona Eugênia tratar. Aqui, coloque este meu roupão e me entregue sua roupa molhada assim que a tiver ensacado. Volto já.

Larissa ficou apreciando a limpeza e a ordem do quarto do chefe. Nossa, um homem solteiro, até que ele é muito ordeiro, tudo limpinho. A empregada dele deve ser muito boa, mas ele também é um cara organizado, limpo. Bacana!

Celso voltou com um saco plástico, branco e muito grande, de lavanderia, e entregou-a a Larissa, dizendo:

– Por favor, vá ao banheiro, tire a roupa e coloque o meu roupão, está limpo, quase sem uso. Aí me traga a roupa aqui, neste saco, que eu preciso levar rápido para Dona Eugênia lavar e secar. As sandálias não precisa, não sujaram. Aí você, por favor, feche a porta do quarto por dentro, para ficar bem tranquila e à vontade. Curta a hidromassagem, depois, se quiser, descanse um pouco aqui na minha cama, está limpinha também. Eu só vou bater na porta quando a sua roupa estiver lavada, seca, impecável.

Esperou que Larissa, enfiada no roupão azul, que se arrastava no chão além dos seus pezinhos delicados, lhe entregasse o saco com as roupas e foi para a lavanderia.

Ali retirou as peças – pantalona, blusa e calcinha – do saco e as levou direto ao tanque. Então estendeu a calcinha branca entre as mãos e ficou a apreciá-la. Que peça delicada, falava mesmo quem era sua dona. Imaginou o que aquela peça tinha o privilégio de proteger, o contato macio da lingerie com os pelos loirinhos... e imaginou sua musa nuinha, dentro da grande banheira de hidromassagem. Foi um momento excitante, de sonho. Continuou sua fantasia, estava dentro da banheira com ela, beijavam-se, amavam-se... eram felizes...

Despertou do devaneio com um ruído na sala. Dedicou-se então a lavar muito bem a calcinha com sabonete de coco, perfumado. Torceu-a, pendurou num fio de varal interno para que escorresse. Quando as outras peças estivessem lavadas, iria para a secadora junto com elas.

Então colocou sabão líquido e amaciante na lavadora, colocou a pantalona e a blusa brancas dentro dela e ligou-a para seu ciclo mais rápido, para roupas leves de algodão.

Então foi para a sala, esperar pela lavadora, e lá encontrou Fúlvio Rondelli refestelado num dos sofás.

– Puxou um ronco, hein, carcamano? Estava cansado?

– Que nada. Mas como vocês estavam demorando muito, aí reclinei o banco e aproveitei. Por que você não me acordaram?

– Ora, porque não havia razão pra isso, italiano. Eu só pedi que você viesse junto para que a Larissa se sentisse segura vindo até esta casa com dois homens.

– O senhor pensa em tudo, doutor. Sabe se por no lugar das pessoas, sabe respeitar. Olhe, eu só posso lhe dizer uma coisa: muito obrigado, em nome da minha menina. Onde ela está agora?

– Está na minha suíte, na banheira de hidromassagem. E vai ficar por lá, curtindo por um bom tempo, tem que esperar que a roupa dela esteja limpa e seca. A roupa está na máquina de lavar agora, é esse barulhinho que você está escutando, deixei a porta da lavanderia aberta de propósito. Dona Eugênia está tomando conta da roupa.

Continuaram conversando por mais alguns minutos, comentando sobre o futebol na lama e a incrível iniciativa de Larissa de juntar-se a eles com sua roupa branquinha.

– Quando eu digo que essa menina não teve infância, as pessoas acham que eu estou exagerando. Mas é a pura verdade, eu estava lá, eu vi o que aquela desgraçada, aquela doida da mãe dela fazia com a pobre criança, que teve que usar maquiagem e batom desde os três anos de idade. E os penteados de salão de beleza, as roupas de grife, de costureira chique. A coitadinha nunca podia brincar como uma criança normal, para não se sujar, para não se despentear, para não parecer uma “pessoa vulgar”.

– Puxa, isso é uma coisa horrível, Fúlvio...

– Ponha horrível nisso, doutor. Pois o senhor não ouviu o que ela disse lá no campo, que nunca brincou na lama, que nunca tomou banho de chuva?

– E depois chorou daquele jeito tão sentido, que até me assustou. Aí, quando você me disse que era de alegria que ela chorava, juro, italiano, eu fiquei comovido...

– Pois é, todo mundo acha que ela deve ser toda faceira, toda vaidosa, orgulhosa de tanta beleza. Ninguém pode entender que é exatamente contrário. Quantas vezes eu peguei essa menina, pequena ainda, no meu colo, chorando escondida, porque não queria ser bonita daquele jeito.

– Caramba!...

– Um dia, ela devia ter uns 10 anos, se tanto, pulou no meu colo e me perguntou se cirurgia plástica doía muito. Perguntou, chorando muito, se eu a ajudava a fazer uma operação plástica, que a deixasse MENOS BONITA, doutor! Que a deixasse igual a UMA PESSOA NORMAL! Naquela hora, até eu que sou durão, chorei junto com ela, doutor. Aquela criança tinha horror de beleza, seu maior sonho era ser como as outras, ser uma criança NORMAL!

Celso imaginou a cena, também ele engasgou, não conseguia dizer nada, tal a emoção que aquilo transmitia.

Mas então o ruído da máquina de lavar cessou e Celso aproveitou para sair:

Acho que a máquina parou, vou ver o que a Dona Eugênia precisa e já volto.

Entrou na lavanderia, abriu a lavadora, retirou e alisou a pantalona e a blusa, olhou-as contra a luz da janela, cheirou-as e conferiu o perfume bom do amaciante. Aí colocou as duas peças na máquina de secar, foi buscar a calcinha no pequeno varal interno e colocou-a junto com as outras. Programou e ligou a secadora. Agora era esperar mais uns 20 minutos de novo e já podia levar as roupas para Larissa, não seria necessário passá-las os tecidos eram modernos, achou que dispensariam isso. Voltou-se para regressar à sala, para a conversa com Fúlvio, boa porque falava dela...

Não precisou ir até à sala: Fúlvio Rondelli estava em pé, na porta da lavanderia, pelo jeito há um bom tempo:

– Onde está a Dona Eugênia, doutor?

Apanhado em flagrante, Celso Teles riu e disse:

– Não tem Dona Eugênia nenhuma, Rondelli. A Dona Eugênia SOU EU!

– Ué?

– Simples. Dona Eugênia era minha mãe. Aí eu brinco dizendo que é a Dona Eugênia que faz comida, limpa a casa, lava roupa, cada vez que EU tenho que fazer isso.

– Mas... mas o senhor não tem uma empregada aqui?

– Claro que não, Rondelli. Pra que que eu preciso uma empregada aqui? Tenho a Cleusa, que faz faxina uma vez por semana. Já está de bom tamanho.

– Mas... e comida? E roupa?...

– Comida? Eu, quase sempre, como fora. Almoço com vocês, sempre que dá. À noite, você já viu, gosto de ir a um boteco comum, como o do Bicalho. E, de manhã, eu faço um cafezinho simples e vou correr. Depois da ginástica, na academia, passo numa padaria e tomo café com leite, com um ou dois pães com manteiga. Pelo geral, é isso. Vida de menino solteiro, Fúlvio.

– E a roupa?

– Uso a lavanderia da Marcelina, que me parece excelente. E, quando não quero ou preciso algo na hora, eu mesmo lavo, seco e passo. Como agora, por exemplo.

Catzo, doutor! O senhor não se comporta como um homem rico. De modo algum. O senhor é simples demais. E eu estou de queixo caído agora, não só pelo que o senhor falou, mas depois de acabo de ver que o senhor lavou toda a roupa da Larissa, a calcinha inclusive. E eu crente que era a Dona Eugênia que estava lavando!

– Mas foi a Dona Eugênia, Rondelli. Pelo amor de Deus, não vá dar com a língua nos dentes, não conte pra Larissa que fui eu que lavei a calça, a blusa e a calcinha dela.

– Por que? posso saber?

– Ora, criatura, você conhece sua afilhada muito melhor do que eu, mas eu garanto que ela ia ficar super constrangida, morrendo de vergonha de mim, se soubesse da verdade. Não é?

– Com certeza, doutor. Perguntei só para confirmar que o senhor falou em Dona Eugênia só por causa disso. E tenho que lhe dizer outro enorme muito obrigado, em nome da minha menina. O senhor lavando a calcinha dela... Se ela sonha uma coisa dessas, coitada!

– Pois então, carcamano, nada de me desmentir. Também não precisa mentir. Afinal você não viu a Dona Eugênia, mas sabe que ela esteve aí e lavou a roupa da Larissa por que eu afirmei isso, certo? O mentiroso aqui sou eu.

– O homem nobre aqui é o senhor, doutor. Nobre de caráter como ninguém que eu conheça.

– Conhece, sim, Rondelli. Claro que conhece.

– Quem?

– Ora, você mesmo! Você é assim também. E a sua afilhada tem a sorte de ter você na vida dela, Rondelli.  A esta altura eu já posso imaginar como teria sido pior o inferno que aquela criança viveu, se não tivesse você do lado dela.

Nesse momento, Hiro Ito entrou na sala, todo limpo, barbeado, cabelinho liso e preto preso para trás num curto rabo de cavalo.

– Epa, turma. Eu estiquei na cama depois do banho e da barba, só pra curtir o conforto e acabei pegando no sono. Acho que foi a pelada no barro, acabou com a minha resistência de atleta.

– Boa, japa. Que bom que você apareceu, segura o papo com o Rondelli aqui, que eu preciso pegar uma coisa lá dentro, para levar para a Larissa. 

E foi para a lavanderia, onde retirou as roupas da secadora e esticou-as cuidadosamente sobre a mesa de passar. Efetivamente, a blusa não precisava ser passada. Mas a pantalona, ele achou melhor passá-la a ferro, o que demorou mais alguns minutos. Então foi buscar um cabide, onde acomodou a calça e a blusa. Pendurou ali um saquinho plástico branco, onde colocou a calcinha. E, munido de sua preciosa carga, foi bater na porta do seu próprio quarto:

– Senhora, com licença. É da lavanderia.

Larissa, que estava há um bom tempo esticada na larga cama king size, de roupão e cabelo já seco, deu um salto e foi abrir a porta. Celso estendeu-lhe o cabide com um sorriso vitorioso, dizendo:

– Com os cumprimentos de Dona Eugênia, senhora.

Felicíssima com a entrega tão rápida, a moça agradeceu muito e foi vestir-se no banheiro. Depois, já impecável na roupa branca e sobre as brancas sandálias, comentou:

– Nossa, ficou uma perfeição! Essa Dona Eugênia é um espetáculo. Estou louca para conhecer essa senhora e agradecer pelo milagre que ela fez com aqueles panos de chão embarrados que eu mandei pra ela.

– Pena que você não vai poder encontrá-la, ela já foi.

– Ai, que peninha mesmo! Mas então o senhor dá uma lembrancinha pra ela, que eu vou mandar? Ainda hoje eu compro uma caixa de bombons bem legal pra ela. É abuso pedir que o senhor entregue?

– Claro que não é. Pode me dar, que eu entrego. E posso lhe garantir, com toda a certeza, que ela vai adorar receber esse presente. Mas vamos para a sala, seu padrinho está esperando por você faz bastante tempo.

CONTINUA

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