LUA OCULTA – 14
MILTON MACIEL
14 – EM CASA DE CELSO TELES
Fim do cap. 13: "Celso, para variar, ficava mudo, no exercício da arte que aprendera a cultivar em sua expressão máxima, desde poucos dias atrás: a arte da contemplação muda e estática de uma deusa. Ah, como não amar Miss Paraíso?"
A casa que Celso comprou veio na grande
transação com o espólio do velho Andrade, junto com a sede da concessionária
GM. Não teve nada com o gosto do comprador, mas apenas com a oportunidade do
negócio. Para Celso que, apesar de rico, nunca perdera a simplicidade, era um
exagero para quem iria morar sozinho. Uma casa térrea moderna, com 3 suítes e um
escritório, que o velho Andrade mandou construir para vender, simplesmente.
Copiando o padrão norteamericano, equipou-a com cozinha e lavanderia completas:
fogão elétrico de seis bocas, de indução, forno alto separado, máquina de lavar
louças, máquina de lavar roupas e secadora. E um moderníssimo
refrigerador/freezer vertical, de duas portas, muito alto e muito grande.
Quando tudo estava pronto e foi entregue a Paulo César para providenciar a venda, o velho
Andrade teve aquele mal súbito que, de início, não parecia grande coisa, mas
que o levou desta em questão de 48 horas. A casa foi integrada então ao grande
inventário e o espólio teve autorização judicial para incluí-la na transação
quando Celso Teles comprou o imóvel da Concessionária. Por essa razão, por ter
comprado uma casa sem esperar fazê-lo, ele se referia sempre a ela como “o meu
bônus”.
E foi exatamente assim que a apresentou a Larissa e a Hiro, quando todos finalmente desceram da boleia da carreta do japonês.
– Bem-vindos ao meu bônus. É meio metida a
besta, não reparem, mas quando comprei a concessionária, o elefantinho branco
aqui veio de bônus, do jeito que estava. O importante é que, agora, todos vão
poder tomar um bom banho e a gente vai dar um jeito nas roupas de vocês, seus
porquinhos de barro. Aliás, pensando bem, como nós somos os três porquinhos,
então o Fúlvio, ali no carro dele, puxando um ronco, é o lobo mau.
E riram todos tão alto que acabaram por acordar
o mecânico, que sorriu para eles, recostou a cabeça de novo no banco que
deitara quase totalmente, e continuou a puxar sua palha. Celso falou que era
melhor deixá-lo aproveitar e descansar, quando acordasse entraria, a porta da
frente ele a deixaria aberta e escancarada para o italiano.
– Eu tenho roupa limpa na mala, não precisa se
preocupar com nada – falou Hiro san.
– Mas eu não tenho a menor ideia do que pode
ser feito com a minha roupa, está terrível.
– Ah, nada mais simples, é só entregar aos
cuidados de Dona Eugênia, que ela lava e seca num instante, temos máquinas
moderníssimas na lavanderia.
Ah, bom,
ele tem uma empregada – tranquilizou-se Larissa.
Entraram na ampla sala em dois ambientes e,
imediatamente, Celso encaminhou Hiro, que já tinha ido buscar sua mala na
carreta, para sua suíte.
– Se instala, japinha, você está em casa, só
não pode sair logo e ir embora. Aqui no meu hotel o hóspede não precisa fazer
check in, mas, depois que entrou, eu não deixo fazer check out enquanto não me
enchi da criatura.
Depois levou Larissa a uma suíte ainda maior,
que identificou como os seus aposentos, dizendo:
– Você vai usar a minha suíte, porque aqui no
banheiro eu tenho esta banheira de hidromassagem. Entre e aproveite, porque vai
levar pelo menos uma hora até sua roupa estar limpa e seca. Aproveite e tome um
banho bem demorado, curta bastante. Naquela gaveta ali, no armarinho branco da
pia, tem um secador de cabelo que nunca foi usado, espero que funcione. Ali
você está vendo sabonete, xampu, sais de banho. E há quatro toalhas brancas
dobradas ao lado. Agora eu vou buscar um saco plástico grande, para você
colocar toda a sua roupa, que eu dou para a Dona Eugênia tratar. Aqui, coloque
este meu roupão e me entregue sua roupa molhada assim que a tiver ensacado.
Volto já.
Larissa ficou apreciando a limpeza e a ordem do
quarto do chefe. Nossa, um homem
solteiro, até que ele é muito ordeiro, tudo
limpinho. A empregada dele deve ser muito boa, mas ele também é um cara
organizado, limpo. Bacana!
Celso voltou com um saco plástico, branco e
muito grande, de lavanderia, e entregou-a a Larissa, dizendo:
– Por favor, vá ao banheiro, tire a roupa e
coloque o meu roupão, está limpo, quase sem uso. Aí me traga a roupa aqui, neste saco, que eu preciso levar rápido para Dona Eugênia lavar e secar. As sandálias
não precisa, não sujaram. Aí você, por favor, feche a porta do quarto por
dentro, para ficar bem tranquila e à vontade. Curta a hidromassagem, depois, se
quiser, descanse um pouco aqui na minha cama, está limpinha também. Eu só vou
bater na porta quando a sua roupa estiver lavada, seca, impecável.
Esperou que Larissa, enfiada no roupão azul, que se arrastava no chão além dos seus pezinhos delicados, lhe entregasse o saco
com as roupas e foi para a lavanderia.
Ali retirou as peças – pantalona, blusa e
calcinha – do saco e as levou direto ao tanque. Então estendeu a calcinha
branca entre as mãos e ficou a apreciá-la. Que peça delicada, falava mesmo quem
era sua dona. Imaginou o que aquela peça tinha o privilégio de proteger, o
contato macio da lingerie com os pelos loirinhos... e imaginou sua musa nuinha,
dentro da grande banheira de hidromassagem. Foi um momento excitante, de sonho.
Continuou sua fantasia, estava dentro da banheira com ela, beijavam-se,
amavam-se... eram felizes...
Despertou do devaneio com um ruído na sala.
Dedicou-se então a lavar muito bem a calcinha com sabonete de coco, perfumado.
Torceu-a, pendurou num fio de varal interno para que escorresse. Quando as
outras peças estivessem lavadas, iria para a secadora junto com elas.
Então colocou sabão líquido e amaciante na
lavadora, colocou a pantalona e a blusa brancas dentro dela e ligou-a para seu
ciclo mais rápido, para roupas leves de algodão.
Então foi para a sala, esperar pela lavadora, e lá
encontrou Fúlvio Rondelli refestelado num dos sofás.
– Puxou um ronco, hein, carcamano? Estava
cansado?
– Que nada. Mas como vocês estavam demorando
muito, aí reclinei o banco e aproveitei. Por que você não me acordaram?
– Ora, porque não havia razão pra isso,
italiano. Eu só pedi que você viesse junto para que a Larissa se sentisse
segura vindo até esta casa com dois homens.
– O senhor pensa em tudo, doutor. Sabe se por
no lugar das pessoas, sabe respeitar. Olhe, eu só posso lhe dizer uma coisa: muito
obrigado, em nome da minha menina. Onde ela está agora?
– Está na minha suíte, na banheira de
hidromassagem. E vai ficar por lá, curtindo por um bom tempo, tem que esperar
que a roupa dela esteja limpa e seca. A roupa está na máquina de lavar agora, é
esse barulhinho que você está escutando, deixei a porta da lavanderia aberta de
propósito. Dona Eugênia está tomando conta da roupa.
Continuaram conversando por mais alguns
minutos, comentando sobre o futebol na lama e a incrível iniciativa de Larissa
de juntar-se a eles com sua roupa branquinha.
– Quando eu digo que essa menina não teve
infância, as pessoas acham que eu estou exagerando. Mas é a pura verdade, eu
estava lá, eu vi o que aquela desgraçada, aquela doida da mãe dela fazia com a
pobre criança, que teve que usar maquiagem e batom desde os três anos de idade.
E os penteados de salão de beleza, as roupas de grife, de costureira chique. A
coitadinha nunca podia brincar como uma criança normal, para não se sujar, para
não se despentear, para não parecer uma “pessoa vulgar”.
– Puxa, isso é uma coisa horrível, Fúlvio...
– Ponha horrível nisso, doutor. Pois o senhor
não ouviu o que ela disse lá no campo, que nunca brincou na lama, que nunca
tomou banho de chuva?
– E depois chorou daquele jeito tão sentido,
que até me assustou. Aí, quando você me disse que era de alegria que ela
chorava, juro, italiano, eu fiquei comovido...
– Pois é, todo mundo acha que ela deve ser toda
faceira, toda vaidosa, orgulhosa de tanta beleza. Ninguém pode entender que é
exatamente contrário. Quantas vezes eu peguei essa menina, pequena ainda, no
meu colo, chorando escondida, porque não queria ser bonita daquele jeito.
– Caramba!...
– Um dia, ela devia ter uns 10 anos, se tanto,
pulou no meu colo e me perguntou se cirurgia plástica doía muito. Perguntou,
chorando muito, se eu a ajudava a fazer uma operação plástica, que a deixasse
MENOS BONITA, doutor! Que a deixasse igual a UMA PESSOA NORMAL! Naquela hora,
até eu que sou durão, chorei junto com ela, doutor. Aquela criança tinha horror
de beleza, seu maior sonho era ser como as outras, ser uma criança NORMAL!
Celso imaginou a cena, também ele engasgou, não
conseguia dizer nada, tal a emoção que aquilo transmitia.
Mas então o ruído da máquina de lavar cessou e
Celso aproveitou para sair:
Acho que a máquina parou, vou ver o que a Dona
Eugênia precisa e já volto.
Entrou na lavanderia, abriu a lavadora, retirou
e alisou a pantalona e a blusa, olhou-as contra a luz da janela, cheirou-as e
conferiu o perfume bom do amaciante. Aí colocou as duas peças na máquina de
secar, foi buscar a calcinha no pequeno varal interno e colocou-a junto com as
outras. Programou e ligou a secadora. Agora era esperar mais uns 20 minutos de
novo e já podia levar as roupas para Larissa, não seria necessário passá-las os
tecidos eram modernos, achou que dispensariam isso. Voltou-se para regressar à sala,
para a conversa com Fúlvio, boa porque falava dela...
Não precisou ir até à sala: Fúlvio Rondelli
estava em pé, na porta da lavanderia, pelo jeito há um bom tempo:
– Onde está a Dona Eugênia, doutor?
Apanhado em flagrante, Celso Teles riu e disse:
– Não tem Dona Eugênia nenhuma, Rondelli. A
Dona Eugênia SOU EU!
– Ué?
– Simples. Dona Eugênia era minha mãe. Aí eu
brinco dizendo que é a Dona Eugênia que faz comida, limpa a casa, lava roupa,
cada vez que EU tenho que fazer isso.
– Mas... mas o senhor não tem uma empregada
aqui?
– Claro que não, Rondelli. Pra que que eu
preciso uma empregada aqui? Tenho a Cleusa, que faz faxina uma vez por semana.
Já está de bom tamanho.
– Mas... e comida? E roupa?...
– Comida? Eu, quase sempre, como fora. Almoço
com vocês, sempre que dá. À noite, você já viu, gosto de ir a um boteco comum,
como o do Bicalho. E, de manhã, eu faço um cafezinho simples e vou correr.
Depois da ginástica, na academia, passo numa padaria e tomo café com leite, com
um ou dois pães com manteiga. Pelo geral, é isso. Vida de menino solteiro,
Fúlvio.
– E a roupa?
– Uso a lavanderia da Marcelina, que me parece
excelente. E, quando não quero ou preciso algo na hora, eu mesmo lavo, seco e
passo. Como agora, por exemplo.
– Catzo,
doutor! O senhor não se comporta como um homem rico. De modo algum. O senhor é
simples demais. E eu estou de queixo caído agora, não só pelo que o senhor
falou, mas depois de acabo de ver que o senhor lavou toda a roupa da Larissa, a
calcinha inclusive. E eu crente que era a Dona Eugênia que estava lavando!
– Mas foi a Dona Eugênia, Rondelli. Pelo amor
de Deus, não vá dar com a língua nos dentes, não conte pra Larissa que fui eu
que lavei a calça, a blusa e a calcinha dela.
– Por que? posso saber?
– Ora, criatura, você conhece sua afilhada
muito melhor do que eu, mas eu garanto que ela ia ficar super constrangida,
morrendo de vergonha de mim, se soubesse da verdade. Não é?
– Com certeza, doutor. Perguntei só para
confirmar que o senhor falou em Dona Eugênia só por causa disso. E tenho que
lhe dizer outro enorme muito obrigado, em nome da minha menina. O senhor
lavando a calcinha dela... Se ela sonha uma coisa dessas, coitada!
– Pois então, carcamano, nada de me desmentir.
Também não precisa mentir. Afinal você não viu a Dona Eugênia, mas sabe que ela
esteve aí e lavou a roupa da Larissa por que eu afirmei isso, certo? O mentiroso aqui sou eu.
– O homem nobre aqui é o senhor, doutor. Nobre
de caráter como ninguém que eu conheça.
– Conhece, sim, Rondelli. Claro que conhece.
– Quem?
– Ora, você mesmo! Você é assim também. E a sua
afilhada tem a sorte de ter você na vida dela, Rondelli. A esta altura eu já posso imaginar como teria
sido pior o inferno que aquela criança viveu, se não tivesse você do lado dela.
Nesse momento, Hiro Ito entrou na sala, todo
limpo, barbeado, cabelinho liso e preto preso para trás num curto rabo de
cavalo.
– Epa, turma. Eu estiquei na cama depois do
banho e da barba, só pra curtir o conforto e acabei pegando no sono. Acho que
foi a pelada no barro, acabou com a minha resistência de atleta.
– Boa, japa. Que bom que você apareceu, segura
o papo com o Rondelli aqui, que eu preciso pegar uma coisa lá dentro, para
levar para a Larissa.
E foi para a lavanderia, onde retirou as roupas da
secadora e esticou-as cuidadosamente sobre a mesa de passar. Efetivamente, a
blusa não precisava ser passada. Mas a pantalona, ele achou melhor passá-la a
ferro, o que demorou mais alguns minutos. Então foi buscar um cabide, onde
acomodou a calça e a blusa. Pendurou ali um saquinho plástico branco, onde
colocou a calcinha. E, munido de sua preciosa carga, foi bater na porta do seu
próprio quarto:
– Senhora, com licença. É da lavanderia.
Larissa, que estava há um bom tempo esticada na
larga cama king size, de roupão e
cabelo já seco, deu um salto e foi abrir a porta. Celso estendeu-lhe o cabide
com um sorriso vitorioso, dizendo:
– Com os cumprimentos de Dona Eugênia, senhora.
Felicíssima com a entrega tão rápida, a moça
agradeceu muito e foi vestir-se no banheiro. Depois, já impecável na roupa
branca e sobre as brancas sandálias, comentou:
– Nossa, ficou uma perfeição! Essa Dona Eugênia
é um espetáculo. Estou louca para conhecer essa senhora e agradecer pelo milagre que ela
fez com aqueles panos de chão embarrados que eu mandei pra ela.
– Pena que você não vai poder encontrá-la, ela
já foi.
– Ai, que peninha mesmo! Mas então o senhor dá
uma lembrancinha pra ela, que eu vou mandar? Ainda hoje eu compro uma caixa de
bombons bem legal pra ela. É abuso pedir que o senhor entregue?
– Claro que não é. Pode me dar, que eu entrego.
E posso lhe garantir, com toda a certeza, que ela vai adorar receber esse
presente. Mas vamos para a sala, seu padrinho está esperando por você faz
bastante tempo.
CONTINUA
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