MILTON MACIEL
7 - COMPRANDO UMA
ACADEMIA
Fim do cap. 6 - E pensou: Não vai
mandar você embora nem hoje, nem nunca, menina. Queira Deus que você tire essa
sorte grande e venha a gostar do Celso como ele merece, como ele precisa. Mas
isso nem eu posso vislumbrar, o seu coração é que vai ter que dizer
Por sua vez, um
inconsolável Celso Teles se deixava roer de ciúme e desespero. Lembrava do
rival, do belo tipo de homem, da condição de riquinho e importante, do evidente
desespero de Larissa.
Pronto, onde tinha
conseguido se enfiar!
Em coisa de pouquíssimos
dias, desde que Fúlvio lhe falara mais detidamente de Larissa no Bar do
Bicalho, ele tinha conseguido passar da tranquila posição de apenas apreciador
da beleza da garota, para a angustiante situação de um homem apaixonado por uma
mulher muito mais jovem e que amava outro.
Caramba, mais uma vez
estava ele ali, trocando os pés pelas mãos! Como se não soubesse que, cada vez
que se entregou a um amor profundo por uma mulher, levou feio na cabeça. Como
com Rosana, há tão pouco tempo, quando o que levou na cabeça foi um tremendo
par de chifres! Não tinha jeito, era um eterno reincidente.
Desta vez tinha saído de
Ribeirão e de Sertãozinho para não ver mais Rosana e nada que lembrasse dela.
Aí chega em uma cidade que tem tudo, mas tudo mesmo, para se converter num
oásis bendito para curar sua dor e para, finalmente, implantar o seu grande
projeto de vida. E então, em questão de dias, apenas alguns dias, ele tem a
capacidade de pôr tudo a perder, apaixonando-se mais uma vez, só que desta vez
pela mulher mais inatingível do mundo para ele. E, mais grave, tinha levado a
garota para trabalhar dentro da firma dele, ia ter que vê-la todo santo dia, ia
ter que renovar todos os dias sua dor de coração. Sua dor de corno, a esta
altura, pois a garota continuava parada na do tal de “sempre noivo”.
Ali, na penumbra da sala
de sua casa, com as cortinas fechadas, ele chegou a cogitar em pedir a Carmen
que dispensasse a garota, sob qualquer pretexto. Mas, depois, compreendeu que
isso seria uma covardia para com a pobre da moça, que precisava tanto daquele
emprego, o qual ele poderia proporcionar-lhe sem o menor problema e,
possivelmente, dando-lhe depois até retorno financeiro, com a performance dela
como vendedora.
Mas voltou atrás. Não:
melhor dispensá-la, sim! Dessa forma evitava esse contato diário, se protegia
com mais facilidade. Então imaginou-se entrando de manhã na firma e não vendo o
anjo loiro no grande salão de veículos novos. Não, não, definitivamente, ia ser
pior se não a pudesse ver todos os dias! Pelo menos isso ele teria: sua
presença de musa perfeita, horas a fio.
Azar! Que ele aguentasse
a dor de corno, mas pelo menos a teria por perto, estava decidido. Ninguém ia
mandar Larissa embora da Teles Automóveis. Ponto final!
Com a decisão tomada,
saiu para espairecer nas obras do seu terreno. E viu que o andamento estava
mais rápido do que o contratado, o empreiteiro era de fato um craque, merecia
cada tostão que recebia a mais do que os outros. Oba, sua hora estava chegando!
Saiu dali direto para a academia, precisava levar aquele papo com o Nelson e esta
hora parecia a melhor, certamente neste horário de meio de tarde, a academia
estaria sem alunos.
De fato, ao chegar,
encontrou Nelson sozinho, com um par de fones no ouvido, a academia às moscas.
– Salve, Celso, já de
volta? Você disse que só voltava lá pelo fim do mês. E, com isso, boicotou o
meu negócio, cara.
– Opa, como assim,
boicotei?
– Pois veja, quando eu
falei para aquele bando de Celsetes
da manhã que você ia ficar duas semanas fora, sabe o que aconteceu? Pois
nenhuma delas me apareceu mais aqui!
– Ô, cara, foi mal. Me
desculpe...
– Ora, e por quê? Você
bem sabe que não é sua culpa, eu estava só brincando.
– Ainda bem, ufa! Mas e o
resto dos alunos, como é que vai o seu negócio, afinal?
–Ah, rapaz, de mal a
pior. Eu consigo me manter porque sou solteiro e muito frugal. Mas nunca que eu
vou recuperar, nesta cidade, o investimento que fiz nesta academia.
– Caramba! E isso é
muito?
– Olhe, entre
equipamentos, máquinas, mudança. Aluguéis, empregados, já enterrei mais de 100
mil reais nesta brincadeira. Se eu soubesse que ia ser assim...
– Então por que você não
põe a academia à venda?
– Ora, e você acha que eu
vou encontrar um maluco que queira botar dinheiro bom em cima de um negócio
ruim? Nelson idealista e sonhador só existe um nesta cidade, amigo. Eu!
– Mas, se tivesse um
comprador, quanto você pediria?
– Eu pediria os 100 mil,
o cara ia morrer de rir da minha cara, me ofereceria 50 ou 40 e eu ia ter que
aceitar agradecido. Não tem jeito, cara, eu e minha academia vamos morrer
abraçadinhos aqui em Amarante, é só uma questão de tempo.
– Hum... Cem mil. Me parece
razoável. EU COMPRO!
– O que?! Pô, cara, não
brinca com isso.
– Não estou brincando.
Cem mil. Eu compro.
– Não, pera aí. Pera aí.
Cem mil eu disse que foi o que eu enterrei aqui. Mas o negócio não vale tudo
isso, cara, seria besteira.
– Eu compro, pode mandar
seu contador preparar a papelada e me avisa.
Pago à vista. E aí você fica uns dois meses à testa do negócio ainda.
– Cara, você está falando
sério mesmo? Caramba, é bom demais pra ser verdade! Puxa, e como é a coisa dos
dois meses?
– Você entrega este
prédio alugado e muda todo o equipamento lá para o meu terreno da Rua Tuiuti.
Dentro de duas semanas fica pronto meu primeiro predinho lá, tem espaço
suficiente para sua academia. A gente muda tudo num fim-de-semana e você reabre
no novo endereço. Aí você tem duas opções: continua, mas agora como funcionário
meu. Ou se livra do abacaxi e vai tratar da sua vida onde você quiser.
– Vou pra Miami, cara! Se
é verdade o que você está dizendo, eu fico os dois meses e no primeiro dia
depois disso, já estou voando pra Miami.
– E por que Miami? Você
já esteve por lá?
– Já passei duas
temporadas lá, cara. Eu simplesmente adoro aquele lugar.
– Conhece Aventura? E
Coral Gables?
– Conheço os dois. Gostei
mais de Aventura, curti demais o Aventura Mall.
E uma livraria da Barnes and Noble que tem por lá, onde eu fui umas oito
vezes, pelo menos.
– Então já faz um bom
tempo que você não vai a Miami, amigo. Tenho que lhe dar a má notícia: eles
fecharam aquela livraria ali de Aventura.
– Caramba, má notícia
mesmo.
– E fecharam o Burger
King que tinha naquele mesmo Mall da Barnes.
– Puxa, e como você sabe?
Já morou em Miami, por acaso?
– Morei, sim. E não foi
por acaso não, outra hora eu conto o porquê. Morei ali em Aventura e em Fort
Lauderdale também. Estive dois anos na Flórida. Aí investi em alguns poucos
imóveis em Aventura e em Coral Gables. Eu costumo ir lá todos os anos.
– Cara, que sonho! Pois
olha, se você me compra a academia por essa grana toda, eu acerto umas poucas
coisinhas que tenho aqui pendentes, quito e vendo meu carro e vou morar um ano
inteiro em Miami, sem fazer nada a não ser curtir tudo aquilo por lá.
– E como seria o seu
plano, por lá?
– Bem eu tinha uns amigos
que rachavam um aluguel, até que barato, de um apartamento de dois quartos em
North Miami Beach. Você sabe, ali ao lado de Aventura. Pois eu vou procurar um
imóvel assim, alugo com a maior facilidade, é só dar um depósito de um mês e
pronto. A aí trato de economizar em frescuras e gastar só no que é essencial.
– Taí, até que não é um
mau plano. E se você tivesse um apartamento de graça em Aventura pra ficar?
– Bem, aí eu ia ter que
me beliscar todos os dias ao acordar, para ter certeza que não era um sonho.
Que história é essa de apartamento em Aventura?
– Eu não falei que
investi em alguns poucos imóveis por lá? Pois eu tenho alguns apartamentos em
Aventura, a maioria dos quais eu prefiro não alugar. Comprei em 2011, durante a
crise imobiliária braba de lá, em foreclosure,
na bacia das almas, para revender. Daí que prefiro que estejam sempre
disponíveis para vendê-los, quando, de repente, me aparece um bom negócio.
– Cara, assim você acaba
comigo! Quer dizer que você me cederia um apê desses por um ano, assim na facha
total?
– Na facha total, não
precisa pagar nem o condomínio.
– Cara, você é demais! Você
só pode estar querendo me comer com uma proposta dessas! Já me sinto a própria
Demi Moore em “Proposta Indecente”.
– Sorte sua, camarada, que,
pra mim, bunda só de mulher.
– Ainda bem, eu já estava
vendo a hora que ia ter que perder a virgindade. Puxa cara, deixa eu sentar um
pouco, é bom demais. Tem certeza que você quer pagar tudo isso e ainda me ceder
o apartamento? Posso acreditar, não vou sonhar hoje e cair das nuvens amanhã?
– Não. Se eu falei que
faço, faço mesmo. É só mandar o seu contador aprontar a papelada, eu tenho quem
possa examinar. Estando tudo ok, faço o pagamento à vista. Aí vem a mudança,
aqueles dois meses e você está livre para curtir seu apê em Miami. Só que tem
uma condição ainda.
– Ah, tinha que ter, tava
bom demais! Já estou começando a sentir a dor no rabo, o bafo na nuca. Bem,
qual é essa condição, então?
– Fique tranquilo, seu
traseiro, ao menos de minha parte, segue seguro. É simples: a condição é que
você não fale para ninguém – ninguém mesmo – que eu estou cedendo um dos meus
imóveis em Miami para você usar. Só isso.
– Só isso? Quer dizer que
eu vou poder continuar sentando sem almofada? Ah, Celsinho, Celsinho do céu,
você não existe, cara! Há pouco mais de uma hora eu estava aqui todo
desanimado, puto da vida com esta academia. E aí você me aparece e, repente,
não mais que de repente, decide que vai mudar minha vida para melhor desse
jeito. Me tira do inferno e me joga direto no céu, justo o céu de Aventura!
Cacete!
– Bom, então está tudo
certo. Providencie os papéis, inventários, etc. e me procure em seguida lá na
Revendedora. Agora eu tenho que ir pra lá. A bola está com você. Até.
Enquanto um aliviado e
ainda quase incrédulo professor de educação física e futuro ex-dono de academia
começava a sonhar de olhos bem abertos, um também aliviado Celso Teles dirigia
contente para sua empresa de automóveis. Cumpria mais uma vez seu aparente
destino de mudar a vida dos outros para melhor, como já havia feito dezenas e
dezenas de vezes. E, toda vez que o fez, os recursos que havia investido
desinteressadamente nisso sempre retornaram às suas mãos, de forma direta ou
indireta.
Além do que, com a
inauguração da academia em seu conjunto novo da rua Tuiuti, ele já teria de
imediato a primeira fachada para encobrir, por enquanto, o seu grande negócio
futuro. Só isso já valia aqueles 50 mil que ia pagar a mais para o coitado do
Nelson. Chegou à Teles num ótimo estado de espírito, animado, pronto para ouvir
que seu anjo descornado tinha ficado em casa aos prantos.
Quando acabou de
estacionar e saiu do carro, já uma figurinha toda apressada saía da loja,
andando rápido em sua direção. Era ELA!
– Por favor, me perdoe!
Me desculpe a cena na churrascaria, me perdoe ter ido para casa, ao invés de
voltar para o serviço. Foi mal, aquele cara foi meu noivo, eu fiquei besta. Mas
já passou. E eu juro que, se o senhor não me mandar embora, isso nunca mais vai
se repetir. Eu juro!
– Mandar você embora,
Larissa? Mas que loucura é essa? É claro que eu não vou mandar você embora por
causa do que aconteceu. Eu tenho planos muito maiores para você aqui dentro. As
meninas gostaram de você também, é evidente que elas acreditam no seu
potencial. Se eu mandasse você embora por aquela bobagem, quem ia sair perdendo
era eu mesmo e a minha empresa. Nada disso. Você fica enquanto quiser ficar.
O anjo repetiu-se. Tomou
as duas mãos de Celso nas suas, apertou-as fortemente outra vez e murmurou um
extasiado “Deus lhe pague! ”
E saiu correndo para
dentro da loja, com o rostinho vermelho como pimentão e uma expressão de
felicidade estampada nele.
Ainda encostado no
Corolla lá fora, Celso se refazia da surpresa tão agradável. Aquela menina
parecia ter o dom de surpreendê-lo a todo instante. Quem dera que fossem sempre
surpresas maravilhosas, como essa de agora!
Ao entrar, encontrou
Fúlvio e as três moças se preparando para encerrar o expediente. Céus, era tão
tarde assim? Aí lembrou que tinha passado muito tempo em casa e muito tempo na
academia com o Nelson.
Saíram os quatro para o
estacionamento. Ele teria que levar as espanholitas para o hotel. No dia
seguinte, pela manhã, Paulo César, o melhor corretor de imóveis de Amarante, iria
buscá-las ali, logo após o café. E as levaria para escolherem o imóvel que bem
entendessem, para morar na cidade. Depois ele veria com Paulo César se era caso
de alugar ou comprar o dito cujo. Precisava pensar também em Paula e Jennifer,
que chegariam dali a duas semanas, ao mesmo tempo que as carretas que viriam de
Ribeirão Preto, trazendo o seu estoque de automóveis novos e seminovos.
Bem, agora tinha que dar
adeus a Larissa. E isso era a última coisa que ele queria fazer naquele
momento. Fúlvio despediu-se e voltou para a oficina, disse que só iria muito
mais tarde, uma vez que a afilhada tinha vindo com seu próprio carro à tarde. Celso
e as espanholitas caminharam com o anjo loiro até seu SUV. Então Larissa,
repetindo-se mais uma vez, tomou muito rapidamente as duas mãos de Celso entre
as suas, apertou-as, e, fixando nele aqueles dois poços de mistério de água-marinha,
murmurou:
– Muito obrigada! – A voz
saiu-lhe como um sussurro: suave, delicada, morna ...
Celso ficou paralisado,
não conseguiu abrir a boca para responder nada. OS OLHOS! Quando aqueles olhos
azuis paravam assim, longamente, sobre os seus, ele perdia completamente o
contato com a realidade. Ficou parado, vendo a moça sair de ré. Só saiu do
devaneio quando ouviu as risadas das De Rios, que na certa deviam estar
lembrando de alguma coisa muito engraçada.
A coisa engraçada era a
atitude apatetada de Celso agora, nada mais. No carro, a caminho do hotel, elas
preferiram não comentar nada sobre isso. Limitaram-se a ouvir as recomendações
do jefe sobre os melhores lugares
para se morar em Amarante. Sabiam quando era a hora de manterem-se discretas,
certamente.
E Celso sabia que precisava de alguém:
Fúlvio Rondelli!
CONTINUA
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