sábado, 14 de novembro de 2015

LUA  OCULTA – 7 
MILTON MACIEL 

7 -  COMPRANDO UMA ACADEMIA
Fim do cap. 6 -  E pensou: Não vai mandar você embora nem hoje, nem nunca, menina. Queira Deus que você tire essa sorte grande e venha a gostar do Celso como ele merece, como ele precisa. Mas isso nem eu posso vislumbrar, o seu coração é que vai ter que dizer

Por sua vez, um inconsolável Celso Teles se deixava roer de ciúme e desespero. Lembrava do rival, do belo tipo de homem, da condição de riquinho e importante, do evidente desespero de Larissa.
Pronto, onde tinha conseguido se enfiar!

Em coisa de pouquíssimos dias, desde que Fúlvio lhe falara mais detidamente de Larissa no Bar do Bicalho, ele tinha conseguido passar da tranquila posição de apenas apreciador da beleza da garota, para a angustiante situação de um homem apaixonado por uma mulher muito mais jovem e que amava outro.

Caramba, mais uma vez estava ele ali, trocando os pés pelas mãos! Como se não soubesse que, cada vez que se entregou a um amor profundo por uma mulher, levou feio na cabeça. Como com Rosana, há tão pouco tempo, quando o que levou na cabeça foi um tremendo par de chifres! Não tinha jeito, era um eterno reincidente.

Desta vez tinha saído de Ribeirão e de Sertãozinho para não ver mais Rosana e nada que lembrasse dela. Aí chega em uma cidade que tem tudo, mas tudo mesmo, para se converter num oásis bendito para curar sua dor e para, finalmente, implantar o seu grande projeto de vida. E então, em questão de dias, apenas alguns dias, ele tem a capacidade de pôr tudo a perder, apaixonando-se mais uma vez, só que desta vez pela mulher mais inatingível do mundo para ele. E, mais grave, tinha levado a garota para trabalhar dentro da firma dele, ia ter que vê-la todo santo dia, ia ter que renovar todos os dias sua dor de coração. Sua dor de corno, a esta altura, pois a garota continuava parada na do tal de “sempre noivo”.

Ali, na penumbra da sala de sua casa, com as cortinas fechadas, ele chegou a cogitar em pedir a Carmen que dispensasse a garota, sob qualquer pretexto. Mas, depois, compreendeu que isso seria uma covardia para com a pobre da moça, que precisava tanto daquele emprego, o qual ele poderia proporcionar-lhe sem o menor problema e, possivelmente, dando-lhe depois até retorno financeiro, com a performance dela como vendedora.

Mas voltou atrás. Não: melhor dispensá-la, sim! Dessa forma evitava esse contato diário, se protegia com mais facilidade. Então imaginou-se entrando de manhã na firma e não vendo o anjo loiro no grande salão de veículos novos. Não, não, definitivamente, ia ser pior se não a pudesse ver todos os dias! Pelo menos isso ele teria: sua presença de musa perfeita, horas a fio.

Azar! Que ele aguentasse a dor de corno, mas pelo menos a teria por perto, estava decidido. Ninguém ia mandar Larissa embora da Teles Automóveis. Ponto final!

Com a decisão tomada, saiu para espairecer nas obras do seu terreno. E viu que o andamento estava mais rápido do que o contratado, o empreiteiro era de fato um craque, merecia cada tostão que recebia a mais do que os outros. Oba, sua hora estava chegando! Saiu dali direto para a academia, precisava levar aquele papo com o Nelson e esta hora parecia a melhor, certamente neste horário de meio de tarde, a academia estaria sem alunos.

De fato, ao chegar, encontrou Nelson sozinho, com um par de fones no ouvido, a academia às moscas.

– Salve, Celso, já de volta? Você disse que só voltava lá pelo fim do mês. E, com isso, boicotou o meu negócio, cara.

– Opa, como assim, boicotei?

– Pois veja, quando eu falei para aquele bando de Celsetes da manhã que você ia ficar duas semanas fora, sabe o que aconteceu? Pois nenhuma delas me apareceu mais aqui!

– Ô, cara, foi mal. Me desculpe...

– Ora, e por quê? Você bem sabe que não é sua culpa, eu estava só brincando.

– Ainda bem, ufa! Mas e o resto dos alunos, como é que vai o seu negócio, afinal?

–Ah, rapaz, de mal a pior. Eu consigo me manter porque sou solteiro e muito frugal. Mas nunca que eu vou recuperar, nesta cidade, o investimento que fiz nesta academia.

– Caramba! E isso é muito?

– Olhe, entre equipamentos, máquinas, mudança. Aluguéis, empregados, já enterrei mais de 100 mil reais nesta brincadeira. Se eu soubesse que ia ser assim...

– Então por que você não põe a academia à venda?

– Ora, e você acha que eu vou encontrar um maluco que queira botar dinheiro bom em cima de um negócio ruim? Nelson idealista e sonhador só existe um nesta cidade, amigo. Eu!

– Mas, se tivesse um comprador, quanto você pediria?

– Eu pediria os 100 mil, o cara ia morrer de rir da minha cara, me ofereceria 50 ou 40 e eu ia ter que aceitar agradecido. Não tem jeito, cara, eu e minha academia vamos morrer abraçadinhos aqui em Amarante, é só uma questão de tempo.

– Hum... Cem mil. Me parece razoável. EU COMPRO!

– O que?! Pô, cara, não brinca com isso.

– Não estou brincando. Cem mil. Eu compro.

– Não, pera aí. Pera aí. Cem mil eu disse que foi o que eu enterrei aqui. Mas o negócio não vale tudo isso, cara, seria besteira.

– Eu compro, pode mandar seu contador preparar a papelada e me avisa.  Pago à vista. E aí você fica uns dois meses à testa do negócio ainda.

– Cara, você está falando sério mesmo? Caramba, é bom demais pra ser verdade! Puxa, e como é a coisa dos dois meses?

­– Você entrega este prédio alugado e muda todo o equipamento lá para o meu terreno da Rua Tuiuti. Dentro de duas semanas fica pronto meu primeiro predinho lá, tem espaço suficiente para sua academia. A gente muda tudo num fim-de-semana e você reabre no novo endereço. Aí você tem duas opções: continua, mas agora como funcionário meu. Ou se livra do abacaxi e vai tratar da sua vida onde você quiser.

– Vou pra Miami, cara! Se é verdade o que você está dizendo, eu fico os dois meses e no primeiro dia depois disso, já estou voando pra Miami.

– E por que Miami? Você já esteve por lá?

– Já passei duas temporadas lá, cara. Eu simplesmente adoro aquele lugar.

– Conhece Aventura? E Coral Gables?

– Conheço os dois. Gostei mais de Aventura, curti demais o Aventura Mall.  E uma livraria da Barnes and Noble que tem por lá, onde eu fui umas oito vezes, pelo menos.

– Então já faz um bom tempo que você não vai a Miami, amigo. Tenho que lhe dar a má notícia: eles fecharam aquela livraria ali de Aventura.

– Caramba, má notícia mesmo.

– E fecharam o Burger King que tinha naquele mesmo Mall da Barnes.

– Puxa, e como você sabe? Já morou em Miami, por acaso?

– Morei, sim. E não foi por acaso não, outra hora eu conto o porquê. Morei ali em Aventura e em Fort Lauderdale também. Estive dois anos na Flórida. Aí investi em alguns poucos imóveis em Aventura e em Coral Gables. Eu costumo ir lá todos os anos.

– Cara, que sonho! Pois olha, se você me compra a academia por essa grana toda, eu acerto umas poucas coisinhas que tenho aqui pendentes, quito e vendo meu carro e vou morar um ano inteiro em Miami, sem fazer nada a não ser curtir tudo aquilo por lá.

– E como seria o seu plano, por lá?

– Bem eu tinha uns amigos que rachavam um aluguel, até que barato, de um apartamento de dois quartos em North Miami Beach. Você sabe, ali ao lado de Aventura. Pois eu vou procurar um imóvel assim, alugo com a maior facilidade, é só dar um depósito de um mês e pronto. A aí trato de economizar em frescuras e gastar só no que é essencial.

– Taí, até que não é um mau plano. E se você tivesse um apartamento de graça em Aventura pra ficar?

– Bem, aí eu ia ter que me beliscar todos os dias ao acordar, para ter certeza que não era um sonho. Que história é essa de apartamento em Aventura?

– Eu não falei que investi em alguns poucos imóveis por lá? Pois eu tenho alguns apartamentos em Aventura, a maioria dos quais eu prefiro não alugar. Comprei em 2011, durante a crise imobiliária braba de lá, em foreclosure, na bacia das almas, para revender. Daí que prefiro que estejam sempre disponíveis para vendê-los, quando, de repente, me aparece um bom negócio.

– Cara, assim você acaba comigo! Quer dizer que você me cederia um apê desses por um ano, assim na facha total?

– Na facha total, não precisa pagar nem o condomínio.

– Cara, você é demais! Você só pode estar querendo me comer com uma proposta dessas! Já me sinto a própria Demi Moore em “Proposta Indecente”.

– Sorte sua, camarada, que, pra mim, bunda só de mulher.

– Ainda bem, eu já estava vendo a hora que ia ter que perder a virgindade. Puxa cara, deixa eu sentar um pouco, é bom demais. Tem certeza que você quer pagar tudo isso e ainda me ceder o apartamento? Posso acreditar, não vou sonhar hoje e cair das nuvens amanhã?

– Não. Se eu falei que faço, faço mesmo. É só mandar o seu contador aprontar a papelada, eu tenho quem possa examinar. Estando tudo ok, faço o pagamento à vista. Aí vem a mudança, aqueles dois meses e você está livre para curtir seu apê em Miami. Só que tem uma condição ainda.

– Ah, tinha que ter, tava bom demais! Já estou começando a sentir a dor no rabo, o bafo na nuca. Bem, qual é essa condição, então?

– Fique tranquilo, seu traseiro, ao menos de minha parte, segue seguro. É simples: a condição é que você não fale para ninguém – ninguém mesmo – que eu estou cedendo um dos meus imóveis em Miami para você usar. Só isso.

– Só isso? Quer dizer que eu vou poder continuar sentando sem almofada? Ah, Celsinho, Celsinho do céu, você não existe, cara! Há pouco mais de uma hora eu estava aqui todo desanimado, puto da vida com esta academia. E aí você me aparece e, repente, não mais que de repente, decide que vai mudar minha vida para melhor desse jeito. Me tira do inferno e me joga direto no céu, justo o céu de Aventura! Cacete!

– Bom, então está tudo certo. Providencie os papéis, inventários, etc. e me procure em seguida lá na Revendedora. Agora eu tenho que ir pra lá. A bola está com você. Até.

Enquanto um aliviado e ainda quase incrédulo professor de educação física e futuro ex-dono de academia começava a sonhar de olhos bem abertos, um também aliviado Celso Teles dirigia contente para sua empresa de automóveis. Cumpria mais uma vez seu aparente destino de mudar a vida dos outros para melhor, como já havia feito dezenas e dezenas de vezes. E, toda vez que o fez, os recursos que havia investido desinteressadamente nisso sempre retornaram às suas mãos, de forma direta ou indireta.

Além do que, com a inauguração da academia em seu conjunto novo da rua Tuiuti, ele já teria de imediato a primeira fachada para encobrir, por enquanto, o seu grande negócio futuro. Só isso já valia aqueles 50 mil que ia pagar a mais para o coitado do Nelson. Chegou à Teles num ótimo estado de espírito, animado, pronto para ouvir que seu anjo descornado tinha ficado em casa aos prantos.

Quando acabou de estacionar e saiu do carro, já uma figurinha toda apressada saía da loja, andando rápido em sua direção. Era ELA!

– Por favor, me perdoe! Me desculpe a cena na churrascaria, me perdoe ter ido para casa, ao invés de voltar para o serviço. Foi mal, aquele cara foi meu noivo, eu fiquei besta. Mas já passou. E eu juro que, se o senhor não me mandar embora, isso nunca mais vai se repetir. Eu juro!

– Mandar você embora, Larissa? Mas que loucura é essa? É claro que eu não vou mandar você embora por causa do que aconteceu. Eu tenho planos muito maiores para você aqui dentro. As meninas gostaram de você também, é evidente que elas acreditam no seu potencial. Se eu mandasse você embora por aquela bobagem, quem ia sair perdendo era eu mesmo e a minha empresa. Nada disso. Você fica enquanto quiser ficar.

O anjo repetiu-se. Tomou as duas mãos de Celso nas suas, apertou-as fortemente outra vez e murmurou um extasiado “Deus lhe pague! ”

E saiu correndo para dentro da loja, com o rostinho vermelho como pimentão e uma expressão de felicidade estampada nele.

Ainda encostado no Corolla lá fora, Celso se refazia da surpresa tão agradável. Aquela menina parecia ter o dom de surpreendê-lo a todo instante. Quem dera que fossem sempre surpresas maravilhosas, como essa de agora!

Ao entrar, encontrou Fúlvio e as três moças se preparando para encerrar o expediente. Céus, era tão tarde assim? Aí lembrou que tinha passado muito tempo em casa e muito tempo na academia com o Nelson.

Saíram os quatro para o estacionamento. Ele teria que levar as espanholitas para o hotel. No dia seguinte, pela manhã, Paulo César, o melhor corretor de imóveis de Amarante, iria buscá-las ali, logo após o café. E as levaria para escolherem o imóvel que bem entendessem, para morar na cidade. Depois ele veria com Paulo César se era caso de alugar ou comprar o dito cujo. Precisava pensar também em Paula e Jennifer, que chegariam dali a duas semanas, ao mesmo tempo que as carretas que viriam de Ribeirão Preto, trazendo o seu estoque de automóveis novos e seminovos.

Bem, agora tinha que dar adeus a Larissa. E isso era a última coisa que ele queria fazer naquele momento. Fúlvio despediu-se e voltou para a oficina, disse que só iria muito mais tarde, uma vez que a afilhada tinha vindo com seu próprio carro à tarde. Celso e as espanholitas caminharam com o anjo loiro até seu SUV. Então Larissa, repetindo-se mais uma vez, tomou muito rapidamente as duas mãos de Celso entre as suas, apertou-as, e, fixando nele aqueles dois poços de mistério de água-marinha, murmurou:

– Muito obrigada! – A voz saiu-lhe como um sussurro: suave, delicada, morna ...

Celso ficou paralisado, não conseguiu abrir a boca para responder nada. OS OLHOS! Quando aqueles olhos azuis paravam assim, longamente, sobre os seus, ele perdia completamente o contato com a realidade. Ficou parado, vendo a moça sair de ré. Só saiu do devaneio quando ouviu as risadas das De Rios, que na certa deviam estar lembrando de alguma coisa muito engraçada.

A coisa engraçada era a atitude apatetada de Celso agora, nada mais. No carro, a caminho do hotel, elas preferiram não comentar nada sobre isso. Limitaram-se a ouvir as recomendações do jefe sobre os melhores lugares para se morar em Amarante. Sabiam quando era a hora de manterem-se discretas, certamente.

E Celso sabia que precisava de alguém: Fúlvio Rondelli!

CONTINUA


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