MILTON MACIEL
Esta é a história de uma menina e seus dois amores. Três, a
bem da verdade. Bem difícil deve ser o mundo de quem se compartir precisa entre
três amores... Esta narrativa é para você, que um dia já esteve dividida ou
dividido entre dois amores. É para você, que ainda não sabe que, por vezes, um
terceiro amor nos salva de tudo. É para você que é uma pessoa muito bonita e,
por isso, se intoxica; que é, como disse Vinicius, “tão linda que só causa
sofrimento”. É para você, que viveu ou vive sob o efeito inebriante de uma
pessoa muito bonita. É para você, que nunca se deu ao trabalho de saber o que
acontece dentro da cabeça de Narciso, aquele que acho feio o que não é espelho.
É para você...
Como já aconteceu com meus romances “O Cerco”, “Aline de
Troyes”, “Doutora Fumiko”, “Os Reflexos do Peixe Brilhante” e “João Ramalho no
Paraíso” , também este “Lua Oculta”, que hoje está nascendo, vai ser colocado,
capítulo a capítulo, do início ao fim, em meu blog Milton Maciel Escritor (http://miltonmaciel.blogspot.com.br
), à medida que eu o vou criando e escrevendo. Se o tema lhe é interessante,
sirva-se à vontade, as páginas do blog estão à sua espera. Comecemos.
LUA OCULTA
MILTON
MACIEL
CAPÍTULO 1
Na mesa sete do Bar do Bicalho, o velho Fúlvio Rondelli,
mecânico dos bons, além do que um dos raros honestos deste mundo de Deus,
procura satisfazer a curiosidade daquele a quem ele insiste em tratar por
doutor, usando seu linguajar de homem rústico que se fez ilustrado abaixo de
muita leitura
:
– Vi a menina Larissa crescer desde que ela era um catatauzinho
loiro de seis anos de idade, doutor. Foi quando seus pais se mudaram para a
mansão que construíram praticamente ao lado da modesta casa que eu alugava para
morar. Já então minha mulher tinha fugido com o cunhado e eu era um solitário, não
só pelas circunstâncias, mas diria que, também, por vocação.
Larissa era uma criança adorável, não apenas bonita. Quanto
à beleza, era daquelas que as pessoas param na rua para ficar admirando. Soube
que desde bebezinha, quando ganhou seu primeiro concurso de beleza. Numa cidade
pequena como a nossa, de menos de 50 mil habitantes, nascer bela assim
praticamente traça o futuro de uma menina. Com ela não foi diferente. Ainda
mais que sua mãe, Dona Diva, de poucas luzes, tinha a típica mentalidade
interiorana e era vidrada em concursos de Miss. Criou Larissa, o tempo inteiro,
para ser Miss Brasil, Miss Mundo, Miss Via Láctea, Miss Universo Paralelo, o
que desse.
Inscreveu a filha em todos os concursos infantis de beleza
que se realizaram na cidade. Ela venceu todos, é claro. E, não satisfeita com
os magros e escassos certames daqui, ainda promoveu mais alguns, que o marido
foi obrigado a patrocinar, desde que a prévia vitória da filha não fosse
questionável. Aliás, nem daria. Não havia uma única menina, em toda a cidade,
que pudesse se equiparar em beleza à pequena Larissa.
Assim, de concurso em concurso, título a título, a garota
chegou ao inevitável: tão logo teve a idade mínima, tornando-se uma adolescente
com aquele corpaço de fechar o comércio, foi eleita Miss Amarante – a nossa
cidade. Era o primeiro e grande passo inicial para a fulgurante e certa
conquista, ao menos na cabeça pouco pensante da mãe dela, do título de Miss
Santa Catarina e logo depois, com toda certeza, de Miss Brasil. Mas foi então
que aconteceu o noivado.
– Ela ficou noiva então? De quem?
– Ora, do Leãozinho. O Leon, que o senhor conhece, doutor.
– Ah, desse mesmo, esse Leon...
– Esse Leon, sim, o filho do comendador, descendentes diretos
do fundador desta cidade. A fina flor – bem, não tão fina assim, convenhamos –
da aristocracia local.
– Quantos anos ela tinha?
– Dezoito. E ele, vinte e quatro.
– E quando foi isso?
– Cinco anos atrás, hoje ela está com 23.
– E ele com 29, então. E ainda são noivos até hoje, pelo
jeito. Por que não casaram?
– Porque ela não quis. Ela desfez o noivado três vezes. Cada
vez que a data marcada se aproximava, ela entrava em crise e acabava rompendo
com ele, noivado, namoro, tudo.
– E agora?
– Agora estão rompidos. É uma coisa estranha, porque ela não
namora nenhum outro nesse meio tempo. Já ele, aproveita e lava a égua. Mas,
depois de um tempo, ele volta, começa a insistir e a família dela praticamente
a força a reatar o compromisso.
– Esquisito isso. Pelo jeito ela não gosta dele.
– Aí é que está. Eu
acho que gosta, senão não ficava recusando os outros caras, que caem feito
enxame de abelhas em cima dela. Só sei que, nessa batida, já se passaram cinco
anos, o senhor vê.
– Mas você estava me contando que ela tinha acabado de ser
eleita Miss Amarante quando houve o noivado. E aí?
– Vai daí que as famílias impediram a menina de concorrer a
Miss Santa Catarina. E olhe, vou lhe dizer, vendo a candidata que levou, eu lhe
garanto que a Larissa ganhava de barbada.
– Mas o que as famílias fizeram, afinal? Pois esse não era o
grande sonho da mãe dela, pelo qual vinha fazendo tudo desde que ela era
criancinha?
– Ah, mas aí apareceu um sonho maior. E mais prático. E quem
se impôs, dessa vez, foi o velho Valdemar, o pai da noiva. E os aristocratas, o
pai e a mãe do noivo, é claro.
– Valdemar... não é o dono da Transportadora Real Grandeza?
– Ele mesmo. Bem, o velho também tinha um objetivo de longo
prazo para a filha. Enquanto sua mulher sonhava com concursos de Miss, o pai, o
tempo inteiro, manobrou para que sua filha casasse com o filho da família mais
nobre do local, os Schlikmann.
– Que são muito ricos, é claro...
– Nem tanto assim, moço, eles têm aquela propriedade grande e
muita, muita história, arrotam grandeza o tempo todo. Mas o velho caminhoneiro
tem muito mais dinheiro do que eles. Eles são meio nobreza falida, sabe como é?
– O Valdemar era caminhoneiro, é?
– Sim, moço. E essa é uma história e tanto. Era empregado de
uma pequena frota de Brusque, um dia conseguiu comprar seu primeiro caminhão. E
em seguida, não se sabe até hoje como, montou transportadora e enricou rápido.
Contam por aí umas histórias de contrabando, até de mortes, mas isso eu não vou
falar pro senhor, moço, porque não é do meu feitio.
– Está certo, faz muito bem. Mas o fato é que o homem ficou
muito rico, porque a transportadora dele é a maior da cidade.
– E é a terceira maior de todo o Estado, seu moço.
– E ele queria casar a filha como o Leon Schlikmann...
– Por causa da tal aristocracia da família, seu moço. Sabe
como é, eu acho que o Valdemar, por não ter tido estudo e ter sido
caminhoneiro, tem um certo complexo de vira-lata. Ele pode ser o homem mais
rico, mas os Schlikmann são a família mais importante do local. Para ele, é
como se eles fossem da nobreza, fossem condes, viscondes, sei lá. E ele quis
colocar esse sobrenome na filha dele.
– Mas e a mãe? Ela aceitou essa proibição para a garota? E o
sonho, a vaidade dela?
– Ali o Valdemar falou, seu moço, tá falado. Depois ele
acabou meio que indenizando as duas, sabe como é? Elas foram para a Europa por
dois meses inteiros, com guias exclusivos, visitar castelos e museus, ficar só
em hotéis de alto luxo, estações de esqui, isso também era sonho da Diva, que
também tem lá suas manias de vira-lata. E ele deixou que a mulher escolhesse e
comprasse um apartamento em Paris, veja só. Até hoje ela arrota isso em tudo
quanto é lugar, aprendeu umas poucas palavras em francês, que vive agora
misturando em tudo o que diz, para impressionar os tabaréus.
– Tá bom! Mas e a garota? Ela não queria ser Miss Santa Catarina,
Miss Brasil? Não era o sonho dela, também, afinal foi preparada a vida inteira
para isso?
–Pois aí é que está, moço. Esse tal sonho era só da mãe,
porque a filha ficou foi aliviada, pelo que dizem os parentes. Ela mesma, não
queria ser Miss coisa nenhuma, queira estudar.
– Ora, veja só. E estudar o que?
– Agronomia, moço. Ela agora é agrônoma formada, veja só.
Quem diria! Aquela carinha e aquele corpão que Deus lhe deu, e ela enfiando as
botas no barro e no esterco. Quem diria... Mas ela não exerce a profissão,
nunca exerceu.
– Ué! E agora mais essa! Mas por quê?
– Ora, as famílias de novo, moço. Os nobres e os ricos não
precisam trabalhar, não são que nem a gente. Os Schlikmann dizem que não seria
de bom tom uma Schlikmann afundar os pés na bosta por um ganho miserável
qualquer. Dona Diva, agora a Madame Silvá, de pleno acordo. Já o Valdemar,
cabeça de antigamente, acha que mulher não deve trabalhar fora de jeito
maneira. Então ficaram sempre fazendo carga para a mocinha não trabalhar na
profissão dela. O máximo que permitiram foi que ele ficasse viajando aqueles
poucos quilômetros de carro, sempre com o motorista, para ir e voltar da
faculdade, até se formar. E o senhor precisava ver o baile de formatura, que o
Valdemar Silva patrocinou para toda a turma dela, seu moço. Entrou para a
história da cidade!
O doutor Celso ficou um tempo em silêncio, digerindo tudo o
que havia ouvido e deixando sua imaginação viajar ao longo dos anos verdes da
jovem Larissa, a Miss Amarante. Que criaturinha interessante aquela. Até então
ele era só mais um a estar vivamente impressionado pela beleza absurda daquela
moça. Mas agora, depois de ouvir a narrativa minuciosa e paciente de Fúlvio
Rondelli, tentava se imaginar no lugar dela. É, talvez tanta beleza trouxesse
também os seus problemas, quem sabe...
O velho mecânico, atentando ao olhar vago do amigo, perdido
em algum ponto ignoto à sua frente, resolveu sair um pouquinho de sua habitual
discreção:
– Pelo que eu vejo, o doutor também tem o seu fraco pela
nossa Miss...
– Como qualquer outro homem, Fúlvio. Qualquer outro, você
também, aposto.
– Eu? Não, eu não, doutor. Vi essa menina crescer, sei
dessas coisas que lhe falei e de outras que não falei nem falaria, acho que sei
como ela é. E lhe garanto uma coisa: Isso ninguém sabe e, muito menos, ela
mesma. Até agora ela só tem sido o que os outros querem que ela seja. Mas eu,
que me considero amigo dela e que acho que aprendi a conhecer um pouco mais da
natureza humana, acho que essa menina ainda vai surpreender todo mundo, algum
dia. Principalmente, acho que ela vai surpreender a ela mesma.
– E como, Fúlvio?
– Como eu não sei, mas sei o quando: no dia em que ela
tiver, enfim, coragem de ser ela mesma.
– Interessante. Você me deixou muito mais curioso a respeito
dela agora, com seu último comentário. Eu não sabia nada dela, não sou daqui,
você sabe, cheguei há pouco tempo. Eu não a julgava por nada mais do que a
aparência, o que já não é pouco. Mas agora...
– Agora o doutor vai deixar sair seu gosto pela menina...
– Não sei, não, Fúlvio. Acho que não. Tenho quarenta anos,
acabei de sair de um casamento, de mudar de cidade... E também não sou nenhum
playboy bonitão e de família famosa, como esse noivo dela. Deixe eu ficar só
com minha atração pela garota, o que é só normal. Mais do isso, não vale a
pena.
– O doutor é um homem de cabeça, eu sei. Tem juízo, bom
senso, é honesto também, que é o que mais me agrada no senhor. É provável que
tenha razão. Eu já me considero seu amigo. E, por isso, eu não gostaria de ver
o doutor sofrendo por amor a essa mocinha, que me lembra sempre uma velha
canção da minha juventude...
– Uma canção, Fúlvio? Como é o nome?
– Olhe, nome eu não sei, doutor. Até porque o que me lembra
a Larissa é só um pedacinho da letra, bem no fim, que diz: “Você tem o destino
da Lua, que a todos encanta e não é de ninguém. ”
– Sábias palavras, Fúlvio. Talvez seja esse mesmo o destino
das criaturas excessivamente belas. Talvez sejam bonitas demais para poderem
gostar mais do que de si mesmas.
– Não, doutor, desculpe. Não é exatamente de si mesmas. É
gostarem da imagem que vêm refletida no espelho. No espelho de vidro e no
espelho maior do mundo, que é o espelho dos olhos dos outros. Há uma dor em
potencial nessa condição, doutor, e ela ataca um dia e destrói. Até porque a quase
totalidade das Larissas do mundo só vão despertar muito tarde, quando o Tempo,
esse cruel cobrador, lhes roubar enfim a beleza de uma forma tão inexorável que
nem mesmo o melhor cirurgião plástico do mundo consegue devolver.
– É, eu tenho que concordar com você... Nunca pensei
assim... Você é um sábio, Fúlvio.
– Não, doutor, longe disso. Só um homem que já viveu muito e
não ficou cego ante a vida, aprendeu. Mas eu tenho uma esperança. Uma esperança
secreta: que a minha Larissinha, meu anjinho loiro, acorde muito mais cedo para
a verdade. E se livre dessa armadilha que prende Narciso frente ao espelho
desde os primórdios da história. Tenho fé que ela consegue. Naquele dia, como
lhe disse, quando ela ousar ser ela mesma.
– É, meu amigo, você me deu muito o que pensar. Como vou ter
que ir agora, a primeira coisa que eu quero fazer é lhe agradecer muito, muito
mesmo, pela paciência da sua narrativa e pela sabedoria das suas palavras.
Vamos à saideira e nem pense em pagar nada da conta.
– E a outra coisa, doutor?
– A outra coisa é que você conseguiu mexer com a minha
cabeça, homem. De hoje em diante vou ser obrigado a ver o seu anjinho loiro
como uma pessoa, um ser humano, e não só essa boneca de luxo, que eu supunha só
um poço de vaidade de cabeça vazia.
– Pois supôs muito errado, doutor. Fico contente que o meu
papo tenha tido o poder de mudar isso para o senhor. Valeu o sacrifício desta
cerveja quente e sem gosto.
Despedindo-se, Celso caiu na gargalhada:
– Horrível, não é? E olhe que a gente conseguiu o milagre de
esvaziar duas garrafas. Até, amigo.
– Até, doutor. Vá com Deus
CONTINUA...
CONTINUA...
Disse q passaria aqui para ler e aqui estou eu, fiquei feliz em ver meu nome aí no livro, quando estiver a venda com certeza comprarei um exemplar. Como é bom poder conhecer tantas pessoas todos os dias e ver q existe tantas pessoas do bem. Abraços e sucesso!
ResponderExcluirMuito obrigado, Larissa real, pelo apoio.
ResponderExcluirImagina, eu é q agradeço por ter conhecido pessoas tão queridas.
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