quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

LUA  OCULTA – 56   
MILTON MACIEL 

56 – REI MORTO, REI POSTO
Fim do cap. 55:  "Mas continuava um prisioneiro do Estado, aguardando julgamento por diversos crimes de morte e mais o atentado contra a vida de Celso Teles. E, segundo o delegado de Amarante, era também o suspeito número um da morte de seu comparsa Valdemar Silva."

Naquela manhã mesma Leon foi atrás de sua adorada Rainha de Sabá na Teles Automóveis. Precisa contar o grande acontecimento do dia. Na entrada encontrou Larissa, que saía radiante do escritório de seu ‘Rei dos Autos e das Bolas’, como passou a chamar Celso Teles ocasionalmente. O Autos era evidente por si mesmo, mas o Bolas ela o concebera e pronunciava com evidentes segundas intenções, deixando-o, muitas vezes, constrangido ante outras pessoas. Ela, percebendo-o assim, desconversava e comentava com os outros, risonha: Ué, não é grande Romano do Milan, o Rei da Bola?

O encontro dos dois amigos e ex-noivos eternos serviu para que ambos comemorassem seus respectivos amores, Leon acendendo incensos para sua rainha Jennifer, Larissa entoando loas a seu adorado Rei das Bolas. Na conversa, ficaram sabendo que, da posição de delfins, ambos tinham passado concretamente para a gestão de suas próprias fortunas e patrimônios. Leon comentou, ainda meio incrédulo:

– Pois veja só, gata, eu de repente fiquei com toda a grana que era do coroa nas minhas contas, todos os imóveis agora são só meus e da minha mãe. Mas ela passou toda a administração só pra mim. É bonito, só que eu estou morrendo de medo agora.

– Medo do que, guri?

– Medo de fazer uma cagada, ora. Eu nunca administrei nem time de botão, que dirá as finanças de uma família. E você sabe, os Schlikmann, desde o meu avô e o meu pai têm sido campeões e recordistas absolutos na arte de perder dinheiro e torrar patrimônio. Eu, desde ontem, ando com medo dessa maldição de família.

– Ah, bobinho, mas acontece que você não é seu pai nem seu avô. Você é uma carinha muito legal, não é pretensioso, nem barra pesada. E você tem amigos de fé, diferente deles. Tem sua amiga aqui, que também é a maior bola murcha em termos de finanças e dessas coisas malucas. Mas tem padrinho Fúlvio e tem o melhor, the best, o maior de todos os administradores a seu dispor: Celso Teles. E ele não cansa de me dizer o quanto ele gosta de você. E disse que já gostava de você mesmo quando morria de ciúmes de você por minha causa.

– Puta que pariu, gata! Ganhei meu dia hoje! Se o Celso gosta de mim, então eu não estou na rua da amargura, posso pedir conselhos a ele.

Leon parou, a voz embargada, estava visivelmente comovido. Larissa percebeu e passou, como fazia sempre, as mãos carinhosamente em seus cachos loiros:

– Ele gosta mesmo de você, Leonzinho. E o Celso é sempre sincero quando diz ou faz algo.

– Puta, agora você me pegou, gata! Balancei. Acontece que eu gosto demais desse cara, compreendi isso quando achei que ele tinha morrido e me deu aquele puta desespero! No duro, eu queria era que ele fosse o meu irmão mais velho, que eu nunca tive. Que era o meu sonho de guri. Muitas vezes eu fico a fim de procurar por ele, mas aí eu me contenho, por que eu sou um vagal, mas ele é um cara superocupado, é claro.

– Pois você devia procurar mais por ele. O Celso tem uma característica que você ainda não conhece. Ele sempre arranja tempo para as pessoas que ele considera amigas, não importa o quanto esteja ocupado. Pode procurar mais por ele, Leonzinho. Ele vai gostar, eu garanto. E eu vou gostar mais ainda, porque eu amo vocês dois demais!

– Pois pode contar que eu vou começar a encher mais o saco dele. A começar por esse rolo de ser administrador do patrimônio Schlikmann. Eu não quero dar continuidade à maldição de perdedores dos homens desta família.

– Pois olhe, Leonzinho, tem um outro homem que você pode procurar, que também é um coração de ouro e que faz de tudo pelos outros: o padrinho, você sabe. Ele é um poço de bom senso, de experiência de vida. O Celso vai sair agora, mas o padrinho está lá na oficina. Dá um pulinho lá, leva um papo com ele, conta o que você está sentindo e passando. O que, no fundo, não deve ser nem um pouquinho diferente do que aconteceu comigo.

– Como assim, gata?

– Eu também, de uma hora pra outra, me vi dona de um monte de dinheiro e de propriedades, mais aquela Transportadora enorme, tudo que era do meu pai. Herdei metade de tudo, o resto ficou pra minha mãe. É muita coisa, Leonzinho, uma barbaridade, eu ainda não sei quanto é tudo, mas sei que é uma enormidade de coisas. E já caíram um monte de dólares e umas barras de ouro na minha mão, 14 delas, você não imagina a minha surpresa, fiquei de bunda caída.

– Caramba, deve ser o tipo da surpresa gostosa, hein, gata! Que legal. Pois é, comigo foi algo assim também, eu ainda não sei quanto sobrou das trapalhadas do velho, só vou ficar sabendo mais pro fim da semana, mas ainda tem muita bala na agulha. Eu, por mim, vendia aquele casarão, a tal mansão Schlikmann, pra mim aquilo é sinal de decadência, de esnobismo. Mas vale uma grana preta, uma enormidade também, imagine dois quarteirões inteiros bem no centro da cidade. Vou ver se consigo, com calma e jeito, dobrar a minha coroa, convencer a velha a vender aquela coisa e acabar de vez com os sinais exteriores de riqueza dos Schlikmann.

– Nossa, Leonzinho, você está disposto a virar a mesa mesmo!

– Se estou! E isso é o mínimo. O que vai deixar meia Amarante de cabelo em pé vai ser o meu casamento com a Jennifer. Minha velha vai querer morrer. O velho, pra mim, já está morto, quero mais que ele se foda, por mim nunca mais olho na cara dele.

– Pois olhe, Leonzinho, eu sinto o mesmo pela minha mãe. Desde que saí de casa, nunca mais olhei pra cara dela. E, agora que ela mudou pra Paris, aí mesmo é que eu aproveito e nunca mais procuro por ela.

– Esse pessoal mais velho, mais caretão, vai pensar que nós somos uns ingratos. Pois eles que se fodam também, não foram eles que tiveram que engolir a vida inteira um bandido como pai e uma demente como mãe, como nós dois tivemos. Esse vermes colheram o que plantaram, que se danem.

– Incluído aí aquele meu pai que, graças a Deus, já se foi e livrou o mundo de mais um bandido perigoso. Já pensou a desgraça da minha e até da sua vida, Leonzinho, se eles conseguem matar o Celso?

– Que horror, gata! Ia ser a maior desgraça, acho que acabava com você e me desmanchava também. Mas, felizmente, em vez de morrer o Celso, morreu um dos bandidos e outro está vegetando, praticamente morto da cabeça também. E nós dois, uns merdinhas bonitinhos, de repente viramos princesa e príncipe herdeiros. E agora, na marra, vamos ter que aprender a ser uma rainha e um rei. Que Deus nos ajude! Aliás, basta que o Celso nos ajude. E seu padrinho também, gata. Vou procurar por ele, sim. Mas só depois que eu me deliciar um pouquinho com a minha Rainha de Sabá. vou fazer o que eu mais gosto, correr atrás dela. Fui! Tchau, beijo.

Leon encontrou Jennifer no grande salão, junto ao um automóvel Audi que havia acabado de ser colocado em exposição. Chegou por trás dela e ficou parado. Ela, tendo-o visto, rebolou a bunda altaneiramente, fazendo-a dançar sobre as coxas brilhosas. E falou:

– Olha só quem está te dando bom dia, meu copinho-de-leite.

Leon apertou-a por trás, encostou-se naquele monumento, depois passou os dois braços ao redor dos ombros e do peito dela, murmurando:

– Bom dia, amor. Morrendo de saudade.

E afundou o rosto muito branco naquela nuvem perfumada de cabelos Black Power.

Então voltou-a de frente para ele, beijou-a delicadamente nos lábios, respeitando o ambiente da empresa de Celso e a proximidade de Carmen De Rios, que lhes sorria, amistosa. Fez sinal a Carmen para que se aproximasse. Quando a espanholita-mãe chegou, ele se postou de joelhos ante Jennifer e falou:

– Rainha de Sabá, seu Rei Salomão quer marcar a data do casamento. Por mim seria hoje mesmo, mas precisa dos tais documentos. Então minha rainha me autoriza a dar entrada nos papeis?

– Seu louquinho... – Jennifer gemeu como uma gata, fazendo-o erguer-se do chão.

Leon falou, todo animado:

– Bom dia, Carmen. Você é minha testemunha. Veja só estes papeis: Aqui mostra que eu agora sou de fato o Rei Salomão, não sou só mais o delfim, o príncipe herdeiro dos Schlikmann. Eu acabo de herdar o comando de tudo.

E, mostrando o despacho de interdição do pai e a procuração da mãe, provou para as duas mulheres que ele agora era o novo Schlikmann poderoso do pedaço. E completou, rindo muito:

– Agora se preparem, que eu, com todo esse poder, vou virar o novo crápula do pedaço, o novo esnobe, o novo asqueroso de Amarante. Vou virar nazista e mandar matar um monte de gente, só assim faço esse povo miúdo me respeitar e se pôr no seu lugar.

Jennifer beijou-o com suavidade também e falou:

– Meu copinho-de-leite, você nunca vai ser nada disso, meu amor. Você é o meu menino bonzinho, por isso eu me derreti toda por você. E agora estou pronta pra qualquer loucura. Inclusive a maior de todas, casar com você de papel passado. Por mim está bem, corra os papeis; deu o prazo, eu vou com você até pra Saturno. Como sua esposa, dane-se Amarante!

Leon perguntou-lhe então:

– Católica ou luterana? Você escolhe a igreja.

Hum, a resposta pode ser... nenhuma das duas?

– Por mim, pode. Quer uma terceira. Ou nenhuma?

– Pode ser... nenhuma?

– Pode, sim, meu amor. Eu também não sou muito chegado, era só para satisfazer você. Então chega no Civil?

– Pra mim está de bom tamanho. Pode ser pra você?

– Pra mim?! Pois pode ser qualquer coisa, desde que você CASE COMIGO. O resto não interessa.
Carmen falou finalmente:

– Pois então corra ao cartório e trate de providenciar os documentos e a licença. Aí eles lhe dão a data e a gente marca o foguetório, vai ser festa de arromba em Amarante. E eu e minha hijita já prometemos um presente especial para os noivos.

– Oba, oba, Carmen, eu nem tinha pensado nisso! O lado bom do casamento são os presentes que a gente ganha, Leon. Ai, diz, diz, qual vai ser o presente especial?

Carmen estalou os dedos em castanholas e os saltos dos sapatos no chão; e falou:

De Rios Flamenco em Amarante!

Jennifer deu um grito tão impressionante que deixou Leon aturdido. E saiu correndo em direção ao local onde estavam as outras garotas reunidas, Larissa inclusive. Chegou esbaforida, falando alto:

– Vou casar no mês que vem! E não é só isso. Vocês não imaginam o presente de casamento que eu vou ganhar de Carmen e Gládis.

As moças fizeram todas cara de surpresa, menos Gládis, é claro, que apenas estalou os dedos em castanholas e sapateou com os saltos no chão, dizendo ao mesmo tempo:

De Rios Flamenco em Amarante. Olé!

E, ante a manifestação de alegria extrema de Paula, a cara de felicidade de Jennifer e a de quem não estava entendendo nada de Larissa, Gládis falou:

– A gente já tinha combinado fazer isso no dia do seu casamento, Jenny. Até já conversamos com minha avó e meu avô, lá em Ribeirão Preto.

Então todas as três explicaram para a Fofinha o que era De Rios Flamenco, o que era flamenco e quem eram Gládis, sua mãe a sua avó na hierarquia dessa dança espanhola magnífica.

Larissa olhava para Gládis com olhos de verdadeira adoração: Mais essa! Já não chega tudo o que ela é e faz, ainda é bailarina espanhola! Deus do Céu, como alguém pode ser tão perfeita assim, tendo só a minha idade?

E mais estupefata ficou quando as moças lhe contaram que o De Rios Flamenco era uma obra também de ... Celso Teles!

Mais essa! Já não chega tudo o que ele é e faz, ainda vem com mais essa, cria um grupo de flamenco e uma escola de dança em Ribeirão Preto! Como alguém pode ser tão perfeito assim?

CONTINUA

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