terça-feira, 5 de janeiro de 2016

LUA  OCULTA – 41   
MILTON MACIEL  

41 – NO ESCRITÓRIO, O HORROR
Fim do cap. 40:"  Leon concluiu que a impopularidade do seu pai era tão grande que fazia muita gente se solidarizar com o filho rebelde, só para fazer afronta ao pai odioso. Há males que vêm para bem mesmo!
 "
Naquela tarde, quando viu o baixote de braço engessado entrar no escritório de seu engessado pai, Leon resolveu que devia ouvir o que os dois estavam tramando. Não ia ser agora, que tinha acertado os ponteiros com Jenny, seguramente a mulher de sua vida, que ia voltar atrás e aceitar a imposição de um casamento de interesse com a pobrezinha da Larissa. Coitada, a última coisa que ela podia merecer era um marido como ele. Não estando apaixonado por ela, ia cobri-la de chifres como sempre fizera.

Esgueirou-se por trás do jardim de inverno, até ficar no sopé da janela grande do escritório do pai. A janela estava fechada, mas havia uma espécie de bandeirola de ventilação em cima e essa estava entreaberta. Dali onde se escondera, era possível ouvir perfeitamente o que os dois falavam. E o que ele ouviu naquela tarde mudou tudo, para sempre, em sua vida!

Quando Valdemar Silva entrou no escritório, o outro homem estava em pé, à sua espera. Ante os olhos incrédulos do empresário de transportes, o pai de Leon apresentava uma larga bandagem de imobilização no mesmo braço que ele, o esquerdo. E usava uma muleta canadense, mantendo pé direito suspenso do chão.

– Caramba, compadre, que foi que lhe aconteceu?

– O mesmo que lhe aconteceu, Valdemar.

– Aquela filha da puta veio aqui e lhe atacou também?

– Não, foi outra mulher. Foi a sua filha Larissa.

Valdemar Silva balançou a cabeçorra quase careca, incrédulo:

– Aquela moleca de merda?! Mas como, se aquilo sempre foi a maior covarde, a maior cagona.

–  Pois da mesma forma que ele atacou o pai dela, compadre.

– Mas me explique por que ela fez isso?

– Uma discussão sobre os bens do casal no futuro casamento, compadre. Depois a gente fala disso. Mas agora eu quero tratar de um assunto muito mais urgente. Da causa de todos estes nossos problemas. E a causa é só uma,  atende por um único nome.

– E qual é o nome, Adolfo?

Celso Teles, o paulista.

– Explique mais, compadre.

– Veja bem Valdemar, desde que esse homem chegou aqui em Amarante, os nossos problemas começaram. Foi ele que deu emprego a sua filha, contra a sua vontade. Foi ele que trouxe essas mulheres bonitas, essas que devem ser uma trupe de putas de luxo dele. E, no meio delas, a desgraçada que fez esse estrago no seu braço. E que, já sabemos, acabou complicando a sua vida, a ponto de o compadre ir parar numa cadeia com marginais vagabundos.

– É verdade.

– Pois ele trouxe também outra mulher, uma maldita crioula, uma negra metida a besta, que me desrespeitou lá na firma deles e, o pior de tudo, anda de beijos e abraços com o meu filho Leon. Imagine só, um Schlikmann, um ariano puro como esse meu filho débil mental, envergonhar o nome da família andando em público com uma negra vagabunda dessas. É o fim. E de onde saiu esse pessoal? Pois da tal de Teles Automóveis, compadre.

– Sim, Adolfo, você tem razão, aquilo é um antro de vagabundas, uma péssima influência para a cidade. Imagine só, aquela desgraçada que me humilhou deve ter ensinado a minha filha a fazer o mesmo com o compadre.

– Com toda certeza, só pode ser! Agora imagine, Valdemar, como vai ficar nossa cidade, se as mulheres aprenderem a bater nos homens. Uma inversão total de valores. Precisamos expulsar essa gente de Amarante imediatamente.

– Expulsar ou fazer coisa melhor, compadre, você me entende, a gente é dos velhos tempos, com a gente esses casos se resolvia na bala. Pois eu já estou com a morena da Teles no bico do corvo.

– Pois faz muito bem, compadre. Não pode deixar uma tipinha dessas achar que desmoralizou um macho de Amarante. Ela que vá comer capim pela raiz, para dar o bom exemplo. Estou com o compadre, pode contar comigo se precisar.

– Obrigado, compadre, mas já mandei buscar mais uns homens no Paraná, o Toco foi para Ponta Grossa buscar uns sujeitos especiais. Logo, logo, a morena vai ver o que é se meter com Valdemar Silva.

 – Assim é que se faz, compadre. Mas a morena não é causa, é consequência. O verdadeiro culpado é aquele bandido do chefe delas, o tal Celso Teles. E o homenzinho foi longe demais também com o compadre.

 Comigo? Mas o que foi que ele fez?

– Pois foi ele que pagou para o safado do Pivetta mandar o processo do promotor contra o Amaral para a assinatura do Secretário. O que resultou na vinda do Corregedor para cá, na fuga do Amaral, e na sua desgraça maior naquela delegacia.

– Filho da puta! Mas porque esse merda fez uma coisa dessas, o que ele tem a ver com o processo contra o Amaral?

– Isso eu ainda não sei, descobri minutos atrás, quando lhe liguei pedindo que passasse aqui com urgência. Descobri com o Aristides Lobo, que telefonou para o Pivetta. Desconfio que o homem tem intenções políticas, já viram ele na casa do promotor e o promotor viajou para  Florianópolis com carro e motorista da Teles.

– Desgraçado! Essa vai para minha lista negra também.

Pois eu acho que é pouco, compadre. Com esse aí, a gente tem que cortar o mal pela raiz. Pelo jeito o cara tem muito dinheiro. E a última coisa que nós podemos admitir é um inimigo com poder de fogo contra nós. Se ele já está agindo assim bem no começo, ou a gente corta as asinhas dele, ou ele acaba com a gente.

Nada mais certo, compadre. Esse aí, ou a gente acaba com ele, ou ele acaba com a gente. É guerra. E guerra é guerra! Vale tudo.

– Chumbo no bucho, como nas antigas, Valdemar. Só isso é solução final, é garantia pra gente. E eu já andei pensando em ajudar o compadre. E me ajudar, também, é claro.

– Como assim, compadre?

– Bem não há nada mais importante para nós dois do que unir nossas famílias, não é?

– Sim, é verdade. É agora até uma questão de honra pra mim. Olhe, eu andei pensando em castigar feio a minha filha, pelo que ela fez comigo, porque foi daí que veio toda a minha desgraça. E agora, vendo o que ela fez com o compadre, então! Mas, se ela vier a casar com o seu filho, eu suspendo o castigo, sou até capaz de perdoar a danada.

– Pois foi pensando em tudo que lhe falei e mais no casamento deles, compadre, que eu adiantei expediente. Já providenciei o homem que pode apagar esse Celso Teles e resolver de vez todos os nosso problemas. Ele está só aguardando uma ligação minha, para vir para cá. E eu estou aguardado o sim de você, meu compadre. O interesse é nosso, a gente racha o preço do homem, cinquenta mil, lhe parece muito?

– Não se o homem for muito bom e de total confiança. O compadre pode garantir isso?

Pois é certo que posso. Esse sujeito já despachou outros pra mim. E começou cedo, quando bem novo, ele foi um dos que invadiu a fazenda da minha irmã e resolveu na bala aquela encrenca de herança pra mim. O compadre sabe, a gente já comentou isso, muitos anos atrás.

– Bem, nesse caso o homem é bom mesmo, é que nem o meu Ramiro Toco, que vai me livrar dessa morena que está atravessada na minha garganta. E vai ser hoje mesmo, compadre. Já está tudo acertado. Esta madrugada.

– Beleza, compadre. Posso ligar pro homem? É o Jardes, lembra dele?

– Jardes... Jardes... Não, acho que nunca vi. Mas chame logo o sujeito, estou louco para avaliar o bruto.

Adolfo Schlikmann fez a ligação e o homem do outro lado disse que iria logo, ia chegar rápido, de moto. Então o alemão propôs que bebessem um conhaque Napoleon, para celebrar o acordo prévio. Depois beberiam com o próprio matador.

Nesse mesmo momento, do lado de fora, Leon Schlikmann estava em lágrimas. Elas rolavam teimosas de seus olhos verdes, trazidas em turbilhão pelo choque brutal recebido. Ele costumava falar mal de seu pai, chamá-lo de chato, casmurro, implicante, intratável, egoísta, racista. Mas, via agora, ainda tinha por ele muita consideração e uma certa estima filial. Mas tudo isso acabara de rolar por terra definitivamente, ante a constatação de que seu pai era muito pior do que supunha, era um ladrão e um assassino!

Ladrão da herança e assassino da própria irmã! Da irmã, do cunhado e do sobrinho inocente de um ano e meio! E da pobre da empregada da casa, morta também provavelmente por que conhecia os assassinos. E o pai havia falado claramente ali que tinha usado esse mesmo Jardes para matar outras pessoas também.

Ele não era só filho de um alemão presunçoso e nazista, era filho de um bandido assassino!  Por um momento, Leon se sentiu acometido por uma vertigem e pensou que ia desmaiar. Depois conseguiu se recompor e preparou-se para a parte seguinte do episódio naquele escritório. Uma conspiração para matar duas pessoas: Gládis de Rios e Celso Teles! Só então lembrou que tinha seu celular no bolso. Pegou-o, viu que bateria estava com boa carga e preparou-se para gravar a conversa que viria a seguir.

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