terça-feira, 26 de janeiro de 2016

LUA  OCULTA – 55   
MILTON MACIEL 

55 – O OCASO FINAL DE ADOLFO SCHLIKMANN
Fim do cap. 54:  "Ora, as jovens de trinta anos não podem ser avós! Ah, Paris, Paris, o melhor lugar do mundo para se viver a primavera da vida! E, com certeza, para viver um grande amor. Ou muitos, muitos grandes amores..." 

Em Amarante, enquanto Diva Simonetti chegava a Paris para começar sua vida de Cinderela renascida princesa, os acontecimentos se precipitaram.

O primeiro desses grandes acontecimentos foi a chegada do médico psiquiatra forense, Dr. Ademir de Mendonça, que veio submeter Adolfo Schlikmann a uma longa série de exames, para avaliar sua sanidade mental. O resultado final foi inconclusivo. Depois de exaustivas provas, o psiquiatra atestou que Schlikmann podia alternar períodos de quase lucidez com longos período de completa alienação.

Como ele estivera, aparentemente ao menos, em pleno gozo de suas faculdades mentais normais antes de ser desmascarado em público e preso, o quadro podia ser relacionado com o grande trauma sofrido, ao compreender que sua vida estava arrasada e que ele cairia da posição de homem mais prestigioso da cidade para a de um reles criminoso serial, com o agravante de ter assassinado sua própria irmã e sobrinho, o que o tornava um verdadeiro monstro aos olhos da população inteira.

Para o Dr. Ademir isso era perfeitamente capaz de deflagrar a crise de alienação presente, na qual o criminoso se refugiava em um mundo onírico e perfeito, onde era uma espécie de florista, sempre encantado com imensos buquês de flores perfumadas, que corriam constantemente ante seu olhar maravilhado e perplexo. Isso, concluiu o especialista, estava combinado com um caso de Mal de Alzheimer, e com uma evidente arteriosclerose, que estavam em evidente progressão.

Mas, objetava, o delegado Oliveira, e nos momentos em que o alemão recobrava a lucidez? Então ele compreendia perfeitamente sua situação. E podia, se tivesse um mínimo de condições, voltar a delinquir. E a matar, é óbvio, pois, no quadro de sua evidente insanidade muito antiga, ele tinha essa característica típica dos assassinos em série, que nunca param de matar ao longo da vida.

O Doutor Ademir de Mendonça concordou com o delegado, prescrevendo completo isolamento do paciente. Ele não deveria ser colocado em uma cela com outros presos. E precisaria receber cuidados psiquiátricos especializados, nos momentos, aparentemente cada vez mais comuns, em que tivesse suas crises de alienação.

O delegado reconheceu que não tinha como manter Adolfo preso na delegacia, para aguardar julgamento com a prisão preventiva decretada pelo juiz Trindade. Ao mesmo tempo, para providenciar sua remoção para uma unidade psiquiátrica do Estado, a tramitação seria demorada e um pouco incerta, por causa do problema da falta de vagas. E a ideia de afastar o alemão de suas vistas o deixava muito incomodado. Para ele não havia a menor dúvida que fora ele o assassino de Valdemar Silva. Ele tinha certeza que, num desses momentos de lucidez, o alemão tinha encontrado um jeito de matar Silva, embora fosse quase impossível descobrir de que jeito ele havia conseguido o veneno e os apetrechos para sua aplicação.

E, por falar em veneno, o segundo grande acontecimento foi a rápida chegada, por Internet, do laudo do laboratório de análises toxicológicas. Envenenamento por fluoracetato de sódio confirmadíssimo, como previra o Doutor Krause, aquela sumidade!

Mais do que nunca o delegado Oliveira sentiu crescer a sua sede de justiça contra Adolfo Schlikmann. Precisava mantê-lo ali em Amarante, ao alcance das suas mãos e das suas investigações. Ele haveria de persistir e persistir, até descobrir uma forma de apanhar o criminoso em um dos seus momentos de lucidez e forçá-lo a cair em alguma contradição ou, quem sabe, confessar espontaneamente como praticara o crime contra Silva.

Teve então uma ideia e a discutiu com seu sogro. Este achou que a coisa poderia ser viável, desde que houvesse colaboração por parte da família. Para variar, o delegado foi imediatamente pedir apoio a Celso Teles. E Celso entrou em contato com Leon Schlikmann, pedindo-lhe que comparecesse, com sua mãe Marion, a uma reunião no hospital do Dr. Luzardo, o Nossa Senhora da Conceição, onde Adolfo estava internado sob vigilância policial.

No outro dia, às 9 horas da manhã, a reunião aconteceu no escritório de administração do hospital, na sala reservada do Dr. Luzardo. Por sugestão de Celso Teles, também o advogado Aristides Lobo estava presente. Celso, embora convidado pelo delegado e por Leon, preferiu não participar, para, segundo justificou, não deixar Dona Marion constrangida. Afinal, o marido dela havia tentado assassiná-lo.

Durante a reunião, o Dr. Luzardo exibiu o laudo do psiquiatra e o delegado explicou que seria muito difícil conseguir transferência do paciente para um hospital psiquiátrico do Estado de forma rápida. Então os dois apresentaram, num simples croquis, o projeto que tinham elaborado em conjunto para lograr uma solução imediata e conciliatória para o problema. O delegado Oliveira explicou:

– Bom, ele está com prisão preventiva decretada e a prisão vai ser automaticamente prorrogada pelo juiz até que o julgamento ocorra. Daí ele só pode ir para a prisão definitiva, é claro. Contudo, por enquanto, eu não posso mantê-lo preso na cela da delegacia, com os outros presos, como vocês podem entender perfeitamente agora, pelo laudo do psiquiatra. Então nós tivemos, o Dr. Luzardo e eu, a ideia de mantê-lo aqui no hospital.

– Mas isso é possível? –  indagou Leon, duvidando.

– Não, nas atuais condições não é – respondeu o médico – Mas nós pensamos em fazer algumas alterações rápidas, que implicam em certas despesas. E em contratar pessoal especializado. Deixem a gente expor para vocês. Norberto, por favor...

O delegado reassumiu a batuta:

– Vejam aqui, Dona Marion e Leon, nós pensamos em adaptar estes dois quartos e um banheiro desta ala aqui no extremo direito da construção. Colocamos grades nas janelas e nas portas, como exige a condição de preso vigiado. E, para deixar tudo mais favorável para ele, a gente coloca uma grade alta cercando todo este pequeno jardim e o deixa anexo ao, digamos, 'complexo prisional provisório'. Com isso ,deixamos o homem em liberdade aí dentro, sem algemas, capaz de caminhar normalmente nas peças, ir ao banheiro e, o que nos parece mais conveniente ainda, deixamos que ele brinque de jardinagem, de plantar e colher flores, o que parece ser atualmente a sua grande fuga emocional. Pensamos em trabalhar com floristas e produtores de flores do município, a gente poderia colocar flores novas com frequência, para manter o homem animado. Isso, evidentemente, vai contribuir também para a sua saúde física.

– A ideia é muito boa, delegado. Eu estou de pleno acordo. O que é preciso para se fazer isso então? Dinheiro?

– Exatamente, minha senhora. Esses gastos, a grande maioria dos quais seriam com grades, com a serralheria e com pedreiros, para instalação das mesmas, implicam num certo dispêndio. A família poderia arcar com isso?

– Naturalmente – confirmou Leon – Mas os senhores mencionaram a necessidade de pessoal especializado.

O Doutor Luzardo respondeu:

– Sim, precisaremos de enfermagem especializada, em três turnos e de segurança interna. A assistência de um psiquiatra, para eventuais consultas e visitas, pouco frequentes. E medicamentos, é claro.

– Eu, como esposa, autorizo tudo isso. É claro que nosso filho concorda. Mas nós vamos precisar de um orçamento prévio, porque pode ser que a gente não disponha de dinheiro suficiente.

Leon procurou justificar:

– Acontece que o grosso das contas bancárias é só ele que maneja. Nós não temos acesso.

– Muito bem, nós já prevíamos algo assim. Por causa disso foi que pedimos a presença do Doutor Aristides Lobo aqui nesta manhã. Doutor...

– Obrigado, delegado. Vejam bem, Dona Marion e Leon Schlikmann, o laudo do psiquiatra é conclusivo: o marido e pai de vocês perdeu as condições de administrar qualquer negócio, inclusive qualquer gestão financeira. Então eu, convidado que fui para desenvolver este tema aqui nesta manhã, conversei hoje mais cedo com meu amigo, o juiz Trindade. E ele me confirmou que, se vocês solicitarem de comum acordo, através de um advogado constituído por vocês, ele despachará imediatamente uma ordem de interdição de Adolfo Schlikmann, passando automaticamente a gestão de todos os bens e valores da família para vocês dois.

– Mas doutor, isso não é uma traição, um oportunismo?

– Certo que não, Dona Marion. Eu diria que se trata de sobrevivência, pura e simplesmente. Vocês precisam pagar suas contas, receber seus alugueis, manter as propriedades. E ele precisa deste investimento no hospital para poder ficar aqui em Amarante, sob as vistas de vocês, que poderão visitá-lo com facilidade. Além do que ele, num estado anormal de consciência, pode assinar qualquer papel que prejudique todos vocês, pode ser ludibriado, fazer grandes gastos, o diabo...

– Muito bem, o senhor me convenceu, doutor! Então que seja assim. O senhor pode nos representar, Dr. Aristides?

– Perfeitamente, minha assenhora. Inclusive, como eu sabia que essa era a única solução possível, eu já me adiantei um bocado. Redigi estes papeis com ajuda do próprio juiz Trindade. As procurações estão aqui também, anexadas, é só assinar tudo. Aqui, por favor, Leon, examinem com cuidado. Se estiverem de acordo, é só assinar que eu dou entrada no cartório e em juízo ainda hoje. O juiz vai despachar imediatamente e amanhã mesmo vocês já vão poder dispor do controle total das contas e dos bens. E vão poder administrar tudo em conjunto.

– Não, não, doutor! Mude isso aí. Quem vai administrar tudo é somente o Leon. Eu não quero saber de nada, nunca me meti em negócios e não quero que ele dependa de anuências ou assinaturas minhas. Você aceita, não é, meu filho?

– Se essa é sua vontade, mãe. Como você quiser.

– Muito bem, então eu vou fazer as alterações já. O senhor me disponibiliza um computador com impressora, Dr. Luzardo?

– Claro, claro, doutor. Pode usar este meu aqui, venha, sente aqui na minha cadeira. Vou ligar os dois, é rápido.

Em pouco mais de dez minutos as alterações estavam prontas. Os Schlikmann assinaram, o delegado e o médico assinaram também, como testemunhas realmente presentes.

E, no dia seguinte, o outro grande acontecimento estava consolidado, através da assinatura do eminente Dr. Trindade, digníssimo juiz de direito da Comarca de Amarante: Adolfo Schlikmann deixava de ser um importante proprietário de imóveis e de contas bancárias. Daquela manhã em diante, somente Leon Schlikmann podia dispor, como bem quisesse, desses bens e valores, como gestor único do patrimônio e como procurador plenipotenciário de sua mãe Marion Schlikmann.

O sol daquele dia viu o ocaso final do segundo homem mais rico de Amarante. O primeiro, Valdemar Silva, estava morto e enterrado. O segundo, Adolfo Schlikmann, era agora somente um paciente em uma ala psiquiátrica em construção no hospital mais importante da cidade. Não era mais dono de nada. Mas continuava um prisioneiro do Estado, aguardando julgamento por diversos crimes de morte e mais o atentado contra a vida de Celso Teles. E, segundo o delegado de Amarante, era também o suspeito número um da morte de seu comparsa Valdemar Silva.

Nenhum comentário:

Postar um comentário