MILTON MACIEL
42 - OPERAÇÃO APART-HOTEL
Nesse exato momento de agonia para Leon Schlikmann, na Teles Automóveis
Celso recebeu uma ligação do promotor, que lhe falou todo entusiasmado:
– Bah, larga tudo o que estás fazendo e corre pra cá, pra delegacia,
tchê! Sabes da maior, sabes quem acabo de conhecer? Pois o novo delegado de Amarante!
E olha, gostei do índio velho. Que de velho não tem nada, é só jeito de falar,
tem a minha idade, se tanto. E me parece um cara firme, mui moderno, Vem pra
cá, tchê, preciso te apresentar pro homem. Ela já está aqui na delegacia dele,
botando ordem nas coisas.
Celso fez isso imediatamente, confirmando o encontro com o promotor, Dr.
Turíbio, direto em frente à delegacia.
Instantes depois, Celso Teles trocou o primeiro aperto de mão com o novo
delegado de Amarante, Dr. Norberto Oliveira. Era um homem jovem de fato,
aparentando algo em torno dos trinta anos, como o promotor. Já estava
plenamente a par da situação do seu antecessor, Otílio Amaral, afastado por
corrupção. E o promotor lhe levara ali, na própria delegacia, o juiz Trindade,
que contou toda a situação da chantagem que recebera por parte de Valdemar
Silva, sem poder, no entanto, provar nada.
Mas o delegado já havia recebido mensagens do Corregedor, colocando-o a
par da especial “marcação” que ele tinha reservado para o audacioso Silva, que
tentara agredi-lo e suborná-lo. Era evidente que o delegado já tinha um lado
nessa questão. E não era, de forma alguma, o lado do estourado Pitoco.
Ali os três jovens homens debateram longamente o que deveria ser feito
de imediato com Silva. O promotor era de opinião que o habeas corpus fosse revogado pelo juiz. Celso Teles insistia em
mostrar que isso seria quase uma sentença de morte para os netos e o próprio
juiz, não havia em Amarante contingente policial para colocar pelo menos um
guarda-costas para cada pessoa daquela família, em três turnos, 24 horas por
dia.
Argumentou, também, que já tinha armado um esquema de segurança para as
moças que acreditava ameaçadas – Gládis e Larissa. O delegado custou a
acreditar que se tivesse que montar uma guarda de segurança para uma moça
contra o seu próprio pai. Mas à medida que foi sendo informado das atrocidades
de Silva que o promotor conhecia, foi mudando de opinião, aquele Celso Teles
estava certo! E o delegado falou:
– Muito bem, meu camarada. Ainda bem que temos você por aqui e você tem
seus homens armados e treinados. Todos esses têm porte de arma?
– Positivo, delegado. São os meus seguranças da loja e os da obra, que
também são operários lá. E tenho um especialista, o Nicanor, meu mestre de
obras, que já foi um lutador profissional no Nordeste. E também eu, embora não
ande armado, não só tenho porte de arma, como fui instrutor de tiro nos Estados
Unidos, em Miami, por quase dois anos. De tiro e de luta, outra hora lhe conto
tudo isso direitinho. Mas agora temos que acertar nossos ponteiros, definir
nossa estratégia comum.
– Muito bem, então o homem fica livre por enquanto e você, Celso, fica
encarregado de dar proteção às moças. O juiz fica livre de ameaças por enquanto
e eu posso me dedicar a tomar pé de todas as outras coisas que vão ser exigidas
de mim em Amarante.
– Bueno, e eu vou tratar de ir preparando a acusação contra esse maula desse Silva, espero que a gente
possa botar o bandido em julgamento mui pronto. Qualquer coisa que precisarem,
preguem o berro, que eu largo o que for e venho ajudar.
Celso voltou para a empresa e acompanhou as atividades normais até o fim
do expediente. Então tratou de coordenar a “operação
apart-hotel”, como a designou. Nicanor e seus homens deixaram a obra e
foram para o hotel de Sonia Assad. Celso foi junto e reservou dois quartos para
eles. Repassou todas as instruções com os homens e esperou que chegassem as
moças.
Carmen de Rios, Gládis e Larissa vieram juntas no carro das
espanholitas. Jeniffer e Paula, cada uma no seu próprio carro. Então ele fez
com que todas as mulheres fossem para o apartamento de Paula e se acomodassem
para dormir ali, levando seus próprios colchões, travesseiros e cobertas.
Gládis estava mais silenciosa que o habitual, mas concordando com tudo o
que Celso dizia. Jurou de pés juntos para ele que, se os bandidos aparecessem
de fato essa noite ou madrugada, como ela afirmara, ela não se meteria na
encrenca, deixando que os homens da segurança, profissionais e armados,
agissem. Então Celso se despediu delas, dizendo que ia repassar as instruções com
os homens e desceu pela escada.
O apartamento visado seria o
delas, Gládis e Carmen, segundo garantia a espanholita. E, se Gládis De
Rios afirmava algo, melhor levar esse algo muito a sério, Celso já havia
aprendido essa lição há muito tempo.
Havia dois quartos no apartamento. Na cama de Gládis, Celso instalou
Nicanor, tão grande e comprido que mal cabia nela. Na outra ficou o guarda
Anselmo, da portaria da loja, exímio atirador. Na cozinha escondeu-se um
terceiro homem, um operário-guarda da obra, o simpático e falante Roberto Luz.
Os outros dois homens de que dispunha, igualmente seguranças treinados, Celso
deixou-os de sentinela, um no jardim do hotel, outro em cima do
telhado. Se os homens esperados
entrassem no prédio, eles assumiriam os corredores de acesso ao apartamento das
espanholas e de acesso ao apartamento de Paula, no andar superior.
Com todos os papeis definidos e a estratégia bem confirmada, Celso se
despediu dos homens e saiu com seu carro. Disse que ia para casa descansar, o
dia tinha sido muito estafante para ele.
Tudo transcorreu de forma tranquila e sem qualquer ruído suspeito até
por volta de duas e meia da madrugada. Então o sentinela do telhado bipou para
o aparelho de Nicanor, despertando-o:
– Carro suspeito no pedaço, chefe. Toyota Hylux. Três caras dentro.
Deram uma volta bem devagar no quarteirão, devem ser eles.
– Ótimo, estamos na espera. E o Dalmo?
– Já viu o carro também, já me bipou. Está escondido no jardim, conforme
combinado.
– Bom. Ele só entra depois que os caras entrarem. Vocês tiveram o
cuidado de conferir se não ficou nenhum dos Assad de plantão na portaria?
– Conferido, chefe. Eles estão bem instruídos também, ficaram na
cobertura deles dormindo quietinhos, não correm risco. E deixaram o caminho
livre pros caras entrarem.
Doze minutos depois novo bip para Nicanor:
– Deixaram o carro a uns cem metros daqui, estão vindo a pé, bem
devagar. O Dalmo já está vendo eles também. Estão chegando. Um deles vai
entrar, os outros estão aguardando. Pô, eles se esconderam a menos de dez
passos do Dalmo, é hilário isso. Ah, bem que o Dalmo podia levantar e passar
fogo nesses dois agora. Aí o outro ia sair correndo e a gente queimava ele
também.
– Tá, tá bom – falou Nicanor – mas não é nada disso que a gente vai
fazer. Fica firme aí na sua posição, depois desce para o corredor das moças.
Mais uns poucos minutos e novo bip vindo do observador do telhado:
– Os dois do jardim começaram a se movimentar, vão entrar também, o
primeiro cara deve ter sinalizado que a barra está limpa. Isso quer dizer...
– Quer dizer que estão vindo direto pra cá, pra boca do lobo. O que
confirma nossa suspeita: eles mandaram alguém da cidade antes por aqui, pra
descobrir o apartamento da Gládis. Alguma pessoa aqui do hotel deu com língua
nos dentes, provavelmente sem se dar conta, talvez por telefone mesmo. O chefe
disse que vai averiguar isso amanhã.
Os três homens dentro do apartamento ficaram em atenção máxima.
Instantes depois ouviram barulho de chave na porta. Os caras tinha chave
mestra, sabiam arrombar!
Nicanor e Anselmo colocaram as perucas pretas e deitaram cada qual em
sua cama, no respectivo quarto, cobrindo-se totalmente com os cobertores,
apesar do calor que fazia.
No quarto de Carmen-Anselmo, entrou só um homem, na quase escuridão dava
para ver o brilho de sua arma na mão. Anselmo já estava com a dele engatilhada,
embaixo do cobertor. Era evidente que esse bandido era secundário, devia tratar
de silenciar Carmen de Rios, quando esta acordasse. Possivelmente tapando-lhe a
boca ou dando-lhe uma bofetada ou coronhada.
No quarto de Gládis entraram os dois estupradores. O ator principal, com
direito à primeira estocada e gozo, era Ramiro Toco. O outro era um cara muito
maior e mais forte. Era o encarregado de segurar a morena pelas pernas,
enquanto Ramiro fazia o serviço nela pela frente. Depois ele ainda ia virar a
gata de costas e seguir aproveitando. Então deixava a morena mais morta que
viva, esguelhando o pescoço dela e o outro parceiro entrava, batia sua manteiga
e gozava também. No fim, cabia a ele o trabalho principal, quebrar o pescoço da
mulher, garantindo sua morte instantânea.
Nicanor sentia a respiração tensa dos dois homens no escuro, um à altura
de sua cabeça, o outro de seus pés. Subitamente os dois se lançaram sobre a
mulher adormecida. O homem grande segurava os pés e as pernas, o homem menor
tampou a boca da morena gostosa com a mão, evitando que ela gritasse. A outra
mão, levou-a ao pescoço da moça, para começar o estrangulamento, impedindo sua
reação. Assim poderia liberar em seguida a mão da boca da gata, para abrir o
zíper e libertar seu cacete, que já estava doendo de tão duro. Aí era só rasgar
a calcinha e dela e pimba! Mas estranhou que o pescoço da moça fosse tão grosso
que sua mão não conseguia apertá-lo por inteiro.
No segundo seguinte alguma coisa
incompreensível surgiu de baixo do cobertor e acertou Ramiro Toco no queixo. O
barulho de osso quebrando foi impressionante e o Toco sentiu que todo o seu
corpo foi arrancado do chão e arremessado para cima, indo se arrebentar de
cabeça contra a parede. Rolou no chão fora de combate, totalmente inconsciente.
O grandalhão que segurava as pernas da gata custou a entender o que se
passava, sempre tivera o raciocino lento. Mas percebeu que da cama agora se
erguia uma criatura enorme, com um salto único e impressionante. No segundo
seguinte, um verdadeiro coice de mula atingiu sua cabeça em cheio. O homem
grande tombou de lado, as pernas e os braços tremendo sem parar, em plena
convulsão.
Com a vista turva pôde ver que a criatura que acendeu a luz era ainda
maior do que ele. Um mulato enorme, um verdadeiro gigante, com cada mão que
parecia uma panela. Na cabeceira da cama, Ramiro Toco jazia desacordado. Devia
ter levado o primeiro panelaço do crioulo. Aquela era a morena gostosa que eles
iam comer e matar?!
Pô, o cara de peruca era um travesti enorme, isso
sim! Por isso é que tinha conseguido dar uma surra no chefe de Ramiro Toco. Mas
era horroroso, como é que tinham falado tanto pra eles que iam comer uma morena
linda como artista de cinema. Puta traição de Ramiro Toco, tinham sido
engabelados pelo maldito. Ah, mais isso não ia ficar assim, não!
Mas o pior é que ele não conseguia parar de tremelicar braços e pernas,
parecia que estava com um ataque de maleita. Lá do alto, das nuvens, o travesti
mulato, com uma ridícula peruca preta comprida, olhava para ele com cara de
assassino. Será que ia bater nele de novo? Sentiu um enorme alívio quando viu o
homem se abaixar e tirar uma coisa de baixo da cama. Era uma corda enorme, com
a qual o travesti amarrou suas pernas e braços. E prendeu-as contra o tronco,
só assim elas pararam de tremer tanto.
Então o travesti, a tal morena gostosa horrorosa, rebentou aquela corda
grossa como se fosse um barbantezinho qualquer, com um puxão entre as duas
panelas, que tinham dedos como se fossem mãos humanas. E usou o resto da corda
para amarrar Ramiro Toco. E só aí ele conseguiu ver que o Toco estava com o
osso do rosto afundado, o maxilar deslocado e a boca toda arrebentada,
sangrando.
Fim de linha. Tinha vindo do Paraná para estuprar uma morena gostosa e
matá-la no fim, ganhando para isso uma grana preta. Que podia haver de mais
fantástico para um homem fazer? Mas a verdade é que ele estava acabado agora.
Ou o travesti maluco o entregava para a polícia – tomara que fosse isso! – ou ia se servir dele, encher de porrada, quebrar
a cara e a boca. E se o veadão fosse daqueles que também gostam de comer cu? A
maioria deles gosta de dar e de comer.
Tremeu na base, será que ia ter que experimentar do seu próprio remédio?
Com aquele crioulo doido não ia ser mole não, a considerar pelo tamanho das
patas de cima, imagine só o tamanho da tranca do sujeito! Tava fudido! E pior
que mal pago, muito mal pago. Ia receber uma pequena fortuna por matar a mulher.
E ainda lhe prometeram que ia se espojar o quanto quisesse com uma artista de
cinema. Pois sim, agora estava em vias de ser enrabado por um travesti louco! E
não ia receber sequer um tostão furado. Como desejava agora que entrasse a
polícia por aquela porta e salvasse o seu pobre rabo!
No quarto ao lado, o outro pistoleiro ouviu os barulhos no quarto da
gostosa. Disseram que ela era forte, devia estar resistindo e lutando. Ou vai
ver que era daquelas mulheres tão quentes que gozam feito loucas durante o
estupro, fazendo o maior fuzuê.
Mas o que impressionava mesmo era o sono pesado daquela outra gata ali.
Com todo aquele barulhão, nada dela acordar. E ele tinha que ficar firme ali no
posto, não podia fazer nada com essa, que devia ser linda e gostosa também.
Tinha que ficar esperando que ela acordasse e botá-la fora de combate com uma
porrada bem dada na cabeça. Enquanto isso, aqueles dois desgraçados lá, se
divertindo na maior, currando a morena gostosa. Diacho, porque ele não partia
pra cima daquela dorminhoca também?
Então guardou a arma no bolso, arriou as próprias calças e esperou que o
bastão se levantasse. Aí partiu para o clássico fecha-boca–aperta-pescoço. Só
que sentiu uma coisa fria encostando na sua barriga. E um clique que era muito
seu conhecido. Aquilo era uma arma engatilhada na barriga dele! A mulher estava
fingindo que dormia, a maldita, era dessas de faca na bota, que dormia com uma
arma na cama! Puta azar que ele tinha dado! E a mulher tinha um vozeirão grosso
também, que disse:
– Se fudeu, palhaço! Levanta!
Uma luz foi acesa e ele viu um outro homem de pé, perto da porta aberta,
segurando uma arma também, apontada bem para o peito dele.
A mulher levantou da cama e... e era um homem!
E esse homem foi logo metendo a mão no bolso dele e pegando a arma que
ele tinha guardado. Então todos ali no quarto ouviram um barulho estranho, de coisa sendo
arrastada pelo chão. Pela porta viram um mulato gigantesco, que passava pela
sala arrastando dois enormes fardos de alguma coisa, embrulhados em cordas
grossas. O bandido, sob a mira dos outros dois homens, reconheceu num dos
fardos a cabeça toda estropiada de Ramiro Toco. O outro só podia ser o seu
parceiro de Ponta Grossa, então!
Puta que pariu, tinham caído numa armadilha! Em vez de mulheres, homens
estavam esperando por eles. E homens armados, policiais provavelmente. Desta
vez não ia ser fácil escapar, estavam sendo presos em flagrante, em terra
estranha. Se o patrão do Ramiro Toco não fosse tudo aquilo que ele tinha
alardeado, contando vantagem que o homem era o dono da cidade, que fazia e
acontecia... se fosse mentira, armação, então eles iam pegar uma cana lascada,
bem longa.
Os seus comparsas estavam fora de combate, bem amarrados. Mas ele estava
só imobilizado por homens armados, estava ainda calmo, precisava achar um jeito
de fugir. Tinha as chaves do carro com ele e uma segunda arma, a pequena
pistola que ficava presa à perna. O negócio era ficar bem quieto, fazer que
colaborava com os homens da polícia até aparecer uma chance, quem sabe não dava
sorte.
E a chance apareceu mais rápida do que um raio. Duas mulheres lindas
entraram de repente na sala, vindas de fora do apartamento. O gigante dos
fardos reclamou:
– Dona Gládis! Dona Larissa! O chefe não falou pra vocês não saírem do apartamento
lá de cima?!
– Falou, Nicanor, mas tenha a santa paciência, eu ouvi a barulheira e
depois silêncio, era evidente que vocês tinham resolvido a parada, então eu vim ver.
– Curiosidade feminina – falou a loirinha, que mais parecia um anjo de
tão bonita.
– Fofinha – disse a morena, com
jeito de surpresa, também ela um puta tesão de mulher – eu não disse pra você
não me seguir?!
– Ah, se você veio, eu achei que podia vir também.
O bandido percebeu que os homens
que o cobriam com as armas tinham se desconcentrado, apatetados que estavam
comendo aquela duas gatas com os olhos. Era a sua única chance, tudo ou nada.
Agiu rápido. De um salto pulou para trás da loirinha e a prendeu numa
gravata. Com uma velocidade incrível conseguiu tirar a outra arma do pequeno
coldre na perna e levou-a à cabeça daquela deusa. A menina começou a gritar
baixo, depois a chorar, com carinha de pavor. Ótimo! Ia servir como escudo e
como passaporte para a sua fuga. Levava a loirinha embora na Hylux, se livrava
dos perseguidores, depois comia a loirinha na marra até enjoar. E soltava a
criaturinha pela estrada, que ele não era homem de matar mulher de jeito
nenhum, ainda mais matar uma deusa. Sacrilégio!
Agora ele estava por cima. Ele dava as cartas. Foi saindo do apê com a
loirinha firme na gravata, a arma na cabecinha dela. Ela tremendo e chorando,
dava um tesão nos bagos! Os homens armados obedeceram sua ordem de não sair do
apartamento. Mais dois outros, também armados, apareceram no corredor.
Caramba,
eram cinco caras, que puta arapuca que tinham armado ali. Mas ele não era
moleza não, não ia ficar ali nas mãos dos sujeitos, ia fugir levando um prêmio de
consolação para desfrutar com calma no caminho. Da entrada do edifício gritou para os
homens todos:
CONTINUA
Nenhum comentário:
Postar um comentário