sábado, 2 de janeiro de 2016

LUA  OCULTA – 39   
MILTON MACIEL  

39 – COM JUROS E CORREÇÃO  
Fim do cap. 38: "– Puxa, do jeito que você falou, até fiquei com receio que você...
– Eu não vou bater nele, mas outra pessoa vai, Fofinha.
– Outra pessoa? Nossa, quem?
– Você, Dona Larissa Silva. Você!" 

– Eu??!! Mas isso é impossível, é loucura, eu nunca ia conseguir agredir uma pessoa, mesmo que seja esse nojento...

– Ah, não? Pois não foi o que eu vi agora. Quando você soltou aquele berro, minha cara, se o velho Schlikmann estivesse de fato na sua frente, você, com toda a raiva que estava liberando, teria trucidado o maldito. Matava.

– Será? Mas justo eu?...

Ora, Fofinha, pare de se diminuir. Você já fez isso, esqueceu? E com o seu próprio pai, aquele filho da puta, que você unhou num ataque de fúria. Foi ou não foi?

– Nossa, Gládis, foi mesmo. Eu fiquei tão louca que perdi todo o medo que eu sempre tive dele, minha vida inteira, só sentia raiva, uma raiva que parecia maior do que eu.

– E você acha que você não tem uma raiva assim tão grande acumulada aí dentro, raiva daquele nazista nojento, que seviciou você durante todo aquele tempo?

– Ai, Gládis, eu não sei o que dizer, mas, a julgar pelo que eu senti, quando soltei aquele grito horrível, acho que tenho sim.

– Claro que tem, menina. E é com ela que eu estou contando, para você fazer sua expedição punitiva à casa, ao escritório de um certo velho asqueroso.

– Ai, não, que horror, Gládis, eu entrar de novo naquele escritório! Acho que eu desmaio...

– Desmaia, nada garota. Entra no maior entusiasmo. Agora, quem desmaia é o maldito, pode contar que isso é certo.

– Desmaia?

– Claro, menina. Essa é a parte final da ação corretiva, da correção que você tem que fazer.

– Mas você está propondo que eu pratique uma violência assim tão grande contra um homem idoso, que já tem 75 anos agora?

– E que enrabou você na marra, contra a sua vontade, fazendo você sofrer por mais de 50 semanas, quando você tinha só 12 anos!  Pode crer, 75 por 12 é uma boa troca, um bom placar, mais do que justo.

– Mas, Gládis, você está falando sério, então? No duro?

– No duro não sei se vai ser, o cara já está com 75. Mas, se não der, vai no mole mesmo.

– Como? Não entendi...

– É piada, bobinha. Mas vamos voltar a treinar os movimentos, depois eu conto pra você o que eu planejei pra esse velho asqueroso. O plano inteiro. Assim que você se sentir segura com o treinamento, que nós vamos repetir agora todos os dias, você não vai ter mais medo dele, nem de aplicar o corretivo que ele merece. Vai com 11 anos de atraso, mas vai com juros e, como eu disse, com correção. Juros e correção. Uma beleza!

Ai, Gládis, será que eu vou ter coragem?...

– Pois pode deixar que eu garanto que vai. Vai ter, sim. E acredite, você vai lavar a alma, vai botar pra fora toda essa mágoa horrorosa, que está prejudicando sua vida afetiva.

– Minha vida afetiva? Mas como? O que isso tem a ver...

Fofinha, eu não sei explicar, isso é coisa pra Maria Amália. Eu só sei que sei. Sua vida afetiva está travada nessa experiência de abuso. E por isso você não vive o amor que sente por...

– Que amor, Gládis? Não tô entendendo...

– Como eu já disse, deixe isso pra Maria Amália. Vamos aproveitar, ainda podemos praticar mais 10 minutos. Depois sanduiche e trabalho. Vamos lá, mexa-se, sua molenga.

E, enquanto Larissa redobrava seus esforços, mostrando-se já mais à vontade com o treinamento, Gládis dizia para si mesma:

Calma lá, dona De Rios, olha a precipitação! Não me assuste essa gazelinha. Calma, calma... Espere que ela mesma descubra tudo. É a coisa mais certa a fazer.

Com juros e correção
Apenas dois dias depois desse diálogo, uma Larissa muito mudada, muito diferente, muito segura de si, telefonou diretamente para Adolfo Schlikmann:

– Alô. Seu Adolfo? É Larissa Silva. Preciso falar com o senhor sobre o meu casamento com o Leonzinho. Quero estabelecer as minhas condições. Quando o senhor pode me receber em particular, no seu escritório?

O velho Schlikmann levou um susto primeiro. Ficou muito entusiasmado depois. Então aquela moça cabeçuda, que tinha apanhado do pai e tinha reagido à agressão, causando um monte de problemas, tinha caído em si, afinal. Nada como uns bons cascudos para botar juízo na cabeça dos jovens. Então agora, enfim, ela estava disposta a casar com Leon. Ótima notícia, estava mais do que na hora de garantir o futuro da dinastia Schlikmann, o patrimônio e o dinheiro de que ele ainda dispunha não iam mais muito longe. Só assim para aquele playboyzinho inútil do seu filho garantir vida mansa para si mesmo e, com certeza, para seu pai e mãe envelhecidos. Dinheiro é o que não faltava àquele miserável sovina, o pai de Larissa. Ele tinha se complicado todo, tentando matar uma mulher na firma de automóveis, mas já estava na boa. Afinal, em sã consciência, quem podia com Valdemar Silva em Amarante? Ninguém, é claro. Muito menos polícia ou justiça. Ali, naquele feudo, o baixote era a lei e fim de conversa!

Mas o que deixou Adolfo Schlikmann particularmente feliz foi o fato de que, tendo que casar com a milionária Larissa Silva, ele podia finalmente criar juízo também. Aliás, milionária, linda e gostosíssima! Ah, que saudade ele tinha dos bons tempos em que se fartara longamente naquelas carnes macias e jovens, quantas e quantas vezes tinha gozado dentro daquele rabinho apertado, o Paraíso!

Mas a inesperada chamada de Larissa encheu-o de esperanças. Agora o filho ia ter que parar de vez com as galinhagens. Era uma bobagem, só até o casamento, o que podia ser acelerado agora ao máximo, antes que a moça desistisse de novo porque Leon estava galinhando mais uma vez. Caramba, o que custava se segurar por um tempinho, quando tanto dinheiro estava em jogo? Depois, como marido, ele tinha o direito de galinhar o quanto quisesse, já estaria casado e esposas sabem que marido macho nenhum é fiel. E nem exigem isso, são realistas, preferem sua confortável situação de mulheres respeitáveis na sociedade, com vida mansa, ao risco de virarem divorciadas, mal faladas na boca do povo, com fama de fáceis e vagabundas, sem posição e sem dinheiro.

O alívio que a notícia lhe trazia tinha a ver com certos rumores que lhe haviam chegado aos ouvidos: Seu filho Leon, o único herdeiro do respeitadíssimo sobrenome Schlikmann, um ariano puro, descendente direto dos alemães fundadores daquela cidade, andava aparecendo em diversos lugares com uma negra! Todo derretido, diziam, por uma negra imunda. E, para piorar, não era qualquer negra, mas aquela preta nojenta que o havia humilhado daquele jeito horroroso lá na firma de automóveis.

Só um completo imbecil com aquele seu filho para sujar assim o nome da família, se envolver com uma negra fedorenta e toda metida a sebo, que tinha destratado seu próprio pai. Que tempos, Senhor, que tempos! Essa juventude está perdida, totalmente perdida!

Mas agora tudo ia voltar aos eixos. Ele tinha que aceitar o casamento com Larissa, não ia ser louco de perder a chance de garantir para si o patrimônio do macaco caminhoneiro. Ele que ousasse! O pai não teria a menor dúvida de enquadrá-lo como antes, descer-lhe o cacete, pois seria mais do que merecido. Aliás, só por andar por aí com aquele tição retinto, ele já merecia uns bons tapas na cara, para criar vergonha. Tão logo atendesse Larissa, chamaria o desmiolado às falas e o enquadraria como tinha que ser.

Adolfo Schlikmann marcou para receber Larissa Silva naquela mesma tarde. E o que ela havia dito, ao encerrar a conversa ao telefone, o tinha deixado absolutamente em cima dos cascos:

– Pode ser hoje mesmo, de tarde, às duas e meia, como sempre... Quer dizer, é... depois da minha sesta... como sempre.

– Hum, quinta feira, duas e meia... Até que dá uma lembrançazinha boa das coisas que a gente fazia aí no escritório...

– Como? Lembranças boas? Mas então você não...

– Ah, compreenda, eu era muito criança, não tinha ideia do que era melhor. Eu achava que estava apaixonada pelo Leon, que estava sendo infiel a ele por gostar de fazer aquilo tudo com o senhor, muito mais do que gostava com ele.

– E você gostava mais comigo, é?

– Muito mais. Muito mais gostoso. Ai, dá uma vontade...

– Então venha logo! Venha logo, vamos matar essa vontade hoje mesmo. Às duas e meia, como sempre.

– Duas e meia, como sempre. Delícia...

E desligou. O homem teve uma violenta ereção, como há muito tempo não tinha, ficou feliz demais não só com o que a menina lhe confessara, mas com a própria demonstração de potência insuspeitada. Pensou em correr para o banheiro do escritório e se desapertar na mão, mas considerou que isso poderia prejudicar a ereção de tarde, quando aquela bunda linda e branquinha estivesse exposta para ele, se oferecendo para o grande momento. Ah, como ia ser difícil se aguentar até lá!

Nem almoçou direito, disse que apenas queria comer vários ovos. Ovos de codorna, que fez a empregada ir buscar no mercado e cozinhar uma dúzia inteira para ele. Também não conseguiu dormir a sesta, levantou e foi logo para o escritório.

Enquanto esperava, ficou imaginando que devia convencer a futura nora a vir morar ali na casa dele. Era uma casa imensa, rica, finíssima e, melhor do que tudo, a garota estaria ali ao alcance dele, a qualquer momento. O Leon ia voltar a galinhar, ela ia ficar chateada, mas o sogro e amante estaria ali do lado para consolar a norinha rejeitada, para lhe dar o bem-bom, que ela curtia muito mais do que com o frouxo do marido.

Ah, que presente dos céus, que coisa maravilhosa para lhe acontecer no ocaso da vida, quando mal sentia tesão por alguma putinha nova, lá de vez em quando... De repente ninguém menos do que Miss Amarante, a mulher mais bonita do mundo, vinha lhe oferecer o rabinho outra vez, para ele voltar a se regalar como antes. Ah, mas que felicidade! Que felicidade!

Finalmente, às 14:30 em ponto, a tão esperada pancadinha tímida na porta do escritório. Adolfo Schlikmann levantou de um salto, o pau já duríssimo, para receber sua deliciosa visitante.

Larissa entrou com carinha tímida, olhou para tudo ao redor, viu que o grande espelho continuava no mesmo lugar. E foi se colocar na mesma posição de sempre, paralela ao espelho, pronta para se debruçar na mesa. Falou uma única palavra, com uma voz quente de gata no cio:

– Venha...
E levantou a saia, expondo a bunda magnífica, a tanguinha azulzinha, as coxas brancas e macias.

O velho não aguentava mais de tesão, tirou o pinto para fora e se aproximou, encostando na garota por trás.

Foi quando aquela dor desgraçada apareceu no pé dele! Deus do céu, o que era aquilo, o que tinha caído no seu pé? Que desgraça, ia atrapalhar a ereção, podia não conseguir outra depois. Olhou para o pé, dentro do chinelo francês finíssimo e notou uma mancha se formando, que parecia ser sangue. A dor era uma coisa horrível, não tinha como suportar. Mas ele não podia fazer fiasco, tinha que ser homem, aguentar sem gritar, ou a garota ia ficar decepcionada com seu macho.

Mas aí a menina, possivelmente para se virar rápido e ver o que tinha acontecido, acabou esbarrando nele com o cotovelo, batendo exatamente na altura do externo, o que o deixou com absoluta falta de ar, sem conseguir respirar. Que decepção, que fiasco. Justo na hora do bem-bom, era muito azar!

Aí não teve mais como disfarçar, de repente desabou para a frente, assumiu sua dor e seus setenta e cinco anos, passou a ser um velho que não conseguia respirar, que tinha o pé em petição de miséria, doendo lancinantemente. E que não conseguia enxergar no chão a maldita coisa que tinha caído sobre esse pé.

Mas aí veio algo ainda pior. A moça girou para trás dele, que estava meio abaixado, tentando pegar o pé com a mão direita, e pegou seu braço esquerdo. Ela levantou e girou o braço até que uma dor tão horrível como a que ele tinha no pé apareceu. E a dor piorou muito, muito, porque alguma coisa desencaixou no ombro e no cotovelo. Então alguma coisa bateu atrás do seu pescoço e ele desabou no chão. Mas o golpe tinha sido intencionalmente menos intenso, de forma a não tirar-lhe os sentidos. De forma que ele pudesse ouvir e entender o que era para entender:

– Seu maldito nojento, só um imbecil como você pra acreditar que eu queria coisa com você de novo, seu porco imundo! O que eu vim fazer foi só isto, trazer o seu castigo, atrasado de onze anos. Eu era só uma criança, seu monstro, seu chantagista desgraçado! O que eu fazia era meu direito, era o meu corpo, que eu dava pro Leonzinho com muito prazer. Mas para você eu era obrigada a dar sem querer, o que eu sentia sempre era só muito nojo, muito nojo, sua lesma odiosa.

Adolfo Schlikmann apenas gemia alto, mas como bom prussiano, rilhava os dentes e resistia à vontade de gritar de dor. E de gritar por socorro, porque o ódio que ele via nos olhos e ouvia nas palavras daquela mulher eram assustadores. O que ela iria ainda fazer com ele? Mas não podia gritar por socorro, seria o cúmulo da humilhação, as empregadas entrando ali e vendo que ele, da mesma forma que o baixote troglodita, tinha também apanhado de uma mulher. E justo de quem! Da filha do miserável!

Larissa se aproximou mais, colocou o pé sobre o seu saco, o pinto mole ainda esparramado para fora da calça de pijama. O homem se encolheu todo, esperando o pior. Mas a garota apenas manteve a pressão, mostrando que ele estava nas mãos, ou melhor, nos pés dela agora:

– Eu devia moer esse saco murcho, seu filho da puta. Mas confesso que já estou satisfeita. Não vou fazer mais nada com você. Exceto mostrar aquelas quatro fotografias para meu pai e para todo mundo, se você vier com alguma gracinha. Saiba que existe ainda aquela cartinha, que diz onde encontrar as fotos, se por acaso algum desgraçado mandar me silenciar para sempre. Passe muito mal, seu sujo asqueroso!

E, abrindo a porta, começou a gritar, com cara de apavorada:

– Socorro! Socorro! O Seu Adolfo tropeçou e caiu, acho que quebrou o braço. Socorro, ajudem!

Deu uma última olhada para o imundo saco de batas enrodilhado no chão. Viu nos olhos verdes e frios que ele tinha entendido a deixa. Que ela ainda tivera a consideração de lhe dar uma história furada para contar. Ao menos a honra estava salva, não estava irremediavelmente enlameada como a do macaco baixinho. Ele tivera um acidente, o outro apanhara vergonhosamente de uma mulher.

Pouco depois o Dr. Bernardo entrava escritório adentro, ajudava o homem a se levantar, examinava o braço esquerdo e o pé direito dele. De imediato injetou uma dose cavalar de anestésico na veia do alemão. Não pôde deixar de fazer duas constatações:

A primeira, é que o tipo de deslocamento nas articulações era exatamente o mesmo que ele encontrara em Valdemar Silva, produzido pela morena gostosa da Teles. Ali não era possível pensar em deslocamento por uma queda tão leve quanto a sofrida no próprio escritório, ao lado da grande mesa. Aquilo exigia muito mais força e com um momento aplicado de forma muito diferente. Perguntou às empregadas aflitas se, por acaso, uma certa morena alta e bonita não tinha estado ali com o patrão delas.

– Não, doutor. Quem estava aí com ele era a Larissa, a noiva do Leon. Ex-noiva. Ninguém mais. Foi ela que gritou por socorro.

Então o Doutor Bernardo leu nos olhos de Adolfo Schlikmann a verdade pura: a loirinha filha de Valdemar Silva tinha feito aquele estrago todo! Só podia ter sido ela. Mas por que? E como é que uma criaturinha tão frágil e assustadiça como aquela, de repente se tornava assim uma guerreira? Primeiro tinha se defendido agredindo o próprio pai, que ia conservar a marca das unhas dela por muito tempo na cara. E agora tinha feito com o braço do alemão a mesma coisa que a colega dela fizera com o de Valdemar.

Que tempo mais estranhos estes, quando as mulheres, de repente, perdem o medo dos homens e, mais incrível ainda, passam a bater neles de forma técnica, profissional, podia-se dizer!

A segunda coisa que chamava sua atenção era a diferença de como os dois homens reagiam à mesma quebradeira a que foram submetidos pelas mulheres. Valdemar Silva, todo metido a machão, berrava que nem velha carpideira. Já o alemão Schlikmann não soltava um grito, mordia os próprios lábios, rilhava os dentes, mas no máximo gemia. E isso que tinha o ferimento horrível no pé, que o outro não tivera. Esse, sim, era macho! O outro... francamente, uma frufruzinha.

Mas o que deixava o Doutor Bernardo mais entusiasmado era sua própria sorte. Que maravilha que ele fosse médico de família daqueles dois homens ricos e importantes. De Valdemar Silva já tinha arrancado uma soma maiúscula. Agora ia ser a vez de Adolfo Schlikmann, que além de pagar pelo socorro e tratamento, ia ter que pagar pelo sigilo profissional, pela concordância do médico que ia ajudá-lo a mentir para resguardar o cartaz do alemão na praça.

Agora, em vez de mandar consertar o Renault, ia simplesmente comprar um carro novo, zero quilômetro. A morena devastadora, a mulher maravilha da Teles, que o aguardasse. Nada mais justo do que comprar o automóvel na mão dela, retribuir sua grande gentileza, deixando que ela abiscoitasse uma polpuda comissão de vendas.

O médico levou Adolfo Schlikmann o para seu hospital, passou-o pelo raio-x, refez o curativo do pé, onde as unhas estavam completamente soltas e os dedos esmagados. Precisou caprichar muito na anestesia, para poder tratar aquelas feridas. O braço foi então imobilizado e o paciente levado de volta para casa, com instruções de evitar pisar com o pé machucado e manter o braço na imobilização por mais 20 dias no mínimo.

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