MILTON MACIEL
58 – BUENAS, TCHÊ. TE CASAS NESTE SÁBADO!
Fim do cap. 57: "Celso se despediu dos dois amigos, o antigo e o novo, e rumou para o lugar onde estava a luz que seus olhos estavam ansiando ver, depois de escutar a palavra Lissinha."
De longe viu Larissa no grande salão de
exposições, atendendo dois homens altos e muito bem vestidos. Era evidente que
os clientes já tinham feito sua opção de automóvel, entravam e saíam dele com
entusiasmo, conversavam entre si e pareciam crivar Larissa de perguntas. Pois Lissinha
demonstrava uma desenvoltura a toda prova, respondia com muita segurança e
conhecimento, exibia gráficos, fotos e tabelas.
Celso ficou olhando de longe, usou o expediente
que aprendera com a própria Larissa, postou-se atrás da larga coluna central e
ficou observando. Era um show de eficiência e técnica! Quem diria que sua
anjinha insegura e medrosa ia passar por tal metamorfose em tão pouco tempo!
Bem afirmara Fúlvio Rondelli, na primeira vez que conversaram sobre Larissa, lá
no bar do Bicalho, que sua afilhada iria surpreender todo mundo no daí em que
conseguisse, enfim, ser ela mesma. Pois agora ele estava vendo, à sua frente, a
verdadeira Larissa: uma vendedora de mão cheia, uma profissional segura de si,
que não precisava depender mais de sua beleza prodigiosa para mais nada.
Observando com mais cuidado, Celso pôde ver,
com enorme clareza, quem tinha sido a grande propulsora da transformação
profissional de Larissa: Lissinha se parecia demais em certos momentos, na
maneira de fazer o cliente caminhar em certa direção, na maneira de inserir
comentários espirituosos, até mesmo na forma de ela mesma se movimentar, com
Gládis De Rios. Que maravilha de resultado para um par mestra-discípula. Bendita
espanholita! Como sua anjinha loira não
iria evoluir e ficar segura de si, se até a dar porrada e a quebrar homens a
espanholita lhe ensinara!
Celso encheu bem seus olhos com a visão da
mulher mais bonita do mundo e saiu evitando ser percebido por ela, em direção a
seu escritório. Nem bem sentou e o
telefone tocou. Era Gládis:
– Boa demais, não é jefito? Não dá orgulho dela?
– O que? – gaguejou Celso, lutando para
entender as palavras da espanholita-filha.
– Eu também estava espiando nossa Fofinha, não era só você que estava
escondido, jefe.
– Ah, isso. Pois é, eu não quis atrapalhar a
venda dela.
– Você não quis foi deixar de ficar adorando
sua musa, jefito. E eu, de ficar adorando minha Fofinha. Não é lindo isso?
– É, espanholita amiga. E quanto disso eu não
devo a você, sua bruxinha do bem? Quando é que eu vou poder retribuir tanto bem
que você nos fez, me diga?
Gládis não respondeu. Apenas deu uma gargalhada
e desligou.
Celso ficou rememorando a performance de
Larissa, encantado e feliz. Mergulharia no trabalho pelo resto do dia e
esperaria as maravilhas, os deleites da noite de amor que viveria com ela.
Alternavam o ninho de amor: um dia na casa dele, outro dia no apartamento dela.
Larissa preferia assim.
Celso nem lhe perguntara a razão. Bastava que
ela quisesse isso, não havia o que argumentar. No fundo, ele sabia que aquele
apartamento significava tudo para ela, era o território sagrado de sua
independência, sua primeira grande conquista pessoal na vida. Era também o
ninho onde ela estava tão próxima de sua adorada Gládis, seu modelo de vida. E de
Carmen, Jennifer e Paula, com Gládis suas primeiras e únicas amigas na vida.
Isso tinha também um valor incalculável, era outra grande conquista de Larissa.
Era ali que ela tinha, enfim, encontrado o seu LAR. E não podia deixar de
incluir nas conquistas o famoso fusca laranja!
Celso sabia reconhecer isso tudo e não se
sentia no direito de mexer com uma estrutura que significava tanto para sua
anjinha loira. Amava-a demais para pensar egoisticamente em tê-la só para ele naquela
enorme e fria casa luxuosa, na qual vivera tantos meses de solidão em Amarante.
Também era certo que ele pretendia desposá-la
dentro dos velhos costumes, porque não havia razão para não fazer isso.
Contudo, Larissa jamais havia mencionado tal possibilidade. Ela parecia
completamente feliz com sua situação atual, tecnicamente de amante de seu
patrão, como Celso já ouvira mais de uma vez em comentários em surdina, tanto
no Bicalho, quanto na Academia. Chegou a comentar isso com Larissa, mas ela, ao
invés de se incomodar, tinha simplesmente caído na gargalhada:
– Nossa, que massa! Eu não tinha pensado nisso.
E saiu da
sala de Celso apressada, para comentar, em voz bem alta, com as amigas, que
estavam no salão naquela hora, inclusive com clientes presentes:
– Gente, gente, eu sou amante do patrão! Amante
do patrão! Que legal! Eu nem tinha me dado conta disso. Que massa!
E ria feliz da vida, como uma criança que
tivesse acabado de descobrir um segredo maravilhoso.
Os clientes arregalaram os olhos, as amigas
riram divertidas. Mais uma demonstração da pureza e da ingenuidade da Fofinha delas, como não iam gostar cada dia mais daquela menina?!
Naquele mesmo dia, Leon Schlikmann recebeu a ligação de Lucas
e ambos combinaram a estratégia a seguir: Leon levaria a Lucas todos os
documentos que encontrasse no escritório e no cofre que Adolfo tinha no Banco
do Brasil, cujo segredo estava agora com o filho. Então Lucas faria uma
avaliação completa e eles levariam tudo, devidamente registrado, para a reunião
com Celso e os outros.
Mas, na manhã seguinte, Leon recebeu em casa um
telefonema que o fez tremer na base:
– Alô, Leon Schlikmann? Buenas, aqui é o Doutor
Turíbio, o promotor, amigo do Celso Teles. Bueno, ele me pediu um favor e eu
fui falar pessoalmente com a Mara, a titular do cartório. Tu sabes, pedido do
Celso é uma ordem pra mim. Pois ele me disse que tu estás mui agoniado com a
liberação da papelada do teu casório no civil. Bueno, a Mara é mulher, ficou
toda derretida com a história, disse que tá torcendo feito louca pelo caso de
vocês dois e fez uma coisa que, se não é legal, também não tem nada de
antiético. Ela mudou retroativamente a data de entrada dos papeis, deu uma
maquiada nos proclamas, apressou tudo pro fim desta semana.
Leon quase caiu da cadeira:
– Não me diga, doutor! É bom demais pra ser
verdade! Puxa, nem sei como lhe agradecer. Quer dizer que eu posso marcar a
data do casamento já?
– Que podes marcar o que, guri! Já está marcada
pela própria Mara. Tu te enforcas no próximo sábado, às 10 da manhã, podes
escolher só o lugar, isso ela deixou contigo.
Leon deu um berro impressionante, de doer os
ouvidos do promotor:
– Uaaauu! Puta que pariu, doutor! Tô feito! Desculpe,
agora vou desligar, preciso sair, dar a notícia pra noiva. Vai ser o máximo!
Desligou e pensou em seguida: Depois volto pra
dar a notícia pra mãe do noivo. Vai ser
uma merda!
E foi embora, feliz, para a garagem. Só aí
lembrou que não tinha mais o Porsche. Ou ia a pé, ou pegava aquele suntuoso
Mercedes zero do pai, azulzinho clarinho, da cor escolhida pela mãe. Taí,
pensou, a causa é nobre, vou depressa nele e já aproveito, deixo esta joça pra
vender também na Teles.
Minutos depois Leon invadia, coração aos pulos,
o grande salão de exposição da Revendedora. De longe viu sua Rainha de Sabá.
Por sorte, as outras colegas estavam juntas. Celso, que vinha saindo de sua
sala, fez um sinal de positivo para Leon e falou de longe:
– Tou sabendo, o Turíbio me ligou agora mesmo.
E ficou quieto, esperando que Leon desse a
grande notícia. Foi o que ele fez, dirigindo-se a Jennifer, mas olhando para
todos os presentes:
–
Neste sábado, às dez da manhã!
E ficou quieto, fazendo suspense. Mas Gládis,
pegando tudo no ar, como sempre, furou o balão:
– A glória, Jenny! Vocês se casam neste sábado
de manhã!
Jennifer olhou aturdida para seu copo-de-leite
e viu que ele fazia que sim com a cabeça, um sorriso de orelha a orelha, os
olhos traduzindo sua emoção.
– Mas já? Como é que você conseguiu isso, meu
amor? E o prazo legal?
Leon apenas apontou para Celso Teles, que
sorria satisfeito.
– Quem é que faz todos os milagres em Amarante,
minha rainha? Perguntem pra ele.
Celso apressou-se em apontar o verdadeiro autor
do milagre:
– Gente, eu só dei uma ligadinha pro Doutor
Turíbio, o promotor. Ele é que fez o milagre.
– Oba! – falou Paula – Mais um padrinho
obrigatório pra esse casamento, então.
A partir daquele momento foi tudo uma festa só,
as moças todas abraçando Jennifer, que chorou pela primeira vez na frente de
todas elas. Olhava encantada para seu homem alvo como leite. Era verdade, não
estava sonhando! Aquele rapaz estava jogando tudo pro alto na vida dele, tudo
por causa dela. Era preto no branco mesmo com ele. Abraçou-o e beijou-o com
paixão, fez branco no preto pelo abraço e voltou a chorar, desta vez de pura
felicidade, como a Fofinha fazia
sempre.
E, claro, como ela estava fazendo naquele exato
momento, abraçada a Celso Teles.
Quando a poeira baixou, Leon pediu licença para
ficar um pouco a sós com sua Jenny. Todo mundo concordou, é claro, agora eles
tinham que acertar muitos detalhes. Saíram os dois a passear de mãos dadas pelo
amplo jardim frontal da Teles Automóveis. Paravam várias vezes para se beijar
apaixonadamente. Depois seguiam conversando animadamente. Num certo ponto, onde
havia um banco de jardim, Leon fez sinal para que sentassem. E entrou no
delicado assunto que reservara para aquele momento:
– Meu amor, no meio de toda esta felicidade, eu
tenho que colocar uma coisa que não é agradável. O papo com a minha mãe.
– É, eu já imagino a barra. Mas, claro, isso é
inevitável. Ela vai ser contra, não é?
– Com toda certeza. E vai me encher o saco pra
valer. Bem, pelo menos ela não é chiliquenta, nem chantagista. Ela só vai dizer
o que pensa, com a típica frieza germânica, de que ela é tão bem dotada como
aquele imbecil do meu pai.
– Isso é coisa deles, benzinho. Conheci aqui um
monte de alemães que são uns doces de criaturas. Muita gente gentil, carinhosa,
melosa mesmo. Acho que não existe isso de frieza germânica, só pessoas, seres
humanos, que são mais frios, por tantas razões diferentes. Mas eles podem ser
descendentes de alemães ou italianos, ou portugueses, como a maioria do pessoal
de Amarante. Ou podem ser de árabes, chineses, russos, qualquer coisa. Você não
lembra do Dieter Schmidt, o capitão do time do Bandeirantes, chorando como
criança pequena, quando o japonesinho amigo do Celso deu a ele o cheque de
premiação no torneio de futebol? E não lembra que as duas crianças dele, uns
pitoquinhos de menos de cinco anos, vieram correndo e se abraçaram ao pai,
chorando também, porque pensaram que o pai estava chorando de tristeza? Pois é,
são filhos de um Schmidt, com uma Elwanger, tudo alemoncinho purras.
– É, amor, você tem razão.
Como sempre. Aliás, esse é o
melhor negócio que eu vou fazer com este casamento. Você entra com essa sua
enorme cabeça, sua cultura, seu enorme bom senso.
– E com esta minha bunda enorme, não é?
– Ela não é enorme, Jenny. Ela é perfeita!
– Mas a sua bondade e a sua cabeça são ainda
maiores do que a sua beleza, bunda incluída. Bem diz o velho ditado que “quem
vê cara – ou bunda – não vê coração”. Eu, graças a Deus, pela primeira vez na
minha vida de playboyzinho comedor, consegui ver além da beleza em uma mulher.
E foi por isso tudo que vi além, que eu me apaixonei, a esta altura você já
sabe isso muito bem.
– Fofo. Você também é um amor, muito além dessa
carinha linda, linda, que a mulherada adora e que ainda vai me matar de ciúmes.
Ficaram um longo tempo em silêncio, olhando-se
nos olhos, de mãos dadas, sorvendo cada instante como se fossem verdadeiros
goles de felicidade. Ah, como era bom amar e ser amado, sentiam! Mas, depois de
algum tempo, Leon voltou ao assunto principal:
– Bom, agora eu tenho que ir, tenho que
enfrentar a fera. Dona Marion vai espumar.
– Você quer que vá junto amor? Estou pronta para
enfrentar qualquer coisa ao seu lado. Posso pedir licença a Carmen e...
– Não, meu bem, não precisa. Não há porque
submeter você a mais essa tortura gratuitamente. A mãe é minha, o problema é
meu, eu vou e resolvo.
– Mas todo e qualquer problema seu, meu
querido, é problema meu também. Tem certeza que não quer que eu vá?
– Não, não precisa, amor. Fique tranquila aqui,
no seu trabalho, com suas amigas. Não vai faltar ocasião para encherem o seu
saco nesta cidade, por causa da sua audácia de casar com um copo-de-leite
Schlikmann. Mas agora vamos poupar você desta. Tchau, estou indo, não vou
beijar, nem me virar pra olhar você, senão eu não consigo sair daqui nunca. Fui!
Jennifer, com um olhar de encanto, ficou
olhando seu meninão se afastar. Céus, como ele estava crescendo aos olhos dela!
Se continuasse assim, além do um metro e oitenta e cinco que já tinha, ia virar
um gigante de dez metros. Tinha mandado vender os dois automóveis, tinha
colocado toda a gestão do patrimônio da família nas mãos de Celso Teles, Lucas
e Rondelli, agora só vivia falando que queria descobrir a sua vocação, queria
trabalhar com alguma coisa, qualquer coisa, por mais simples que fosse, que o
fizesse se sentir digno. O mais tocante é que ele insistia em dizer sempre: “Me
sentir digno de você, que abriu seu
caminho na vida com a força do seu trabalho”.
Era um outro homem aquele que estava surgindo
agora, emergindo da pele alva e da história insossa do playboyzinho. Por esse
novo homem ela podia correr todos os riscos, todas as rejeições, afrontas,
injúrias raciais, crimes de preconceito. Por esse ela podia estar apaixonada,
porque esse, sim, merecia!
CONTINUA