ALLINE DE TROYES - 4a. Parte - A Batalha da Floresta
MILTON MACIEL
Fim da 3ª. parte
O general
entregou os pontos: Chegava para ele. Desistia! A gaulesa que fizesse o que
quisesse, da maneira que quisesse, quando quisesse. Desde que se mantivesse
aliada dos romanos. E que aliada!
Caius Marcellus,
mais pragmático, já havia chegado antes dele à mesma conclusão. Tanto que
passou a chamar a moça gaulesa de “General de Troyes”. Por deus Marte: A
criaturinha tinha só 17 anos, era delgada e franzina! Se a vissem com roupas
femininas, imaginava, teria uma aparência tão frágil que talvez pensassem que
ela iria quebrar. Pois sim, como as aparências enganam! De onde retirava aquela
moça tanta força moral? E força física?
4ª. parte
O combate foi
mais árduo do que esperavam os romanos. Os alamanos eram grandes guerreiros.
Mas a superioridade romana era de quatro para um, de modo que, depois da
primeira hora de batalha, já era evidente a próxima aniquilação de todos os
germânicos. Convencidos disso, e sem um general para decidir por eles, os
homens mais à retaguarda optaram por uma retirada, aproveitando que ainda
tinham acesso mais ou menos livre à estrada. Esse grupo, de cerca de seiscentos
cavaleiros, vez meia-volta e disparou a galope rumo ao sul.
O general
Flavius Jovinus gritou:
– Atrás deles!
Não deixem que escapem!
– NÃO!!! – o
grito ainda mais alto e estridente havia sido dado por uma figura delgada, que
acabara de saltar de uma árvore, bem à frente do general romano.
Oh, não, ELA de novo!!!
– pensou o general, com desespero. Outra vez me contestando! Será que isso
nunca vai ter fim?
Caius Marcellus,
que já ia partir no encalço dos alamanos em fuga, deteve bruscamente seu cavalo
e fez sinal para que seus homens parassem também. E perguntou para a gaulesa:
– Por que não,
General de Troyes? Espero que tenha uma boa explicação.
– Senhor general,
senhor centurião, por favor, me escutem. Esse alamanos são homens muito bravos,
corajosos, jamais fugiriam a um combate mortal. Eles prefeririam se deixar
matar até o último homem, a fugir vergonhosamente.
– Mas eles
fugiram vergonhosamente – grunhiu o general.
– Não, senhor.
Eles esperam com isso atrair seu exército mais para o sul. Com isso pretendem
deixar mais tempo para que os outros alamanos, que vêm pela floresta ao norte,
atinjam o local onde estava o acampamento romano há pouco. Então seus generais
terão tempo de reprogramar suas ações. É fundamental que nós voltemos para o
norte agora, neste instante, com toda a velocidade possível. Precisamos
encontrar os alamanos antes que eles desemboquem no acampamento e tenham tempo
de se reorganizar taticamente.
– Caramba,
general, a moça tem razão mais uma vez!
– Sim,
Marcellus, sou obrigado a reconhecer, mais uma vez ela fez a coisa certa!... Er... Obrigado,
moça. Mais uma vez. Vamos homens, acomodem os feridos que podem ser transportados. Um
pequeno grupo de socorro fique aqui com os que não podem ser. Depois mandaremos
ajuda. E agora cavalgar para o norte, à toda!
Marcellus, em
pé, segurou as rédeas do cavalo de Alline para que ela montasse. Depois montou
também e saíram os dois lado a lado, na retaguarda do contingente romano.
Chegaram a tempo
no acampamento. Desmontaram e o general desta vez já sabia como proceder. A
primeira coisa que fez foi ordenar silêncio completo e pedir que Alline
escutasse o chão, para saber algo sobre o avanço dos alamanos por dentro da
floresta. Depois de diversas tomadas de posição, a gaulesa falou:
– São três
grupos, de fato, conforme o plano original. Mas eles estão defasados uns dos
outros. Como esperam encontrar os romanos aqui, já em combate com os alamanos
que viriam do sul, não lhes importa chegarem todos juntos. À medida que
cheguem, vão se somando aos outros no combate. No fim acreditam que vencerão,
porque os romanos estarão imprensados entre quatro linhas germânicas.
– E o que você... Ahnn... sugere que façamos ?
– General, o
grupo que vem do leste é o que está mais próximo. Será o primeiro a chegar.
Pelo que ouvi, eles dividiram seu exército em quatro grupos de dois mil homens.
Nós somos quase dez mil. Então é importante colocar metade do nosso efetivo
disposta para dar uma bela surpresa aos alamanos que virão daquele lado.
E apontou a
direção certa, o leste, com o gládio. O general e seus oficiais começaram a confabular,
para decidir o melhor jeito de dispor o exército. Mas outra vez Alline disse
algo que mudou todos os planos dos romanos:
– Senhores,
perdão se me intrometo. Mas pensem bem: os alamanos esperam que, ao chegar,
encontrarão os romanos em acirrado combate com a divisão deles que veio do sul.
Pois devemos dar esse prazer a eles: combatam, só que romanos contra romanos.
– Sim, General
de Troyes, já entendi onde quer chegar: fingimos um combate, romanos contra
romanos!
– Isso mesmo,
centurião Marcellus. Uma metade cruza gládios e escudos contra a outra, fazendo
o maior alarido possível, assim que percebermos a chegada dos alamanos do
leste. Ainda é madrugada cerrada, quase não há luz. Disponham os homens em
forma de um C aberto para o leste. Eles vão chegar e correr para a linha de
combate, de qualquer maneira, sem organização. E isso os deixará totalmente em suas
mãos. Quando estiverem dentro do C é que vão se dar conta que não há outros
alamanos combatendo, que são todos romanos. E aí será tarde demais para eles.
O general apenas
emitiu um lento assobio. Que ideia fantástica! De onde aquela mulherzinha fora
buscar aquilo? Que cabeça! Olhou para os oficiais e só os viu fazendo que sim
com a cabeça e comentando, entusiasmados, a sugestão da gaulesa. Bem, não havia
outra coisa a fazer: Devia tornar suas as ordens do General de Troyes.
E, nas três
horas que se seguiram até o nascer do sol, um a um os grupos de alamanos que
desembocaram da floresta sobre a região do acampamento romano foram sendo
recebidos e combatidos.
O grupo que veio
do leste, o primeiro, ao ver que havia, como esperavam, uma tremenda luta à sua
frente e que os romanos combatiam de costas para eles, avançaram à toda
velocidade, desordenadamente, para apanhá-los e espremê-los entre os dois grupos de alamanos. E
logo chegariam também os dois grupos restantes.
Mas, quando
estavam a menos de trinta metros dos romanos, estes, inesperadamente,
jogaram-se ao chão. Então surgiram os homens que estavam ocultos por eles: não
eram alamanos, mas três fileiras sucessivas de arqueiros romanos, que
dispararam uma mortífera cortina de flechas, prostrando por terra a cavalaria
alamana. Imediatamente após isso, os arqueiros abriram passagem e a cavalaria
romana disparou contra a infantaria dos alamanos que avançava logo atrás de sua
cavalaria. Foi uma vitória romana arrasadora e rapidíssima.
A legião foi
redisposta para esperar as divisões alamanas restantes, que, na opinião do
General de Troyes, iriam chegar praticamente juntas, vindas do norte e do oeste
da mata. De fato, mal os romanos se prepararam com sua falsa linha de combate e
já os primeiros alamanos despontaram vindos do norte. Foram apanhados na mesma
armadilha. E, quando o combate estava já definido, chegou a divisão vinda do
oeste.
Quando o sol
finalmente iluminou o campo de batalha, a derrota dos alamanos era total.
Pequenos grupos empreenderam fugas desorganizadas, floresta adentro. Outros
arriscaram a sorte, rendendo-se aos romanos. O grande general Flavius Jovinus
iria entrar para a história como o grande vencedor dos alamanos.
Mas os oficiais
e soldados, regozijando-se e comemorando, cumprimentavam era o General de
Troyes. Se havia alguém a quem essa vitória decisiva e total era devida, sem
dúvida era a pequena guerreira gaulesa. Todos reconheciam que, se ela não
tivesse corrido todos os riscos e descoberto o avanço e os planos de combate
dos alamanos – e avisado os romanos a tempo
sobre isso – os derrotados e mortos teriam sido eles, os romanos. Fizera-os ir
para o sul, enfrentar a divisão que lhes seria apresentada como uma isca
somente. E os fizera retornar do sul a tempo de emboscarem os alamanos restantes
à beira da floresta.
E a ideia genial
de simularem o combate entre romanos?! Que inteligência, que visão, que cabeça
de estrategista!
O general
Jovinus, assim que teve tempo, mandou que os homens montassem ali um grande
acampamento, para que pudessem permanecer alguns dias naquele local. Havia
milhares de corpos alamanos a queimar, havia centenas de corpos romanos a
sepultar ou queimar com honras de herói, havia centenas de feridos a tratar de
ambos os lados e havia também o problema de centenas de prisioneiros alamanos.
Como proceder da
melhor forma com tudo isso? No fim, o general deu de ombros. Ora, nem precisava pensar tanto nesses assuntos. No
fim, seria feito o que a gaulesa decidisse, mesmo!
O botim que os
alamanos haviam apresado pela Gália afora estava em uma caravana de carroças
que chegaram por volta do meio dia. Os homens, quase todos civis, com uma
pequena escolta militar, entregaram-se todos e os romanos puderam então dispor
de uma farto menu de víveres gauleses, entre eles muitas pipas do melhor vinho
da região de Champagne.
Um verdadeiro
banquete da vitória foi servido ao cair do dia e as fogueiras acesas iluminaram
os cantos e danças dos guerreiros vencedores e dos guerreiros vencedores
bêbados. A alegria era total e a tendência aos exageros também. Muitas brigas
se desenharam, os oficiais tendo muito trabalho em apaziguar os ânimos. Outros
homens choravam como crianças, o vinho levando-os a recordarem mulheres,
famílias ou a infância.
Flavius Jovinus
e Caius Marcellus mandaram erguer uma tenda só para a jovem gaulesa. Marcellus,
particularmente, temia por sua segurança: uma mulher jovem, cujo espetáculo dos
seios perfeitos desnudos certamente acendera a lubricidade na cabeça de muitos
daqueles homens que agora estavam afetados pelo vinho. Mandaram que dois homens
se postassem à entrada da tenda, como sentinelas, por toda a noite.
Naquela noite e
madrugada, Alline havia combatido como um guerreiro feroz. Viram-na saltar,
gládio em punho, às costas de um cavaleiro alamano, abatê-lo e tomar-lhe o
cavalo. Montada, ela investiu, sem escudo, contra outros cavaleiros, atingiu-os
e os atraiu para próximo de uma das poucas árvores que havia no local. Então
saltou espetacularmente das costas do cavalo para a árvore e subiu rapidamente
por ela. Quando os dois alamanos começaram a vociferar, a moça apareceu com um
arco e com flechas e abateu a ambos. Como fizera horas antes, no sul, ela havia
deixado arco e aljava na copa da árvore. E dali, novamente, começou a disparar
setas até que todas se acabaram.
Então, como uma
alucinada, deu um tremendo grito e precipitou-se sobre um cavaleiro alamano,
derrubando-o com o peso de seu delgado corpo. O homem, erguendo-se do chão,
partiu para cima dela com uma espada alamana enorme. Aline jogou-se ao chão,
esquivou-se da espada três vezes e, subitamente, ficou imóvel, como a esperar o
golpe fatal. Quando o alamano ergueu alto a espada, com as duas mãos, para
espetar aquela criatura insignificante no chão, ela se ergueu com a velocidade
de um raio e cravou seu punhal no peito do guerreiro. O homem tombou sobre ela,
lavando-a em sangue.
A jovem gaulesa
estava manchada de vermelho dos pés à cabeça, desde muito antes desse episódio.
Quando o combate enfim terminou, ela pediu a Caius Marcellus que ele,
pessoalmente a escoltasse até o pequeno riacho que ela mesma descobrira na
noite anterior, ao se aproximar do acampamento romano. Suplicou-lhe que lhe
conseguisse alguma roupa, qualquer roupa, para poder trocar suas vestes. O
centurião dirigiu-se aos homens de intendência e mandou que localizassem seu manto
branco e vermelho de desfile. E que lhe trouxessem também panos avulsos de
linho ou cânhamo, bem como presilhas e cintos.
De posse desses
pertences, Marcellus seguiu a jovem gaulesa até à beira do riacho, já por volta
das oito horas da manhã. Ela então esperou que ele se afastasse o suficiente
para não poder vê-la e saltou na água imediatamente. Percorreu o riacho com
amplas braçadas e começou a se livrar de suas roupas inutilizadas. Do espectro em vermelho começou a emergir a moça de pele alva outra vez. Na beira
d’água, ela havia deixado o amplo manto do centurião, com o qual se envolveria ao
sair. A moça banhou-se toda nua com imenso prazer, demorando-se coisa de quinze
minutos somente, para não abusar da gentileza do centurião.
Marcellus havia
se afastado e ficado de costas, mas logo sua atenção foi chamada para um
movimento nas folhagens, de alguém se aproximando. Era um soldado, que vinha
espiar a moça, apesar de ela estar escoltada por um oficial. Marcellus
abaixou-se e esperou o homem passar. Vibrou-lhe, então, um tremendo golpe com o
antebraço, ainda ornado pelo protetor de bronze, prostrando o homem desacordado
no chão. Mas, quando se ergueu, estava virado para o riacho. E a visão que teve
tirou-lhe o fôlego!
Alline de Troyes,
naquele exato momento, saía da água, completamente nua. E o corpo que o
centurião viu não era um corpo magro e franzino. Era um corpo delgado, de uma
mulher de compleição muito pouco menor que a média. E era perfeito,
completamente proporcional. Os seios, que ele pudera ver fugazmente antes, eram
firmes e belos. E, quando a gaulesa se abaixou para pegar o manto e voltou-se
de costas para cobrir-se com ele, Marcellus pôde ver que as nádegas eram também
cheias e vistosas. Mais do que isso: as nádegas, coxas e pernas formavam um
conjunto de rara elegância, mas que lhe deu, acima de tudo, a impressão de ser
dotado de uma grande força muscular.
Por isso ela
podia fazer aquela sua luta prodigiosa no chão, usando as pernas e os pés! Nem
ela era tão franzina como ele havia suposto, como devia ter uma força
extraordinária nos membros inferiores. Aquilo, concluiu Marcellus, não podia
ser só coisa do acaso ou da compleição. Os músculos eram por demais definidos e
salientes, só podiam ser resultado de exercícios contínuos. Que poço de
mistérios era essa jovem gaulesa!
Enquanto ele pensava isso, Alline
andou até ele e falou:
– Eu vi tudo o
que aconteceu, centurião. Agradeço-lhe muito, por ter evitado que eu matasse um
romano.
– Com assim,
matasse um romano?
– Porque, se
esse homem ousasse se aproximar de mim, eu o mataria imediatamente. Afogado! Eu
percebi que ele me viu nua.
– Por Júpiter,
menina! Você é muito explosiva.
– Não, senhor. Não sou explosiva jamais! Nunca
perco a calma para não perder a razão. Mas, neste caso, considero que a razão
estaria comigo. No meu código de honra, homem que desrespeita mulher, merece punição
exemplar. Esse imbecil aí ao seu lado deve dar graças por continuar vivo.
– Mas será
punido exemplarmente, porque desrespeitou uma ordem de um superior hierárquico.
E você tem razão, eu acho que não teria pensado assim antes, mas ele deve ser
punido também porque, fazendo o que fez, desrespeitou você.
– Fico feliz que
o senhor consiga perceber isso, centurião.
– Sim. Mas eu
preciso lhe confessar uma coisa: também eu mereço ser punido, porque eu também
a vi antes que se vestisse.
– Sim,
naturalmente. Eu percebi isso também, por isso me virei de costas. Mas o senhor
não o fez de propósito, apenas viu o que viu ao golpear este idiota.
– E você não
fica com raiva de mim, nesse caso?
– Claro que não,
centurião. Já lhe disse que lhe sou grata. Primeiro por evitar que eu tivesse
que afogar esse afoito. E por ter me acompanhado e protegido. E por ter me
arranjado roupas limpas, também.
– Bem, Alline de
Troyes, isso era o mínimo que eu podia fazer. Mas Roma terá que fazer muito
mais. O próprio general Jovinus foi quem me disse isso. Depois ele irá lhe
falar sobre o assunto. Mas... podemos ir agora?
– Certamente,
senhor.
E saíram ambos
andando de volta ao local onde as tendas começavam a ser montadas.
continua: QUEM É ALLINE DE TROYES REALMENTE?
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