ALLINE DE TROYES – 13ª parte: Um casamento druída
MILTON MACIEL
Fim da 12ª parte:
– Ele convenceu
o abade Lucinus que estava sendo severo demais consigo mesmo e que estava me
impondo um sofrimento cruel demais, que eu não merecia. E então ele fez uma
coisa maravilhosa?
– O que?
– Ele nos casou segundo
o rito druída celta!
13ª parte:
– Casou vocês?! Mas que coisa mais incrível,
considerando que Lucius se esforçava para se manter dentro do voto de celibato
e castidade de sacerdote católico!
– Mas a verdade,
general, é que nem ele nem eu aguentávamos mais aquilo. Nos últimos tempos era
um terrível tormento estarmos dormindo nos mesmos aposentos, a poucos passos um
do outro e não podermos nos tocar. Mas, ao mesmo tempo, quando podíamos nos
tocar, durante os treinamentos de luta livre, o tormento era termos que parar o
contato ao fim de um determinado movimento. Estávamos nesse desespero quando o
sábio Kelvin mandou nos chamar a sua habitação.
Ali, ele nos fez
ver o absurdo da nossa situação. E garantiu que nós nos amávamos com toda a
força do espírito, coisa que – explicou – o general Lucius jamais havia
conhecido na vida, com o que este imediatamente concordou. E então ele disse que
era melhor que o abade parasse de manter aquela luta irracional e injusta
contra o general e contra os sentimentos da moça gaulesa:
–Você
simplesmente não tem o direito de fazer esta pobre menina sofrer do jeito que
sofre, por causa de um voto que não tem pé nem cabeça.
– Mas eu jurei a
meu tio que seguiria todos os votos que fiz ao aceitar a minha sagração como
padre. E, ainda mais, quando fui feito abade, pois então, mais do que nunca, eu
tenho que ser um exemplo para meus subordinados.
– E exemplo de
que, Lucius? De ser capaz de obedecer a uma norma anacrônica, absurda e
antinatural? Pois é isso que o celibato e a castidade forçados representam para
os padres, meu amigo. Tanto isso é verdade que você não tem mais capacidade de
resistir a seu fascínio por Alline. Você está nos últimos estertores de sua
força. Logo sucumbirá. Pois então, antes que isso aconteça de uma forma
intempestiva e incontrolável – portanto tola – deixe que eu prepare a noiva.
– Noiva?! –
estranhamos os dois ao mesmo tempo.
– Noiva, sim.
Vocês sabem que eu sou um sumo-sacerdote dentro da religião dos celtas. E que,
portanto, posso oficiar casamentos como uniões abençoadas pelos deuses.
Inclusive o seu Deus, meus caro, pois todos os deuses e deusas são, na verdade,
manifestações de uma única Essência. Pois muito bem, é minha intenção realizar
imediatamente o casamento de vocês dois.
Eu fiquei maravilhada
com a proposta do druida. Lucius Dracus ficou em estado de choque. Mas o druida
completou:
– Para sua
conveniência, meu caro abade, o casamento druídico de vocês permanecerá
desconhecido por seus padres e estudantes. E a consumação do mesmo se dará sem
problemas, basta que, trancada a porta do amplo aposento de vocês, Alline passe
a dormir na grande cama do abade.
Eu não me
contive mais: ajoelhei-me e beijei com gratidão as duas mãos do mago Kelvin.
Ele me ergueu do chão com suavidade e conduziu-me até a frente de Lucius. E
então fez com que eu passasse meus braços ao redor dele.
Eu o abracei com
força e me colei inteira ao seu corpo, trêmula de paixão. Foi o último instante
de resistência do abade Lucinus. No segundo seguinte, o general Lucius Dracus emergiu
como vencedor da longa batalha. Abraçou-me e beijou-me com paixão, pela
primeira vez na vida. O druida Kelvin retirou-se para dentro de sua habitação,
para deixar que nossa primeira explosão de amor e de paixão fluísse livremente,
sem sua presença.
Depois de uns
dez minutos, ele fez ruídos demonstrando que voltava e falou:
– De hoje em
diante, general e abade, você vai dormir sozinho, até o dia de seu casamento,
Sua noiva vai passar a pernoitar aqui em minha casa, para que eu possa
prepará-la para a cerimônia celta. Isso é absolutamente imprescindível. Há
muita coisa que esta mocinha precisa aprender sobre a vida de casada e sobre o
seu próprio corpo. Eu fiz meus cálculos enquanto lhes dava tempo para a manifestação de amor e concluí: vou casá-los
no dia da próxima lua cheia, exatamente no momento do ocaso, quando o sol se
põe e a lua cheia nasce. Teremos o sol na sétima casa e a lua subindo no
ascendente, um bom motivo astrológico para uma união matrimonial.
E, afastando-nos
um do outro, disse, para completar:
– Pode ir embora,
caro amigo. Mas sua noiva fica aqui comigo a partir de agora. Mande trazer suas
roupas e pertences, mas para apenas 5 dias, que é o quanto falta para o dia da
lua cheia. E explique que o senhor Gilles de Troyes não comparecerá às aulas e
a suas outras atividades até a semana seguinte. Que estará imerso em uma grande
atividade de treinamento com seu druida. O que, afinal, será a pura realidade.
Meu
general-abade foi-se embora triste e eu fiquei tremendo de paixão. Mas sabia
que nosso druida estava fazendo exatamente aquilo que era o melhor para nós
dois.
Nos dias
seguintes, o sábio Kelvin me ensinou tudo sobre sexualidade feminina e
masculina. Mostrou, fez desenhos e depois, coisa que talvez as outras pessoas
veriam com malícia, mostrou-se ao espelho meu próprio sexo, que ele abriu com
suas mãos, expondo à minha visão inexperta o que era cada uma daquelas partes.
Depois, deixou-me ver e apalpar o próprio sexo dele em todas as suas porções, explicando como
funcionaria aquilo na relação com meu marido. Instruiu-me que, neste, o órgão
se tornaria rígido e dobraria de tamanho, para que pudesse entrar em mim, numa
atividade que eu não devia temer como dolorosa, porque só me daria um grande prazer. E explicou que nele aquilo não acontecia naquele momento, não por ele
ser velho, mas porque ele tinha total controle sobre sua energia sexual e
jamais se permitiria ter uma ereção comigo, por que me respeitava como ser
humano e como sua discípula, muito mais do que por ser a amada de seu amigo
Lucius.
Dessa forma, eu
entrei em meu casamento completamente preparada – coisa que jamais poderia
esperar por parte de minha mãe – porque o druida me ensinou também, de forma
teórica e com desenhos desta vez, muitas das artes e técnicas de fazer amor com
um homem. Chegou a dizer que me preparava para que eu ensinasse meu marido,
porque ele, como os homens em geral, não havia aprendido a associar sexo com
amor profundo e espiritual. Eu teria que ser a verdadeira iniciadora dele, exatamente
o contrário do que ele mesmo estaria esperando.
– Noto que você
fala desses assuntos, com dois homens como nós, sem sentir qualquer embaraço ou
vergonha, minha filha.
– Isso foi
também o druida que me ensinou, ao retirar de mim todos os pudores e falsos
moralismos que minha mãe e minha irmã tinham tentado me inculcar na mente. Ele
me ensinou a ter orgulho de ser mulher, lembram-se? E, portanto, me ensinou a
ter orgulho também das partes do meu corpo que me fazem mulher. E eu aprendi a
lição muito bem.
– Não resta a
menor dúvida, guerreira. Você é a mulher mais altiva e consciente de seu valor
que eu já conheci na vida. Alline de Troyes, conviver com você, ver os exemplos
que você dá quase todos os dias, me obriga a repensar minha ideias a respeito das
mulheres em geral.
– Que bom, centurião
Marcellus. Fico muito feliz em ouvi-lo dizer isso.
– Mas continue,
por favor. Desculpe pela nossa interrupção. Sua história é fascinante até mesmo
para dois indivíduos rústicos como nós.
– Bem, então veio aquela outra parte muito importante
da minha preparação, quando o druida me levou para a floresta e me ensinou a
reconhecer e colher duas plantas que ele nunca me havia apresentado. Com elas, me ensinou a preparar um líquido e um pó. E, com eles, eu ganhei o controle
total sobre minha fertilidade, o poder de engravidar somente quando eu quiser.
– Por Júpiter,
isso é possível?
–Perfeitamente,
general. Eu, por exemplo, nunca quis engravidar. Além do que, explicou-me o
druida, não só eu era muito jovem ainda e podia esperar, como ele disse que não
via nenhuma gravidez no meu futuro próximo, nem nas suas visões, nem no meu
mapa astrológico. E Mestre Kevin era apenas infalível. Mas a verdade é que eu
nunca tive vontade de ter filhos e, como ele recomendou, Lucius e eu
respeitamos minha vontade.
– Jovem Alline,
tudo em você e sua história é completamente diferente, foge de todos os padrões
que eu tenha conhecido. Não é verdade, general?
– Sem dúvida,
Marcellus. Sem dúvida. Mas prossiga, por favor.
– Então,
passados os cinco dias, em que eu fui completamente preparada e o abade passou
a maior parte do tempo em práticas de meditação e oração, chegou a tarde/noite
gloriosa do nosso casamento. Uma cerimônia druida tocante, que Mestre Kevin
celebrou em plena floresta, sob um enorme carvalho. O mago me fez vestir uma
roupa matrimonial celta, branca e semitransparente, lindíssima, que ele tinha
guardada entre seus pertences. A floresta foi nosso altar e o céu estrelado,
nosso pálio. A lua surgiu majestosa acima das copas, apagando o esperado brilho
das estrelas; e abençoou nossa união. Lucius Dracus, deixando de lado todos
os temores e pruridos religiosos para sempre, se deu a mim como um amante, um
cúmplice, um complemento, fez sua entrega total, seguindo as determinações de
nosso mestre druida. Eu fiz exatamente a mesma coisa e nossa união foi
anunciada pelo mestre como indissolúvel. Depois da cerimônia, nos despedimos do
druida e fomos para nosso aposento, que funcionou, pela primeira vez, como
nossa alcova nupcial.
– Notável! Chega
a ser tocante mesmo, minha filha.
– Sim, eu entrei
ali vestida como o senhor Gilles de Troyes e fui para a frente do espelho,
colocar minha melhor roupa feminina, também ela branca e esvoaçante. Foi essa
roupa que meu amado me ajudou a retirar de sobre mim, quando me tomou nos
braços pela primeira vez para fazermos amor. Foi uma experiência maravilhosa,
sem qualquer tipo de medo ou dor de minha parte, tão bem preparada estava eu
por meu mestre para tudo. Os sentimentos e os prazeres foram muito, muito
maiores do que eu poderia ter imaginado. E, daquela noite em diante, por dois
anos, nós nos amamos com encantamento e paixão. Até o dia em que chegaram os
invasores alamanos. Então nosso paraíso e nosso mundo de idílio e sonho
desmoronaram. E, por causa disso, eu estou hoje aqui, com os senhores e seus
romanos.
– Mas o que foi
que aconteceu exatamente?
– Ah, senhores,
uma tragédia que não quero comentar no dia de hoje. Sinto-me cansada demais
para poder aguentar o desgaste dessa narrativa agora. Peço-lhes que tenham
paciência, amanhã haveremos de achar uma hora boa para continuar.
– Sim, sim,
minha filha, como for melhor para você. Nós nos retiramos então. Tenha uma boa
noite.
– Boa noite,
general. Boa noite, centurião.
E os dois
oficiais romanos se retiraram para poder comentar entre si todos os incríveis
acontecimentos que cercavam a vida daquela menina ainda tão jovem. E tão absolutamente notável!
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