ALLINE DE TROYES – 15ª parte: O Sacrifício do Abade
MILTON
MACIEL
Fim da 14ª parte:
A fumaça estava
totalmente insuportável. Eu já começa a sufocar seriamente e comecei e me
sentir muito tonta. Mesmo assim investi com toda a minha força e com todo o meu
peso, arrojando-me com raiva contra a pesadíssima mesa. E ela se mexeu! E, ao
mover-se, um ruído diferente veio do chão. Ao mesmo tempo, uma faixa do teto e
da lateral superior da sala se abriu: ela era feita de metal e disfarçada com
tijoletas finíssimas de pedra lavrada. Acima da minha cabeça, estrelas
brilhavam. O ar se fez rapidamente puro e a última madeira que queimava se
apagou. Eu estava salva do sufocamento!
15ª parte: O Sacrifício do Abade
– Quer dizer que
a tal pedra mágica, a pedra do mecanismo, não estava na parede, estava no chão!
– Exatamente,
centurião. Uma das patas da mesa estava engenhosamente encaixada nela. Quando
eu me joguei com raiva sobre a mesa, a pedra foi movida para cima e o mecanismo
atuou imediatamente. Na hora eu tive certeza que meu druida sabia, de antemão,
que eu chegaria nesse ponto, que eu conseguiria ativar o mecanismo de abertura.
Ele sempre teve uma capacidade incomum de ver dentro do futuro. Tudo o que ele
e Lucius quiseram foi ganhar tempo, um tempo precioso em que eu ficaria
trancada e, portanto, longe do palco dos acontecimentos mais dramáticos, longe
dos alamanos que poderiam me desgraçar e matar.
– E foi difícil
sair do aposento?
– Muito fácil,
general. Tomei distância, corri e saltei, consegui me segurar na borda da
abertura lateral, na parede. Então suspendi meu corpo e olhei cuidadosamente para
todos os lados. Não vi nada nem ninguém. O silêncio era quase total. Tentei
avaliar quanto tempo tinha se passado desde que eu fora trancada naquela sala.
Algo entre uma hora e meia e duas horas, concluí. Onde estariam agora os
invasores? E as pessoas todas? E meu homem e meu mestre?
A seguir saltei
de novo para dentro da peça e apanhei um dos arcos que eu tinha levado para
ali. Arremessei-o pela abertura para o lado de fora. Apanhei também as três
aljavas cheias de setas e fiz a mesma coisa. Depois voltei a correr, tomar
impulso e saltar. Passei outra vez pela abertura. E, desta vez, saltei sobre a
grama alta que havia do lado de fora. Apanhei, uma por uma, todas as flechas
que tinham se espalhado, enchi as três aljavas, escondi duas delas entre os arbustos.
Prendi a terceira às costas, coloquei uma flecha no arco e saí andando com
cuidado, sem fazer barulho, em direção à frente do prédio da abadia. Ia
preparada para o pior. Na certa eu veria dezenas de cadáveres de servidores e
de padres. Estremeci ao imaginar, entre os corpos, meu amor e meu druida. E
veria os odiosos invasores. Calculei que tinha quatorze setas na aljava. Antes
que me matassem, eu haveria de acabar com quatorze daqueles miseráveis.
Mas, ao chegar à
entrada do castelo, não vi ninguém. Fiquei estupefata. Onde estariam todos? Onde
estariam os corpos? Foi quando um garoto saiu de trás de uma coluna e veio
correndo para mim. E ele me contou o que tinha acontecido.
As pessoas,
quando surpreendidas pelos gritos e ruídos dos alamanos, correram todas para a
igreja, trancando-se lá dentro. Os invasores levaram um certo tempo, entrando
em todos os aposentos e procurando coisas para pilhar. O que eles procuravam
era, acima de tudo, objetos de ouro, que acreditavam existir no templo dos
católicos. Quando enfim encontraram a pesada porta lavrada que dava acesso ao
templo, começaram a gritar para que abrissem a porta. Como ninguém fez isso,
passaram a se arrojar contra a ela, em grupos, para arrombá-la. Mas a porta nem
se mexia, ela é incrivelmente forte e bem encaixada.
Os alamanos
foram então cortar uma árvore bem grossa com seus machados e, depois de um
tempo mais ou menos longo, chegaram com o aríete improvisado. Começaram a
investir contra a porta e esta começou a ceder. Foi quando chegou, pelas costas
deles, um homem alto com vestimentas sacerdotais. Junto com ele, um outro
sacerdote, este com vestes tipicamente druídicas. Os dois, falando o idioma
alamano, negociaram com o chefe do bando, um certo Walmaric. Ofereceram-se como
reféns, dizendo que certamente eles valiam muitas vezes mais do que os modestos
vasos e objetos de prata lavrada que havia na abadia. Nada ali era de ouro. Os
romanos e os gauleses pagariam por eles dois um bom resgate. A única condição
que eles impunham é que os alamanos, livres para pegarem todo e o qualquer
objeto ou material que os interessassem na abadia, poupassem e respeitassem
todos os seres humanos que estavam dentro da igreja. Nesse caso, os dois
sacerdotes se ofereciam como escravos e colaboradores dos alamanos. Caso
contrário, lutariam até a morte imediatamente. E puxaram suas espadas.
Os alamanos
confabularam por um curto espaço de tempo e acabaram aceitando a proposta dos
religiosos. Agradou-os muito o fato de terem ali dois intérpretes, para se
comunicarem com os gauleses cujas propriedades viessem a saquear a seguir. E
que esses dois fossem homens de religião de um alto nível, que seriam
respeitados pelos galo-romanos locais. E, com certeza, haveriam de proporcionar
muito ouro como valor de seus resgates.
Abertas as
portas do templo, Walmaric e seus homens ignoraram as pessoas ali dentro e se
dedicaram a colocar os objetos, adornos e crucifixos de prata em grandes sacos.
Outros homens vinham de várias direções, com o mesmo tipo de sacos, onde tinham
recolhido as poucas coisas de valor que os habitantes da abadia tinham em seu
poder. Então mandaram que os dois religiosos preparassem dois cavalos e
montassem. E, tão rápido quanto chegaram, foram embora galopando na madrugada
gaulesa. Junto levaram o abade de Troyes e o druida Kelvin.
O menino me
levou até à frente da igreja, onde todas as pessoas continuavam ajoelhadas,
acompanhando preces de louvor e agradecimento conduzidas pelos padres. Seus
poucos pertences de valor, assim como os da igreja, haviam sido pilhados. Mas
estavam todos vivos e incólumes, sem um único arranhão. Isso jamais teria
acontecido, não fosse a intervenção providencial, milagrosa mesmo, de seu abade
e do druida celta. Na certa estariam todos mortos agora. Cânticos e preces
foram ofertados, rogando proteção aos dois religiosos, que haviam se oferecido
em sacrifício, para salvar as vidas de todos os demais. Um autêntico gesto
crístico!
– Realmente uma
coisa notável, uma atitude não só de grande coragem e sacrifício, mas, acima de
tudo, de grande inteligência. De fato, de dois homens de tal envergadura, como
Lucius Dracus e o druida Kelvin, só se poderia esperar atitudes lúcidas
incomuns, como essa – comentou o general Jovinus.
– Agora está
explicado, para mim, porque você se embrenhou na floresta atrás dos alamanos. E
porque os combateu com tanta fúria e determinação.
– Tem toda a
razão, centurião Marcellus. O que eu fiz foi ficar observando de longe, sem
entrar na igreja, que aquilo que o menino tinha me contado era verdade. Eu
estava vestida com uma camisola de mulher, mal oculta pelo manto preto que me
cobria. Corri então para os aposentos do abade, nossa alcova de amor, e troquei
de roupa, reassumindo minha identidade de Gilles de Troyes. Apanhei meu punhal,
algumas frutas para comer no caminho e me embrenhei na floresta a cavalo,
levando meu arco e as três aljavas de flechas comigo. Segui os rastros
abundantes deixados pelos alamanos. Esperei que eles acampassem e os fiquei
observando de longe, do alto das árvores. Meu coração quase saltou do peito
quando vi meu abade e meu druida ao redor da fogueira, conversando animadamente
com os alamanos. Sim, eles estavam vivos e estavam bem, um grande alívio para
mim.
– E, a partir
daí, o que aconteceu que fez com que você deixasse de seguir os alamanos que
tinham seus dois amigos como prisioneiros e viesse aparecer em nosso
acampamento?
– General
Jovinus, não fazia nem uma hora que eu estava no meu posto de observação,
quando sentinelas alamanos anunciaram a chegada de um outro grupo. De fato, várias
dezenas de cavaleiros chegaram, desceram dos cavalos e começaram a conversar
com os outros. Eu estava longe demais para ouvir o que disseram, mas o abade e
druida tudo ouviram, porque os alamanos tinham certeza que eles não poderiam
comentar o que ouviram com ninguém fora daquele acampamento, já que eram
mantidos prisioneiros e vigiados. Num certo momento, as vozes foram ficando
mais elevadas e os ânimos se alteraram. De repente, o homem que parecia ser o
líder dos cavaleiros que chegaram sacou da espada e avançou sobre o chefe
Walmaric. Mas os outros homens os seguraram e impediram que os dois entrassem
em luta. Então os visitantes foram embora, imprecando contra os que ficaram,
visivelmente fazendo ameaças.
Continuei firme
em meu posto de observação e fui vendo os homens se recolherem para dentro de
suas tendas e para debaixo de seus abrigos improvisados. Meus dois homens foram
colocados em uma tenda e dois alamanos ficaram do lado de fora, para vigiá-los.
Vi que um outro homem entrou na tenda trazendo dois pedaços de corrente e logo
após saiu dali sem elas. Era evidente que ele tinha acorrentado os
prisioneiros. Então resolvi que eu iria entrar na tenda deles.
– Uma empreitada
impossível, moça! Sentinelas na entrada da tenda, um acampamento cheio de alamanos.
Como você poderia se aproximar da tenda?
– Ora, general,
uma acampamento cheio de alamanos cansados, que dormiam como pedras. Eu tinha
que me preocupar era com os sentinelas. Aqueles dois, já que tinham que guardar
a tenda dos prisioneiros, ficaram como vigias daquela parte do acampamento
também. Eu precisava fazer algo que os distraísse e os fizesse sair do posto. E
que não fosse barulhento, para não acordar os outros. Eu poderia abrir a
porteira do potreiro improvisado e soltar alguns cavalos, mas isso iria acordar
muitos soldados. Pensei, pensei e no fim só vi uma solução. Desci da árvore, retirei
e escondi minhas roupas de Gilles. Fiquei só com a roupa de baixo, seminua, o
corpo de mulher se oferecendo. E me aproximei sem fazer ruído, até que os dois
homens me viram.
– Mas isso foi
loucura!
– Mas foi a
única loucura que eu podia fazer na hora, centurião: me oferecer para aqueles
homens. De longe fiz sinal a eles que não fizessem barulho e mostrei-lhes uma
moeda de cobre grande, presa entre meus dedos. Eles entenderam que esse era o
meu preço. Vi que eles tiraram a sorte entre eles, com os dedos, e o vencedor,
tirando as sandálias, veio pé ante pé até o ponto onde eu estava. Eu saí
andando bem devagar mais para o meio do mato, o homem me seguindo e já passando
a mão no meu traseiro. Então parei e me voltei para ele. Fiz sinal que ele
esperasse um momento e retirei o pano estreito que cobria meus seios, que
surgiram se oferecendo. O home os pegou e, como eu esperava, levou a boca a um
dos bicos. Nessa hora ele ficou todo meu. Dei-lhe um tremendo golpe de cutelo,
ou seja, bati com a mão direita em forma de cutelo exatamente no ponto que o
druida tinha me ensinado, entre o pescoço e a nuca. O alamano caiu de joelhos
já desacordado. Roubei a bolsa dele e uma pulseira de ouro que ele tinha, para
que pensasse, ao acordar, que tinha sido vítima de roubo apenas.
– E o outro
sentinela?
– Bem, como o
primeiro ia dormir por um bom tempo, fui buscar minhas roupas de menino. Me esgueirei
com elas por trás das tendas, bem no limite do acampamento, até chegar à altura
da tenda dos prisioneiros. Escondi ali as minhas roupas de Gilles. Fiz um
pequeno ruído, suficiente para que o outro sentinela me visse. Ele deve ter
estranhado eu estar sem o colega dele. Mas nessa hora eu apelei de vez: deixei
cair toda a minha roupa de baixo, fiquei totalmente nua. O homem quase saiu
correndo em minha direção, eu tive que fazer sinal para que ele tomasse
cuidado, que não fizesse barulho. Quando ele chegou e foi querendo me agarrar,
eu peguei a cabeça dele empurrei para os meus seios. Por sorte aquele ali
também mordeu a isca. Levou o golpe na parte de trás da nuca, quase no pescoço,
e também emborcou de frente, sem dar um gemido. Agradeci mentalmente outra vez
a mestre Kelvin pela lição bem dada. Roubei esse outro homem também. Para me
divertir ainda mais, roubei o par de sandálias dele!
– Mas você é
capaz de cada coisa, Alline! Que cabecinha!
– Não,
centurião, sejamos justos: que treinamento! Meus mestres é que foram excepcionais.
Bom, com os dois malogrados fregueses da prostituta de Troyes dormindo como
anjinhos, o caminho estava livre para a tenda dos meus dois homens. Vesti as
roupas de Gilles novamente. Entrei silenciosamente, com o coração acelerado, ia
poder rever e beijar o meu amado. Deixei que meus olhos se acostumassem à
escuridão e me preparei para acordar o abade Lucinus. Mas uma voz sussurrada
suavemente ao meu ouvido me mostrou que meu druida estava acordado:
– Você demorou,
Alline de Troyes! Pensei que você fosse dar um jeito nesses dois sentinelas
mais rápido. Aplicou o cutelo neles?
– Mestre! O
senhor sabia?
– Bem eu senti
que você estava rondando por cima das árvores faz um bom tempo. Aí fiquei
esperando que você desse um jeito de entrar aqui. E, como o único obstáculo
seriam aqueles dois lá fora, o resto foi fácil de imaginar. Afinal, só havia
uma coisa a fazer e aposto que não foi o senhor Gilles que fez.
– Não, foi
Alline que se ofereceu aos homens.
– Ótima tática!
Você continua sendo o meu orgulho maior como discípula. Mas agora vamos de fato
acordar esse dorminhoco. Aliás, tive uma ideia melhor. Vou deixar que você
acorde o homem e que vocês façam aqui o que bem entenderem. A tenda é de vocês.
Eu vou sair um pouco.
– Mas Mestre, o
senhor está acorrentado pelo tornozelo!
–Não me
decepcione, Alline. Não subestime o seu professor. Ainda está para ser
inventada a corrente que consiga prender Kelvin da Bretanha – e, ante meus
olhos atônitos, já acostumados à escuridão, o Mestre retirou a corrente de sua
perna como se ela fosse um brinquedo. E disse:
– Quinze minutos
no máximo, sejam eficientes. Eu volto em seguida para me acorrentar de novo. E
para que nós combinemos o que você tem que fazer.
O druida saiu da
tenda e eu me atirei em cima do meu Amor, cobrindo-o de beijos e carícias. Ele
acordou encantado e nós fizemos amor com arrebatamento e comoção. Quando enfim
nos afastamos alguns centímetros, Mestre Kelvin entrou de volta na tenda.
– Muito bem,
meninos, agora já chega. Já mataram as saudades. Agora ouça com atenção, Gilles
de Troyes, porque é você que tem que agir. Veja bem: o grupo de alamanos que
esteve aqui faz parte de uma grande força que está avançando por esta floresta
para atacar a legião romana. Eles vão avançar por três direções diferentes. Uma
quarta divisão virá de Troyes, pelo sul, para atacar e servir de isca para os
romanos. Quando estes estiverem em combate, os outros três grupos alamanos que
avançarão pela floresta vão cair sobre a legião e destroçá-la.
Meu general
abade completou:
– Meu amor, se
isso acontecer, nada mais vai poder impedir o avanço dos alamanos pela Gália,
será uma catástrofe total. Você precisa sair daqui imediatamente e localizar
esses grupos de alamanos que avançam pela floresta. E, tendo feito isso,
precisa dar um jeito de alertar os romanos enquanto é tempo. Se você conseguir
fazer isso, a situação pode se inverter. Se os romanos souberem que vão ser
atacados e como, eles podem se antecipar e transformar uma provável derrota
numa grande vitória e podem nos livrar dessa praga para sempre.
– Eu quero saber
uma coisa: Por que estes alamanos que aprisionaram você brigaram feio com os
que vieram visitá-los?
–Ah, você viu!
Pois eles queriam que Walmaric e seus homens fossem se juntar a eles. Mas este
patife se recusou, disse que ele ataca e pilha por conta própria. E que não vai
colocar sua tropa em risco, combatendo a legião. Walmaric e seus homens são
apenas um bando de salteadores, eles são cerca de quatrocentos e não se
submetem nem se unem a outros alamanos. Por isso saiu aquela briga.
– Mais uma
pergunta: Por que, já que nosso druida pode se livrar da corrente quando bem
entender, vocês não fogem? Venham comigo agora, o que os impede?
– Alline, meu
amor, eu e seu mestre Kelvin temos que continuar com este grupo de alamanos,
porque nós temos um plano para acabar de vez com a ameaça que ele representa.
– Isso mesmo,
minha discípula. Você se encarrega da legião, nós dois vamos dar um jeito nesse
bandido Walmaric. Vai valer a pena. No final, com você e nós vitoriosos, os
alamanos serão varridos da Gália e teremos paz. Agora despeça-se do seu marido
e vá cumprir sua parte da missão.
E foi o que eu fiz!
– Então foram
Lucius Dracus e Kelvin da Bretanha que deram essa missão a você! Por deus
Marte, além de devermos nossas vidas a você, as devemos a eles também.
– Bem, general, foram
eles os que ouviram os planos dos alamanos em primeiro lugar. Depois eu,
durante os três dias em que segui os diferentes grupos na floresta, pude ouvir
e confirmar que a estratégia seria essa mesma. E o resto os senhores sabem
muito bem como aconteceu.
– O resto é a
história de como você nos ajudou, salvou e nos encheu de exemplos de qualidades
e virtudes que nós já esquecemos há muito tempo. E, por causa de tudo isso, nós
a queremos recompensar em nome de Roma. Pensamos em lhe dar terras e uma grande
recompensa em ouro. E isso você não poderá recusar, porque não tem nada a ver
com sua arte de curar. É a recompensa por ter salvo milhares de vidas romanas.
– Pois eu troco
tudo isso, de bom grado, general, por uma única coisa.
– Pois então
diga, Alline, pois nós estamos ansiosos para demonstrar a você que Roma sabe
ser grata a seus benfeitores.
– General,
general, eu sei o quanto Roma foi grata a Lucius Dracus por trinta anos de
dedicação a sua defesa: tornou-o proscrito e expropriou todos os seus bens!
Pois é este o meu pedido, general: troco toda a recompensa em bens, se o senhor
empenhar todo o seu prestígio e de seus amigos senadores e militares, para
lograrem a reabilitação do general Lucius Dracus.
– Mas, minha
filha, isso significaria entrar em confronto direto com o mais importante conselheiro do imperador Valentiniano, o detestável Constâncio!
– E o senhor não
correria tal risco pelo general Lucius Dracus, não é mesmo, general Jovinus?
– Não, não
correria tal risco por ele, porque não devo nada a ele. Mas devo TUDO a você,
Alline de Troyes: minha vida, minha vitória sobre os alamanos, o grande impulso
que isso representa para a minha carreira. Devo a você, Alline e vou pagar
correndo todo e qualquer risco que for necessário. Nem que isso seja o fim da
minha carreira, nem que isso signifique o confronto direto com Constâncio. Eu
lhe prometo e garanto: de hoje em diante farei ouvir minha voz em defesa de
Lucius Dracus. E hei de conseguir dezenas de outras adesões importantes.
Constâncio não terá que se haver só comigo, mas com uma grande parte das
legiões e do senado também.
– E eu entrarei
nessa luta também, Alline de Troyes, mesmo sendo apenas um centurião. Mas sei
de alguém de grande influência em Roma, Ravenna e Constantinopla que ficará
muito contente por poder enfim mostrar sua gratidão a você. Eudorus e sua família podem mover céus e
terras em benefício de uma pessoa, quando querem.
Alline não disse
nada. Abaixou a cabeça, colocou as duas mãos na testa, encobrindo os olhos e
deixou-se ficar assim por um minuto. Quando retirou as mãos e ergueu a cabeça,
os dois romanos viram que a face da gaulesa estava banhada em lágrimas. Mais
uma vez ela os surpreendia. Tendo a oportunidade de ganhar terras e uma grande
quantia em ouro, ela abria mão de tudo isso por outra pessoa. As lágrimas de
Alline eram de comoção e eram de gratidão. Agora ela é que estava grata pela
demonstração de amizade – por que era isso mesmo o que estava evidente ali – por
parte do General Jovinus e do centurião Marcellus.
CONTINUA: O Perverso Walmaric
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