domingo, 9 de fevereiro de 2014

ALINNE DE TROYES - 5a. Parte: Quem é Alline de Troyes realmente?
MILTON MACIEL

Fim da 4ª. parte
– Bem, Alline de Troyes, isso era o mínimo que eu podia fazer. Mas Roma terá que fazer muito mais. O próprio general Jovinus foi quem me disse isso. Depois ele irá lhe falar sobre o assunto. Mas... podemos ir agora?

– Certamente, senhor.

E saíram ambos andando de volta ao local onde as tendas começavam a ser montadas.

5ª. parte
À noite, Alline recolheu-se cedo à sua tenda, levando consigo uma pequena lamparina de óleo. Do lado de fora ficaram dois homens de guarda, com lanças e uma tocha. Na grande tenda ao lado, o general e seus oficiais confabulavam e faziam seus planos para os dias seguintes.

A gaulesa observou com cuidado o colchão de palha sobre o catre de campanha. Seria, de fato, um grande luxo para quem passara três noites dormindo escassas horas em cima de árvores na floresta e, depois, uma noite inteira em claro, guerreando e matando. Deu um profundo suspiro, apanhou seu punhal e dirigiu-se ao colchão, suspendendo-o no ar. Minutos depois, apagou sua lamparina. A tenda ficou toda escura, apenas a débil luz da tocha lá fora permeando o denso tecido.

O sono vinha, incoercível, acumulado, trazendo promessas de descanso e esquecimento, quem sabe sonhos bons, que ajudassem a dissipar os tormentos de sua alma. Mas a mente altamente treinada de Alline resistia ao irresistível, mantinha-se ainda parcialmente desperta, minuto após minuto, hora após hora. A sensação de perigo iminente que sua intuição lhe soprava dava-lhe forças para resistir.

Cerca de duas horas depois que ela apagou a lamparina, ouviu o ruído na parede de trás da tenda. Imediatamente desperta, imaginou o que iria ver. De fato, a ponta de uma grande faca atravessou o tecido à altura de um homem e o instrumento começou a ser usado para abrir um corte vertical na tenda. A jovem meneou a cabeça com desânimo: Por Tutatis, mais uma vez tudo ia começar!

Completado o corte até o chão, o tecido foi suspenso com cuidado e cinco homens entraram em completo silêncio. À pouquíssima luz ambiente, cada um foi se posicionar em um ponto. A gaulesa dormia de barriga para cima, braços abertos. Dois homens ficaram à altura das pernas da moça, que estavam também abertas e bem afastadas. Outros dois abaixaram-se para procurar por seus braços. A um sinal do líder, todos os quatro trataram de segurar os membros da mulher e o líder precipitou-se com a mão procurando-lhe a boca, para impedi-la de gritar. A outra mão procurou o pescoço, para sufocá-la. Estranhamente, não o encontrou.

O que encontrou foi uma inexplicável ponta de flecha que apareceu saindo de sua barriga. Junto com essa percepção, veio de sua própria garganta um grito horrendo, causado pela imensa dor que sentiu nas costas e no ventre. Os dois sentinelas entraram correndo na tenda com suas lanças, um deles trazendo a tocha. O que viram foi uma cena impressionante.

Quatro homens surpresos, tentavam segurar a garota gaulesa pelas pernas e braços. Um quinto homem, de joelhos sobre ela, tinha as mãos sobre o ventre ensangüentado e urrava de dor. Mas a moça não estava deitada no catre. Ali havia apenas uma repodução grosseira de uma pessoa, feita com palha de colchão e um manto sobre ela. Atrás de todos, ao lado da entrada da tenda, Alline de Troyes estava em pé, segurando seu arco, que tinha mais uma seta pronta para o arremesso. Os guardas compreenderam tudo o que tinha acontecido e deram voz de prisão aos homens. O cheiro de álcool que saía de todos eles era nauseabundo.

Por força do grito do homem flechado e por causa do alarido produzido pelas vozes dos sentinelas, os homens da grande tenda ao lado entraram também imediatamente, trazendo mais duas tochas consigo. Encontraram Alline sentada ao chão, o arco encostado em suas costas, as mãos sobre os joelhos escondendo seu rosto. O general Jovinus, totalmente fora de si, berrou colérico:

– Levem todos, já! Para a execução imediata! Tirem esse lixo daqui!

Oficiais e soldados obedeceram e saíram da tenda arrastando os quatro homens, mais o ferido que já desfalecia. Foram os cinco amarrados em postes de tendas e imediatamente flechados até à morte.

Jovinus e Marcellus ficaram na tenda com a jovem gaulesa. E, à luz forte da tocha que fora deixada presa ali, pela primeira vez viram lágrimas nos olhos da corajosa guerreira gaulesa. O centurião assustou-se com a expressão de angústia e desespero que viu no rosto da moça.O general foi o primeiro a falar:

– Mil perdões, em nome de Roma, Alline de Troyes. Nós estávamos justamente discutindo o melhor jeito de recompensá-la pelo bem que nos fez, quando esses animais tentaram essa ignomínia contra você.

– Sim, Alline – completou Marcellus – E, no entanto, esse foi o prêmio que esses selvagens quiseram dar a você. Bêbados inconscientes! Mas já tiveram o merecido castigo. Roma não pode transigir com o comportamento bestial desses cinco homens.

– Verdade, Marcellus. E o mais incrível é que a vida deles pode ter sido salva antes por Alline, assim como a minha, a sua e de tantos de nós. Não fosse por seu sacrifício e heroísmo, minha filha, quantos de nós não teríamos perecido num ataque de surpresa dos alamanos?

Alline tentou esboçar um sorriso de agradecimento, mas seu semblante denotava apenas cansaço e tristeza. Uma profunda tristeza! Marcellus tentou aliviar a tensão:

– Você deve estar exausta, precisa descansar. Prefere que nós dois saiamos agora?

– Não, senhores, não estou exausta fisicamente. Mas estou cansada, muito cansada. Cansada de ser mulher num mundo de homens selvagens, de lobos famintos. Cansada demais de matar homens que tentaram abusar de mim ou de outras mulheres. Quantos, por Belenos!...

E os olhos da moça gaulesa voltaram a se turvar com lágrimas a custo contidas.

O general ofereceu-lhe a mão e disse:

– Venha, levante-se, vamos todos sentar neste longo banco aqui ao lado, já que o catre está sujo agora.

Caius Marcellus estendeu-lhe a mão também e Alline deixou-se suspender pelos dois homens. Deixou que eles sentassem no banco, mas preferiu sentar-se no catre mesmo, na ponta não suja de sangue, ficando de frente para ambos.

– Minha filha, nós temos uma certa ideia de como recompensá-la por sua enorme ajuda a Roma e seus soldados. Mas, antes, nós queremos saber algo de você.

– O que o general está querendo dizer é que nós queremos saber QUEM É ALLINNE DE TROYES.

Alline respirou fundo, endireitou o tronco, passou as  costas das mãos rapidamente sobre os olhos para secá-los e respondeu:

– Muito bem, senhores. A hora da verdade chegou. Eu lhes direi quem é Alline de Troyes.

E durante mais de uma hora, a jovem gaulesa sustentou um quase monólogo, poucas vezes interrompido por perguntas e comentários de seus interlocutores.

– “Nasci em Troyes, como meu nome já diz. Troyes, que é a cidade galo-romana dos gauleses tricasses, conhecida como Augustobona Tricassium, já que foi o imperador Augusto que nos colocou ali. É Troyes, em nosso idioma gaulês. Fica a beira do rio Sena e da grande estrada romana, a Via Agrippa. Minha família é de pequenos fazendeiros humildes: temos vacas, fazemos queijos, plantamos uvas e fazemos vinho. Eu fui uma criança muito feliz, levando essa vida simples. Tenho uma irmã, dois anos mais velha que eu e três irmãos. Depois de mim, só nasceu um menino. Foi um parto muito difícil e deixou minha mãe estéril depois disso, o que eu considero uma bênção dos deuses.”

“Eu cresci com os meus irmãos, que eram só um e dois anos mais velhos que eu. Cresci como um deles, como um homem, como um moleque. Eles me aceitavam em todas as suas brincadeiras de lutas e de guerra. Aprendi a lutar com eles, inclusive com espadas de pau. Para todos os efeitos eu me considerava um moleque igual a eles. O primeiro problema surgiu quando meus irmãos foram mandados à escola da abadia, para aprenderem a ler e escrever. Iam uma vez por semana, passavam lá dois dias e voltavam para atender sua parte nos trabalhos do campo. Nesses dois dias eu fazia a minha parte e a deles. Mas o que me deixava muito triste é que eu não podia ir à escola com eles. Mulheres não devem aprender a ler, só devem aprender trabalhos domésticos e a cuidar de crianças. Aquilo era meia morte para mim.

“Mas meus irmãos ficaram com pena de mim e, escondidos, me ensinavam tudo o que aprendiam na escola da abadia. Aprendi latim, aprendi a ler e a escrever. Esse sempre foi o nosso grande segredo. Meus dois irmãos eram os meus grandes amigos. Mas, quando eu fiz treze anos, as coisas começaram a ficar realmente ruins para mim. Minha mãe decidiu me tirar do trabalho no campo e me colocar só na fabricação de queijos e vinhos, junto com ela e minha irmã mais velha.

“Minha irmã era uma princesa! Uma loira alta e vistosa, belíssima, sempre às voltas com seus cabelos, seus cremes e perfumes, seus vestidos. Minha mãe tinha o maior orgulho dela. Meu pai falava sempre que aquela filha era a garantia de um bom futuro para toda a família, que ela certamente haveria de casar com um noivo muito rico. Já de mim ele dizia que eu era o patinho feio, que eu me vestia e me comportava como um menino, que nenhum homem de posses haveria de se interessar jamais por mim, que eu seria a ruína da família, porque, para me arranjar marido, ele é que teria que desembolsar um pesado dote.

“E então veio uma fase horrível, em que eles passaram a me obrigar a usar vestidos que tinham sido da minha irmã, que ficavam largos e dançando em mim. Eu me sentia uma palhaça, vestida com todos aqueles laços e piparotes inúteis, anáguas, saias, armações. E tendo que passar horas a fio colocando papelotes nos cabelos. Eu queria morrer. E o pior é que eu tinha muito poucas oportunidades de ir com os meus irmão para o campo, quando eles me ensinavam o que aprendiam na escola. Mas a coisa ainda podia piorar e piorou.

“Um dia mandaram que eu me embonecasse toda antes do jantar e recebemos visitas. Um casal de amigos do meu pai, com um filho deles, um rapaz gorducho e gago, que eu detestei à primeira vista. Depois do jantar, meu pai veio com a novidade: “Minha filha, este é Gaston, seu noivo, acabamos de fazer o acordo para o casamento de vocês, ainda este ano.

O chão tremeu a meus pés, pensei que ia desmaiar. Aí o rapaz se adiantou e veio pegar minha mão. Minha reação foi imediata, automática: dei-lhe um tremendo murro na cara, com toda minha força de camponesa, foi o primeiro nariz que eu quebrei na vida.”

O general não se conteve e caiu na gargalhada. Marcellus o secundou e disse:

– Quer dizer que você quebrou o primeiro nariz de alguém com treze anos somente. Que precocidade! E aí, o que lhe aconteceu?

– Aconteceu que, quando eu vi aquele gorducho com a mão no rosto, sangrando abundantemente pelo nariz, eu percebi que estava encrencada. Meu pai ia me quebrar na vara. Eu não quis fazer aquilo, o sujeito é que veio pegando na minha mão e, quando eu vi, já tinha dado o soco. Só que saiu muito mais forte do que eu esperava...

– E você, o que fez?

– Ah, general, eu deitei a correr e fui me esconder no mato. Passei mais de quatro dias lá, meu pai me procurou em vão, de todos os jeitos. Mandou outros homens me procurarem também. Ninguém me encontrou jamais. É que meus dois irmãos me esconderam e me levaram comida todos os dias. E o nosso esconderijo era do lado de um poço velho, muito fundo, de onde os lenhadores tiravam água há muitos anos. Água eu tinha à vontade, é claro. Mas aí acabei voltando para casa, e fui enfrentar as surras do meu pai. O tal do noivo não quis mais saber de mim, é lógico. Mas aí, uns seis meses depois, me arranjaram outro homem.

– Outro rapaz.

– Que nada, centurião. Um homem de cinquenta anos, viúvo e com vários filhos, alguns mais velhos que eu. Minha mãe me disse que essa era minha grande chance na vida: iria tomar conta de uma casa e de uma família cristã bem constituída, eram só doze pessoas, eu podia dar conta perfeitamente. Dessa vez eu fingi que concordei e meu pai já começou a gastar por conta do dinheiro que o viúvo prometeu para ele. Mas eu estava só esperando a oportunidade de conhecer o noivo e lhe aplicar o mesmo tratamento no nariz. Melhor apanhar vários dias seguidos, do que casar com uma família de doze pessoas; e virar escrava deles!

– E então?

– Então, um dia, quando cheguei do campo com meus irmãos, eu toda lambuzada de barro, com minhas roupas de moleque camponês, quem estava à minha espera? O futuro marido! Tinha vindo com três filhas dele, mocinhas, cada uma mais enjoada do que a outra, todas emproadas. Me olharam de cima a baixo e caíram na gargalhada. Eu achei isso ótimo, porque não precisei bater no pai delas.

– Ué, não entendi isso!

– Claro general, eu bati foi nas três metidas, fiz questão de enlamear e rasgar os vestidos delas. E, ainda por cima, lembrei de fazer algo que eu não tinha feito com o primeiro pretendente. Gritei para elas todos os palavrões mais cabeludos que meus irmãos me ensinaram, coisa de moleque mesmo.

– O tal casamento foi desfeito, é claro.

– Certamente, senhor centurião. Desse eu também estava livre. Assim que a família emproada saiu, eu fui buscar a vara e a entreguei nas mãos do meu pai:

– Pode bater agora. Desta vez eu não vou fugir.

– E ele bateu?

– Umas duas lambadas só. Sem força alguma, mal doeu. Ele estava completamente desacorçoado comigo. Achei que, depois dessa, ia desistir  de me achar marido. Mas aí aconteceram duas coisas que mudaram minha vida para sempre: o atentado do lenhador contra minha irmã e eu e a chegada de Monsieur L’Abbé.

– E como foi isso, Alline de Troyes?

– Pois é, general Jovinus, eu estava a um mês de fazer quatorze anos, quando matei o primeiro homem na vida, o tal lenhador.

– Matou um lenhador... Mas você era só uma criança!

– Ora, Marcellus, Alline é ainda uma criança para mim, mesmo no dia de hoje.

– Engano seu, general, há muito tempo que eu perdi a minha infância. E tudo começou no dia em que eu matei aquele homem. O homem que atacou minha irmã e a mim mesma. Foi assim: Nós estávamos no bosque, conversando perto do meu esconderijo secreto. Minha irmã, obedecendo as ordens de nossa mãe, tentava botar um pouco de “juízo feminino” na minha cabeça. Falava com entusiasmo sobre como é bom ser uma mulher casada com um homem respeitável e de posses, como é bom ser mãe e outras coisas igualmente abomináveis para mim. E contava como estava feliz com seu noivado e com seu casamento que se aproximava. A princesa loira, confirmando as previsões de nosso pai, ia se casar com um rico comerciante de tecidos de Lugdunum, que já havia feito um bom adiantamento de dinheiro para nossa família.

– E o lenhador?

– Estávamos distraídas conversando quando, de repente, surgiu aquele homem enorme e corpulento, com um machado na mão. Minha irmã levou um susto e gritou. O homem pegou-a pelo pulso e a susteve, encantado com tanta beleza numa mulher. Eu também estava usando roupas femininas, mas homem algum me olharia se eu estivesse ao lado de Millène. Ele levantou o machado e grunhiu:

–  Deitadas as duas no chão! Nenhum pio. Quem gritar, morre no fio do meu machado. Você, loira, levante as saias. 

Minha irmã entrou em pânico, chorando e suplicando que ele não tirasse a virgindade dela, que ela iria perder seu casamento e seu futuro. E se debatia, esperneando e gritando. Foi quando eu tive uma intuição maravilhosa. Deitei de fato ao lado de minha irmã e eu suspendi as minhas saias. E abaixei as peças íntimas, me expondo totalmente ao homem. E gritei:

– Você é um idiota se fica querendo essa aí que não quer nada, e desperdiça quem gosta e está querendo. Venha logo, seu pateta. –  e escancarei as pernas.

Como eu esperava, ele largou minha irmã e veio para cima do alvo mais fácil, que estava se oferecendo. Ele ficou em pé e afrouxou sua calça, aparecendo nu e pronto para o ataque. Era a primeira vez que eu via aquela coisa enorme e fiquei apavorada. Mas eu não podia perder o controle: a virgindade e o casamento, toda a felicidade de minha irmã, dependiam de mim. Deixei que ele deitasse em cima de mim, quase me sufocando com seu enorme peso. E, quando ele se preparava para me penetrar, fiz um V com os dedos indicador e médio da mão direita e os joguei com toda força contra os dois olhos dele. O indicador bateu em algo duro, mas o dedo médio encontrou um alvo macio e penetrou fundo no olho do homem. Ele não tinha me penetrado, mas eu o tinha penetrado. E nele doeu e doeu muito!

O gigante deu um berro medonho e rolou para o lado com as mãos nos olhos. Notei que sangrava. Aí não pude deixar de ver que seu... ahnn... membro... já não era tão grande e assustador, não entendi na hora por quê. Mas entendi que era ali que aquele brutamontes deveria ser castigado. Gritei para minha irmã, que estava petrificada, ainda berrando, que corresse para casa e buscasse socorro. Ela não saía do lugar. Apliquei-lhe dois sonoros tabefes, não para ajudar, mas porque fiquei com raiva daquela idiota. Aí ela desandou a correr, mas continuava gritando como uma alucinada.

Eu tinha bem pouco tempo para resolver o que fazer. O brutamontes já estava me olhando com o olho bom cheio de ódio, mas ainda morrendo de dor no olho ferido. Então me abaixei, peguei o machado dele e desferi-lhe um golpe bem naquela coisa que ele queria enfiar em mim minutos atrás. Não sei o que aconteceu, não sei onde pegou exatamente, só sei que ele gritou e começou imediatamente a vomitar. Agora eu via sangue na parte de baixo também, além do olho.

– Por Júpiter, menina, eu nunca acreditaria se alguém me contasse isso. Mas sendo você quem conta, só pode ser verdade. E o que aconteceu a seguir?

– Bem, centurião, eu sentei num tronco e fiquei observando o homem. E pensando: se esse monstro escapa disto, várias coisas podem acontecer. Ele pode querer se vingar de mim. Isso não me impressionou muito, posto que, em nenhum momento, eu tinha ficado com medo dele. Mas pensei também: ele pode atacar minha irmã de novo. E aí comecei a ficar com muita raiva dele. Mas, a seguir, imaginei o seguinte: este maldito já deve ter atacado outras mulheres antes e pode atacar outras depois. E foi aí que eu o condenei à morte!

– Pelos deuses, criatura! Você é toda inacreditável!

– Mas era a decisão acertada, general. É exatamente o mesmo que o senhor ou seus soldados fazem quando eliminam um inimigo perigoso. Ele tinha que morrer. E eu o executei em seguida. Primeiro esperei que ele se recuperasse um pouco e sentasse, já que até então ele estava só rastejando e se contorcendo pelo chão, com uma mão no olho e a outra lá em baixo. Esperei que ele olhasse para mim e compreendesse o que ia acontecer. Esperei segurando o machado dele com as duas mãos. Quando ele enfim, sentado, levantou os olhos para mim, eu gritei:

– Nunca mais, maldito!

E estourei a cabeça dele com uma tremenda machadada. Foi a primeira de muitas mortes que a pequena Alline de Troyes provocou neste mundo, não contando todas as desta noite e madrugada aqui em Catalaunum, lutando ao lado de vocês.

– Moça, eu não posso dizer que estou chocado, porque, para um velho militar como eu, isso não acontece mais. Mas estou embasbacado, de queixo caído, ao ouvir que isso foi feito por você nas vésperas de completar apenas quatorze anos.

– Ah, isso foi só o começo, general. Só o começo...

E Alline soltou um profundo suspiro, o semblante de cansaço e desânimo lhe retornando à expressão.

– E o tal abade? – perguntou, um tanto afoito, o centurião Caius Marcellus

Os olhos de Alline de Troyes se toldaram de lágrimas novamente. Ela suspirou e disse:

– Ah, senhores, esse foi o homem da minha vida! – deixando os dois ainda mais boquiabertos e surpresos.

Continua:  Parte 6 - LUCINUS, O ABADE DE TROYES

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