sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

ALLINE DE TROYES - 3a. Parte
MILTON MACIEL

Fim da 2ª. parte:
– E, com toda certeza, essa será mais uma coisa que ficaremos devendo a você, moça gaulesa. Acho que nunca Roma terá devido tanto a uma mulher de sua nação.

–– Bem, isso não tem importância, senhor. O importante agora é que seus homens cheguem aqui com, pelo menos, uma hora de antecedência em relação aos alamanos. Espero que isso se concretize, para o bem do nosso sucesso.

3ª. parte:
A moça fez então um sinal de silêncio para todos e, surpreendendo-os – mais uma vez! – deitou-se ao comprido no chão. Dali voltou a pedir que não falassem nem se movessem. Então encostou o ouvido ao solo repetidas vezes. Depois arrastou-se para outros pontos e fez a mesma coisa ali. Então ergueu-se de um salto e falou:

– Seus companheiros já estão bem próximos. O ribombar do tropel da cavalaria já é bem nítido e forte.

Outros homens imitaram os movimentos e gestos da jovem gaulesa. Mas nenhum deles ficou satisfeito com o resultado:

– Não sei como essa jovem pode afirmar isso. Eu não escutei nada!

– Isso é porque você não tem treinamento. Mas basta esperar mais um pouco, menos de um quarto de hora, e você vai ver que estou certa.

Caius Marcellus olhava para Alline embevecido: Que prodígio! – pensou. Mas a moça falou algo mais:

– Só que há algo que me preocupou: creio ter ouvido também o ruído dos alamanos, avançando pelo Sul. Se for assim, eles estão muito mais próximos do que eu esperava.

– Tanto quanto os romanos?

– Não, o som ainda é muito fraco e pouco distinto. Mas não há dúvida que são eles. Depois que os romanos chegarem, poderei escutar novamente e então terei uma informação mais exata para passar.

Confirmando o que a moça dissera, menos de dez minutos depois os primeiros vultos escuros de soldados romanos começaram a se fazer visíveis no horizonte norte. Mais cinco minutos e estavam já desmontando, reunindo-se aos homens de Marcellus.

O general Jovinus confabulou com o centurião, que o levou a fazer uma rápida inspeção no local. Então ele voltou a sentir o desconforto que lhe provocavam as iniciativas de Alline de Troyes. Voltou a dirigir-se a ela:

– Com que então agora, gaulesa, você determina o local das batalhas de Roma?

– Desta aqui, sim, senhor. A menos que tenha um lugar melhor. Mas já lhe adianto que percorri cerca de meia légua adiante deste ponto e nada encontrei. E tenho certeza que o senhor também não encontrou nada melhor pelo caminho por onde veio. Garanto-lhe que este é o melhor lugar, o único onde podemos emboscar os alamanos.

O general apenas grunhiu alguma coisa em voz baixa. Alline prosseguiu:

– Mas desde que os senhores andem muito rápido, porque os inimigos que vêem pelo sul já estão bem próximos daqui.

– Ora, menina, e como é que você pode saber isso? Bruxaria, adivinhações, por acaso?

–  Sei o que digo da mesma forma que soube e avisei a todos aqui que o senhor e seus soldados chegariam em menos de um quarto de hora.

– Isso que ela diz é verdade?

Caius Marcellus e seus homens apressaram-se a confirmar o que a gaulesa falara, explicando ao general o que ela havia feito.

O general voltou-se para Alline novamente:

– Ouvir o chão! Isso é uma técnica válida e eficiente. Mas só se houver uma pessoa treinada e acostumada. Quer dizer que você, jovem...

– Sou acostumada e treinada, senhor. E agora, por favor, se todos os romanos ficarem rigorosamente em silêncio e imóveis, se conseguirem controlar os cavalos de modo que também eles não se movam, eu posso avaliar a distância do inimigo.

Flavius Jovinus aquiesceu e seus oficiais trataram de espalhar a ordem rapidamente. Alline arrojou-se ao chão e repetiu os movimentos de arrasto e de escuta, como fizera antes. Ergueu-se outra vez com um salto e falou alto:

– Um quarto de hora, no máximo, agora. É todo o tempo que têm para se disporem nesta pequena floresta. E não esqueçam: depois disso, a coisa mais importante é o mais absoluto silêncio.

Jovinus apenas gesticulou e seus oficiais passaram imediatamente a posicionar seus homens entre as árvores, dos dois lados da estrada, de forma que ficassem totalmente não-visíveis para quem viesse pelo sul, operação que lhes tomou um bom tempo. Quando procuraram por Alline, viram que ela havia desaparecido.

Mas, após um rápido momento de desconcerto, ouviram sua voz vinda do topo de uma árvore altíssima:

– Lá vêm eles! Já são visíveis. Vêm com muita pressa. Galopam.

O general deu suas últimas determinações e ordenou silêncio absoluto, alguns homens lutando para controlar suas montarias mais indóceis.

Cinco minutos depois, a vanguarda do exército alamano do sul despontou na estrada, entre as árvores. À frente deles, um homem mais paramentado, que parecia ser o general comandante de todos.

Jovinus deixou que ele e sua vanguarda passassem e ergueu o braço para ordenar o ataque. Mas, segundos antes que ele o fizesse, todos ouviram um grito e viram o possível líder dos alamanos ser arremessado ao chão, trespassado por uma flecha. A seta viera do alto de uma árvore!

Os alamanos estacaram e os romanos arrojaram-se incontinente sobre eles. Jovinus ainda com o braço levantado, tinha a cara mais perplexa deste mundo: ELA, de novo!

O general abaixou o braço disfarçando, conformado. Ela estava certa, a danada! Não podia desperdiçar a oportunidade de acertar o líder inimigo. E que pontaria, nessa quase escuridão, ainda por cima com o alvo em rápido galope!

Como ficar furioso com as iniciativas dessa criatura, se tudo o que ela fazia por conta própria era sempre a coisa certa e vinha sempre para o benefício dos romanos? Jovinus olhou para o alto da árvore e viu que a gaulesa havia descido, estava a menos de 4 metros do chão. Tinha o arco armado em suas mãos e continuava disparando setas mortíferas, que retirava da aljava às suas costas.

Chegava para ele. Desistia! A gaulesa que fizesse o que quisesse, da maneira que quisesse, quando quisesse. Desde que se mantivesse aliada dos romanos. E que aliada!

Caius Marcellus, mais pragmático, já havia chegado antes dele à mesma conclusão. Tanto que passou a chamar a moça gaulesa de “General de Troyes”. Por deus Marte! A criaturinha tinha só 17 anos, era delgada e franzina! Se a visse com roupas femininas, imaginava, teria uma aparência tão frágil que talvez pensassem que ela iria quebrar. Pois sim, como as aparências enganam!


CONTINUA

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