MILTON MACIEL
Fim da 2ª. parte:
– E, com toda
certeza, essa será mais uma coisa que ficaremos devendo a você, moça gaulesa.
Acho que nunca Roma terá devido tanto a uma mulher de sua nação.
–– Bem, isso não
tem importância, senhor. O importante agora é que seus homens cheguem aqui com,
pelo menos, uma hora de antecedência em relação aos alamanos. Espero que isso
se concretize, para o bem do nosso sucesso.
3ª. parte:
A moça fez então
um sinal de silêncio para todos e, surpreendendo-os – mais uma vez! – deitou-se
ao comprido no chão. Dali voltou a pedir que não falassem nem se movessem.
Então encostou o ouvido ao solo repetidas vezes. Depois arrastou-se para outros
pontos e fez a mesma coisa ali. Então ergueu-se de um salto e falou:
– Seus
companheiros já estão bem próximos. O ribombar do tropel da cavalaria já é bem
nítido e forte.
Outros homens
imitaram os movimentos e gestos da jovem gaulesa. Mas nenhum deles ficou satisfeito
com o resultado:
– Não sei como
essa jovem pode afirmar isso. Eu não escutei nada!
– Isso é porque
você não tem treinamento. Mas basta esperar mais um pouco, menos de um quarto
de hora, e você vai ver que estou certa.
Caius Marcellus
olhava para Alline embevecido: Que
prodígio! – pensou. Mas a moça falou algo mais:
– Só que há algo
que me preocupou: creio ter ouvido também o ruído dos alamanos, avançando pelo
Sul. Se for assim, eles estão muito mais próximos do que eu esperava.
– Tanto quanto
os romanos?
– Não, o som
ainda é muito fraco e pouco distinto. Mas não há dúvida que são eles. Depois
que os romanos chegarem, poderei escutar novamente e então terei uma informação
mais exata para passar.
Confirmando o
que a moça dissera, menos de dez minutos depois os primeiros vultos escuros de
soldados romanos começaram a se fazer visíveis no horizonte norte. Mais cinco
minutos e estavam já desmontando, reunindo-se aos homens de Marcellus.
O general
Jovinus confabulou com o centurião, que o levou a fazer uma rápida inspeção no
local. Então ele voltou a sentir o desconforto que lhe provocavam as
iniciativas de Alline de Troyes. Voltou a dirigir-se a ela:
– Com que então
agora, gaulesa, você determina o local das batalhas de Roma?
– Desta aqui,
sim, senhor. A menos que tenha um lugar melhor. Mas já lhe adianto que percorri
cerca de meia légua adiante deste ponto e nada encontrei. E tenho certeza que o
senhor também não encontrou nada melhor pelo caminho por onde veio. Garanto-lhe
que este é o melhor lugar, o único onde podemos emboscar os alamanos.
O general apenas
grunhiu alguma coisa em voz baixa. Alline prosseguiu:
– Mas desde que
os senhores andem muito rápido, porque os inimigos que vêem pelo sul já estão
bem próximos daqui.
– Ora, menina, e
como é que você pode saber isso? Bruxaria, adivinhações, por acaso?
– Sei o que digo da mesma forma que soube e
avisei a todos aqui que o senhor e seus soldados chegariam em menos de um
quarto de hora.
– Isso que ela
diz é verdade?
Caius Marcellus
e seus homens apressaram-se a confirmar o que a gaulesa falara, explicando ao
general o que ela havia feito.
O general
voltou-se para Alline novamente:
– Ouvir o chão!
Isso é uma técnica válida e eficiente. Mas só se houver uma pessoa treinada e
acostumada. Quer dizer que você, jovem...
– Sou acostumada
e treinada, senhor. E agora, por favor, se todos os romanos ficarem
rigorosamente em silêncio e imóveis, se conseguirem controlar os cavalos de
modo que também eles não se movam, eu posso avaliar a distância do inimigo.
Flavius Jovinus
aquiesceu e seus oficiais trataram de espalhar a ordem rapidamente. Alline
arrojou-se ao chão e repetiu os movimentos de arrasto e de escuta, como fizera
antes. Ergueu-se outra vez com um salto e falou alto:
– Um quarto de
hora, no máximo, agora. É todo o tempo que têm para se disporem nesta pequena
floresta. E não esqueçam: depois disso, a coisa mais importante é o mais
absoluto silêncio.
Jovinus apenas
gesticulou e seus oficiais passaram imediatamente a posicionar seus homens entre
as árvores, dos dois lados da estrada, de forma que ficassem totalmente
não-visíveis para quem viesse pelo sul, operação que lhes tomou um bom tempo. Quando
procuraram por Alline, viram que ela havia desaparecido.
Mas, após um
rápido momento de desconcerto, ouviram sua voz vinda do topo de uma árvore
altíssima:
– Lá vêm eles!
Já são visíveis. Vêm com muita pressa. Galopam.
O general deu
suas últimas determinações e ordenou silêncio absoluto, alguns homens lutando
para controlar suas montarias mais indóceis.
Cinco minutos
depois, a vanguarda do exército alamano do sul despontou na estrada, entre as
árvores. À frente deles, um homem mais paramentado, que parecia ser o general
comandante de todos.
Jovinus deixou
que ele e sua vanguarda passassem e ergueu o braço para ordenar o ataque. Mas,
segundos antes que ele o fizesse, todos ouviram um grito e viram o possível
líder dos alamanos ser arremessado ao chão, trespassado por uma flecha. A seta
viera do alto de uma árvore!
Os alamanos
estacaram e os romanos arrojaram-se incontinente sobre eles. Jovinus ainda com
o braço levantado, tinha a cara mais perplexa deste mundo: ELA, de novo!
O general
abaixou o braço disfarçando, conformado. Ela estava certa, a danada! Não podia
desperdiçar a oportunidade de acertar o líder inimigo. E que pontaria, nessa
quase escuridão, ainda por cima com o alvo em rápido galope!
Como ficar
furioso com as iniciativas dessa criatura, se tudo o que ela fazia por conta
própria era sempre a coisa certa e vinha sempre para o benefício dos romanos?
Jovinus olhou para o alto da árvore e viu que a gaulesa havia descido, estava a
menos de 4 metros do chão. Tinha o arco armado em suas mãos e continuava disparando
setas mortíferas, que retirava da aljava às suas costas.
Chegava para ele. Desistia! A gaulesa que fizesse o
que quisesse, da maneira que quisesse, quando quisesse. Desde que se mantivesse
aliada dos romanos. E que aliada!
Caius Marcellus,
mais pragmático, já havia chegado antes dele à mesma conclusão. Tanto que
passou a chamar a moça gaulesa de “General de Troyes”. Por deus Marte! A
criaturinha tinha só 17 anos, era delgada e franzina! Se a visse com roupas
femininas, imaginava, teria uma aparência tão frágil que talvez pensassem que
ela iria quebrar. Pois sim, como as aparências enganam!
CONTINUA
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