quinta-feira, 31 de julho de 2014

JOÃO RAMALHO NO PARAÍSO - 13a. Parte  
MILTON MACIEL  

Fim da 12a. parte:
Dizer que o marido veio me pedir isso só para agradar a mulher dele. Deve gostar muito dela. Na Europa isso jamais aconteceria. Os homens têm a mulher em muito pouca conta. Jesus, eu sou um bicho selvagem, selvagem como todos os europeus! Mas nunca mais que eu volto para aquele mundo mesquinho. Jamari tem razão: EU QUERO SER ÍNDIO!

A seu lado, os grandes seios espalhados generosamente sobre o peito e o ventre dele, a índia voltara a acarinhá-lo e a lhe sorrir, cantando suavemente. Sim, João Ramalho estava de fato no PARAÍSO! 

13.a parte: Piratininga é peixe seco. Estranhos costumes de estranhos povos
Muitos dias passou João Ramalho nesse paraíso do litoral, vivendo a boa vida, comendo do bom e do melhor, sendo o ai-Jesus das índias solteiras e casadas. Era respeitado e tratado com camaradagem evidente pelos outros homens, confirmando aquilo que Jamari lhe antecipara: “João é homem importante agora, vai ser da família de cacique Tibiriçá.” Era tratado por todos como se já fosse marido de Potira e, portanto, em termos portugueses, genro do grande chefe de Inhapuambuçu.

Durante todo esse tempo, quer com a ajuda direta e muito interessada de Jamari, quer com o seu mais do que agradável convívio com as índias, a preocupação maior de João Ramalho era aprender a falar o idioma dos indígenas. E, também, compreender um pouco da história e da geografia daquele lugar e daquelas pessoas.

Uma das primeiras coisas que aprendeu é que o grupo ou tribo de Jamari era conhecido por todos os demais indígenas da região como Guayanã.

– Os peró (que ele aprendeu que era um dos nomes dados aos portugueses como ele) nos chamam de guaianases. Guayanã quer dizer ‘manso mesmo’, quer dizer que nós não é índio selvagem que tá sempre brigando e atacando os peró. E nem os outros índio. Nós é parente dos carijó e dos Tuppin Ikin. E nós tudo é inimigo dos Tuppin Inbá. Os peró diz tupiniquim pra nós e diz tupinambá pros outro.

João Ramalho quis saber mais:

– Mas vocês são guaianases ou são tupiniquins, afinal?

– Guainás. Mas é quase que o mesmo, muito parecido, língua quase igual, corpo igual, muitos são misturado dos dois povo. Nós fica aqui e mais pra baixo, até as terra dos carijó. E nós fica também lá em cima da serra de Paranapiacaba, se espalha em terra alta e plana, até Piratininga e sobe pelo rio Paraíba.

– E o que é essa Piratininga?

– Essa é lugar de Inhapuambuçu. Pirá é peixe. Piratininga é peixe seco. Lá tem muitos rio, como Ipiranga, Tamanduateí, Tietê e eles inunda tudo, quando as água baixa, os peixe fica tudo preso, não consegue voltar pros rio. As pessoa pega os peixe tudo e põe pra secar no sol. Peixe seco. Piratininga. Lugar muito grande, muito bom de viver. Muita comida, muita caça.

– E por que você e seu pai têm aldeia aqui na praia, então?

– Aldeia na praia importante. Nós pega muito peixe que vem do mar, pega sal da água, salga peixe, seca; e depois leva tudo pra Piratininga. Muito importante. E também quando tempo de frio, aqui é mais bom, menos frio, gostoso de viver. E vem muito mais peixe e marisco do mar.

– Você quer dizer “no inverno”?

– Ah, isso aí, inverno! Esqueci o nome. É, no inverno nós pega muito mais peixe e marisco; no verão, como agora, pega menos. Mas tem muito peixe nos rio também; e tem muita caça. E as mulher planta roça de milho e de mandioca. Muita comida, muita! Muita fruta e tem mel das abelha também.  Aqui é bom lugar de se viver também. Eu gosto mais daqui do que de Piratininga. Fico muito mais tempo aqui.

– Mas você também mora lá em cima?

– Sim, todos nós. Uns fica aqui em baixo, outros vai lá pra cima. E depois troca. Vem quem quer, vai quem quer, e todo mundo vive feliz.

– Hom’essa, mas que vocês são mesmo uns folgazões, sabem viver muito bem! Que maravilha isso. Mas me diga, esse outro nome que você falou, o tal de tupinambá?

– É índio como nós, fala mesma língua, mas é nosso inimigo. E a terra deles é bem perto daqui, começa em Bertioga, passa por Iperoig, Paraty, Mancucaba, Ariró, tudo isso tem aldeia grande dos tupinambá.

– E vocês têm guerra com esses índios tupinambás?

– Sempre! A vida toda nós brigou com os tupinambá. Eles ataca nós de surpresa, nós ataca eles de surpresa. Quando tem colheita de mandioca, de milho, que é melhor pra fazer guerra.

– Mas por que razão, ora pois?

– Porque com muita mandioca e milho as mulher pode fazer muito, muito cauim. E aí nós pode beber muito, como na festa que você conheceu, pra comemorar que ganhou guerra, que fez bastante prisioneiro.

– Mas, quando vocês ganham a batalha, vocês não tomam as terras deles, as aldeias deles?

– Mas que ideia, João!!! Pra que nós quer as terra onde eles tá? Terra não é de ninguém. Hoje nós tá aqui, caça, pesca, planta. Daqui pouco tempo terra fica fraca, nós caçou muitos bicho, pescou muito peixe, ficou menos comida. Então o que nós faz? Vai-se embora, pega outra terra um pouco mais pra lá, onde tudo tá novo e abundante.

– Mas... E esta aldeia, por exemplo? Vocês abandonam tudo o que construíram?

– Claro que abandona, João. Não serve pra mais nada. Nós abandona e a aldeia vira tapera.

– Tapera?

– Sim, tapera quer dizer aldeia abandonada. João vai ver muita tapera lá em cima, de Paranapiacaba até Piratininga tem muita.
CONTINUA

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