terça-feira, 15 de julho de 2014

JOÃO RAMALHO NO PARAÍSO - 8a. parte
MILTON MACIEL

Fim da 7a. parte:
Potira fez a mesma coisa, apontando o dedo da mãozinha delicada para as montanhas:

– Potira Inhapuambuçu. Jaao Aramalho Inhapuambuçu?

Céus, será que ela estava perguntando se ele conhecia esse lugar lá em cima das montanhas? Impossível! Ou será – mais impossível ainda – que ela estava perguntando se ele queria ir até Inhapuambuçu?

8a. Parte:
Se dúvida havia, na mesma hora ela acabou. Pois a moça fez, com o dedo indicador e o médio da mão direita, a gesticulação típica de uma pessoa caminhando. Com o indicador da outra mão, apontou para João Ramalho. E começou a elevar a mão direita, mostrando que a pessoa agora subia e subia muito, numa longa escalada. Então os dedos retomaram o movimento na horizontal, bem acima da cabeça da moça, andaram mais um tempo e pararam. E Potira disse:

– Inhapuambuçu. Jaao Aramalho Inhapuambuçu.

Sim! Era isso, ela tinha sido muito clara: João Ramalho escalando a serra e andando lá em cima, andando bastante, num evidente planalto, até chegar ao lugar onde o chefe Tibiriçá era o cacique. E Potira, a filha do cacique, convidava João Ramalho para ir até esse lugar. Por que seria?

O coração do português disparou. Será que ela tinha gostado dele da mesma forma que ele tinha gostado dela? Será que uma coisa assim era possível entre duas criaturas tão diferentes, duas criaturas de dois mundos tão opostos? Precisava ser prudente, estava só e desarmado no meio de centenas de gentios selvagens.

Mas o que aquelas criaturas gentis e sorridentes, tão hospitaleiras, podiam ter de selvagens? Elas, que o tinham recebido com a maior simpatia e liberalidade, mostrando-se genuinamente contentes com sua presença, exceção feita, até agora, unicamente ao mau cheiro de suas roupas e botas. Mais selvagens seriam os seus patrícios das caravelas, que contavam apresar vários desses índios para fazê-los trabalhar como escravos!

Mas, ainda assim, precisava ser prudente, não conhecia nada sobre os costumes dessa gente e o pai da moça poderia proibir que ele subisse a serra como ela sugerira a João. E, se ele se mostrasse muito interessado em ir, o cacique poderia tomar aquilo como uma ousadia, uma afronta, sabe-se lá o que!

Mas a surpresa do rapaz tornou-se ainda maior quando o próprio chefe repetiu os gestos da filha e falou em seu limitado português:

– João vai Inhapuambuçu. Lá. Potira gosta João. João gosta Potira? Potira aisó. Potira formosa.

O português apressou-se a responder, tentando simplificar as palavras:

– João gosta Potira. Potira formosa. João vai Inhapuambuçu. Gosta de Potira. Gosta muito de Potira. Potira aisó! – e essa era a sua primeira palavra intencionalmente pronunciada em idioma tupi.

O chefe Tibiriçá sorriu, fez um gesto de assentimento com a cabeça, e falou bem alto, dirigindo-se agora a todos os presentes:

– João abaíba Potira. Abaíba.

A moça sorriu e movimentou a cabeça fazendo um sim mais do que entusiasmado. E todos os índios ali presentes se aproximaram imediatamente dela e de João Ramalho e passaram a tocar nos braços deles, sorridentes. Era evidente que os cumprimentavam. 

Abaíba? O que significaria aquela palavra? João Ramalho ainda não sabia, mas descobriria em seguida: abaíba queria dizer NOIVO, namorado prometido de casamento.

Enquanto ainda eram rodeados pelas pessoas que os cumprimentavam, o português viu que várias mulheres entravam na grande oca, trazendo diversos tipos diferentes de comidas, frutas, carnes e peixes assados. Na mesma hora sentiu-se explodir de júbilo e de fome. De fato, desde o almoço no navio, nada mais havia entrado em seu estômago, exceto uma quantidade imensa de água do mar, quando começou a se afogar.

Parecia mentira para ele que tudo aquilo tivesse acontecido num intervalo de tempo de apenas algumas horas. No início da tarde a despedida da vida, a certeza da morte, o despertar no Paraíso, o encontro com as índias adolescentes que o encantaram e depois tomaram conta dele como se ele lhes pertencesse. O medo ao encontrar os outros indígenas, principalmente os homens e, entre eles, os chefes. Depois a surpresa agradável de ser recebido com tanta alegria e cordialidade.
CONTINUA

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