MILTON MACIEL
Fim da 3a. parte:
João Ramalho aceitou o inevitável. Era o fim! Não conseguia mais
manter os olhos abertos, os músculos lhe doíam como se tivessem agulhas por
toda a extensão do corpo. João largou a trave e fez uma última arremetida
desesperada em direção à areia branca. Tarde demais, no entanto: a exaustão
dominou-o e ele começou a afundar, engolindo água e não conseguindo mais
respirar. Tudo ficou totalmente escuro.
4a. parte:
Horas depois, já
ao final do dia, João Ramalho teve a sensação que estava despertando de um
longo sonho. Então aquilo é que era morrer! Havia morrido afogado e agora
estava deitado de barriga para cima em algum lugar que não sabia o que fosse.
Estava completamente seco e um calor agradável tomava conta de todo seu corpo.
Que delícia para quem, momentos antes, lutava como um louco contra aquela água
gelada. Que calor gostoso, que chegava a lhe dar quentura até nos ossos! E uma
ardência diferente na pele. Ah, se morrer era assim, então morrer era bom! A
praga de sua mãe se cumprira, mas ele não estava infeliz. Fechou os olhos
novamente e continuou desfrutando do calor amigo que parecia vir daquele sol
que já descambava em direção à montanha. Então pareceu-lhe ouvir algo com
cochichos e risadas leves de pessoas e uma sombra toldou-lhe a visão de luz
avermelhada que se infiltrava através de suas pálpebras fechadas.
João Ramalho
abriu os olhos e o que viu deixou-o extasiado. Sim senhor, estava morto e bem
morto. Mas estava no Paraíso! Pois além daquele calor maravilhoso, além daquele
sol dourado, o que ele viu logo acima de sua cabeça lhe deu essa certeza:
Uma ratinha!
Sim não havia
dúvida. Era mesmo um ratinha, aquela mimosa rachinha que as mulheres têm no
meio das pernas, só que essa não tinha aquele tufo de pelos negros e crespos,
tão ramalhudos quanto sua barba. Era uma ratinha sem pelos. Aí mesmo é que João
Ramalho teve certeza que estava no Paraíso. Pois essa era sua concepção de
Paraíso há muito tempo: um lugar onde um homem chega e encontra uma mulher
maravilhosa e jovem a esperá-lo. Uma só? Não o que João via agora, a pairar
sobre ele, era uma nuvem de ratinhas, todas peladinhas, todas do Paraíso.
Muitas mulheres muito jovens andavam ao redor dele, conversavam e riam.
Uma delas, mais
decidida, ajoelhou-se ao lado dele e começou a puxar a sua barba. Logo muitas
outras fizeram a mesma coisa. E João viu que elas estavam todas entusiasmadas
com sua barba ramalhuda.
Que sorte que
tivera de morrer! Será que era verdadeira a história que o Tio Xavier lhes
havia contado, numa noite de chuva e bebedeira? Era uma história que dizia que
os árabes que morrem em batalha vão direto para o paraíso e lá recebem pelo
menos vinte jovens virgens para amar, mulheres que nunca envelhecem, nunca
engordam e não têm umbigo.
Mas as donas
daquelas lindas ratinhas sem pelos tinham umbigo! Então o que queria dizer
aquilo tudo?.
No instante
seguinte, quando as mocinhas o tomaram pelos braços e o fizeram erguer-se, João
Ramalho compreendeu a verdade: ele não tinha morrido, estava vivo, vivíssimo e
no meio de grupo de indiazinhas tagarelas e totalmente peladas. Que raparigas
formosas! Que cor maravilhosa de gente saudável, sem aquelas brancuras flácidas
de sua mulher Catarina. E sem aquele monte despropositado de pentelhos a tudo
atrapalhar. Estas aqui andavam nuinhas em pelo, quer dizer, nuinhas sem pelo,
coisas mais formosas nunca lhe fora dado observar em vida. E como, vistas e
sentidas tão de perto, delas não se exalavam aqueles cheiros azedos que vinham
de sua mulher descuidosa e pouco dada às higienes.
As indígenas
cheiravam a pele! Exalavam um aroma
sutil e adocicado de pele limpa e saudável, de jovens fêmeas em cio. E
hom’essa, que gente mais bem humorada, pois se é! Onde em todo Portugal poderia
ele imaginar gente assim tão amistosa, sorridente, e dada por demais ao rir e
ao brincar?
As moças o foram
puxando pelas duas mãos e o empurrando suavemente pelos ombros, até que ele
entendeu que queriam que caminhasse com elas em uma certa direção. João seguiu
com elas, enquanto as comia com os olhos, vendo aquele festival de corpos
perfeitos e desnudos, algo com que jamais tinha sequer sonhado na vida. As
indiazinhas percebiam claramente a excitação do português e o atiçavam ainda
mais, parecendo divertir-se muito com aquilo tudo. Conversavam e riam às
gargalhadas, estavam completamente à vontade, nuas daquele jeito na frente de
um homem.
CONTINUA
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