terça-feira, 8 de julho de 2014

JOÃO RAMALHO NO PARAÍSO - 4.a parte    
MILTON MACIEL

Fim da 3a. parte:
João Ramalho aceitou o inevitável. Era o fim! Não conseguia mais manter os olhos abertos, os músculos lhe doíam como se tivessem agulhas por toda a extensão do corpo. João largou a trave e fez uma última arremetida desesperada em direção à areia branca. Tarde demais, no entanto: a exaustão dominou-o e ele começou a afundar, engolindo água e não conseguindo mais respirar. Tudo ficou totalmente escuro.

4a. parte:
Horas depois, já ao final do dia, João Ramalho teve a sensação que estava despertando de um longo sonho. Então aquilo é que era morrer! Havia morrido afogado e agora estava deitado de barriga para cima em algum lugar que não sabia o que fosse. Estava completamente seco e um calor agradável tomava conta de todo seu corpo. Que delícia para quem, momentos antes, lutava como um louco contra aquela água gelada. Que calor gostoso, que chegava a lhe dar quentura até nos ossos! E uma ardência diferente na pele. Ah, se morrer era assim, então morrer era bom! A praga de sua mãe se cumprira, mas ele não estava infeliz. Fechou os olhos novamente e continuou desfrutando do calor amigo que parecia vir daquele sol que já descambava em direção à montanha. Então pareceu-lhe ouvir algo com cochichos e risadas leves de pessoas e uma sombra toldou-lhe a visão de luz avermelhada que se infiltrava através de suas pálpebras fechadas.

João Ramalho abriu os olhos e o que viu deixou-o extasiado. Sim senhor, estava morto e bem morto. Mas estava no Paraíso! Pois além daquele calor maravilhoso, além daquele sol dourado, o que ele viu logo acima de sua cabeça lhe deu essa certeza:

Uma ratinha!

Sim não havia dúvida. Era mesmo um ratinha, aquela mimosa rachinha que as mulheres têm no meio das pernas, só que essa não tinha aquele tufo de pelos negros e crespos, tão ramalhudos quanto sua barba. Era uma ratinha sem pelos. Aí mesmo é que João Ramalho teve certeza que estava no Paraíso. Pois essa era sua concepção de Paraíso há muito tempo: um lugar onde um homem chega e encontra uma mulher maravilhosa e jovem a esperá-lo. Uma só? Não o que João via agora, a pairar sobre ele, era uma nuvem de ratinhas, todas peladinhas, todas do Paraíso. Muitas mulheres muito jovens andavam ao redor dele, conversavam e riam.

Uma delas, mais decidida, ajoelhou-se ao lado dele e começou a puxar a sua barba. Logo muitas outras fizeram a mesma coisa. E João viu que elas estavam todas entusiasmadas com sua barba ramalhuda.

Que sorte que tivera de morrer! Será que era verdadeira a história que o Tio Xavier lhes havia contado, numa noite de chuva e bebedeira? Era uma história que dizia que os árabes que morrem em batalha vão direto para o paraíso e lá recebem pelo menos vinte jovens virgens para amar, mulheres que nunca envelhecem, nunca engordam e não têm umbigo.

Mas as donas daquelas lindas ratinhas sem pelos tinham umbigo! Então o que queria dizer aquilo tudo?.

No instante seguinte, quando as mocinhas o tomaram pelos braços e o fizeram erguer-se, João Ramalho compreendeu a verdade: ele não tinha morrido, estava vivo, vivíssimo e no meio de grupo de indiazinhas tagarelas e totalmente peladas. Que raparigas formosas! Que cor maravilhosa de gente saudável, sem aquelas brancuras flácidas de sua mulher Catarina. E sem aquele monte despropositado de pentelhos a tudo atrapalhar. Estas aqui andavam nuinhas em pelo, quer dizer, nuinhas sem pelo, coisas mais formosas nunca lhe fora dado observar em vida. E como, vistas e sentidas tão de perto, delas não se exalavam aqueles cheiros azedos que vinham de sua mulher descuidosa e pouco dada às higienes.

As indígenas cheiravam a pele!  Exalavam um aroma sutil e adocicado de pele limpa e saudável, de jovens fêmeas em cio. E hom’essa, que gente mais bem humorada, pois se é! Onde em todo Portugal poderia ele imaginar gente assim tão amistosa, sorridente, e dada por demais ao rir e ao brincar?

As moças o foram puxando pelas duas mãos e o empurrando suavemente pelos ombros, até que ele entendeu que queriam que caminhasse com elas em uma certa direção. João seguiu com elas, enquanto as comia com os olhos, vendo aquele festival de corpos perfeitos e desnudos, algo com que jamais tinha sequer sonhado na vida. As indiazinhas percebiam claramente a excitação do português e o atiçavam ainda mais, parecendo divertir-se muito com aquilo tudo. Conversavam e riam às gargalhadas, estavam completamente à vontade, nuas daquele jeito na frente de um homem.

João compreendeu claramente que havia sobrevivido ao naufrágio, mas, se isso tinha acontecido, fora por um verdadeiro  milagre, pois a última lembrança que tinha é que 
CONTINUA

Nenhum comentário:

Postar um comentário