segunda-feira, 28 de julho de 2014

JOÃO RAMALHO NO PARAÍSO - 12a. Parte  
MILTON MACIEL  

Fim da 11a. parte:
– Ai, Jesus! Tu me deixas tonto, ó Jamari, com tuas palavras. De fato, pelo que tenho visto, o mundo de vocês é tão melhor do que o nosso...

– É sim, João Ramalho. Deixa Jamari dar conselho pra João. Conselho de amigo. Jamari amigo de João. Potira não pode ser portuguesa como João. Mas João pode ser índio como Potira, como Jamari, como Tibiriçá.

– Que dizes tu, homem? Como assim, posso eu ser índio? Se sou branco como cera perto de vocês...

12a. parte: 
– Cera é aquela coisa de vela, não? Ora, João, não importa a cor de pele, João pode ser índio se aprende viver como índio, falar como índio, andar sem roupa como índio, caçar, pescar e lutar como índio. Isso é que importa. E a gostar da vida, gostar das pessoa, gostar de se divertir, de dançar, de brincar.

– Hom’essa, tu me deixas doidinho. Imagina-te eu um bugre! Ah, mas eu só queria ver a cara das Catarinas, se me vissem pelado como um de vocês e comendo como vocês comem. E bebendo como vocês bebem, que é um espanto!

– E quem é essa Catarinas, isso é uma mulher, não é?

– Sim, sim, ó Jamari, estás certo. Catarinas é o nome de minha mãe. Catarinas Balbode.

­Não havia porque falar da outra Catarina, de nada lhe valeria dizer que já era casado no outro lado do mundo. Ainda bem que Jamari fazia sempre uma salada dos diabos com singular e plural. Mas isso haveria de acabar. Se um amigo ia ensinar o outro a falar tupi, então a recíproca tinha que ser verdadeira: ele haveria de ensinar Jamari a falar um português muito melhor. E mais, estava decidido: ia ensinar Jamari a ler e escrever em português! Ele, João, podia não ser nenhum homem de letras, mas também não era nenhum analfabeto.

Quando falou dessa sua intenção, viu lágrimas subirem aos olhos do amigo indígena, que o abraçou da mesma forma que fora abraçado por João no dia anterior:

– Tibiriçá certo, muito certo: João Ramalho homem bom. Homem muito bom. João Ramalho amigo Jamari, Jamari amigo João Ramalho.

E os dois homens, dois jovens espécimes de dois mundos tão diferentes, deixaram-se ficar assim por um longo tempo, com os braços um sobre o ombro do outro, o que, João Ramalho aprendeu naquela hora, era um gesto universal, tão válido na Europa como nas Américas... Já tinha visto as moças abraçadas assim, tinha visto guerreiros adultos enlaçados assim. Mas raríssimas vezes tinha visto algo assim em sua terra natal.

Os dias que se seguiram forma de puro encantamento para o português. Brincou com um grande número de índias, convencendo-se enfim que não devia alimentar seus preconceitos europeus, já que nem elas, nem mesmo sua prometida Potira os tinham.

Pensou que nada mais o pudesse surpreender com aqueles gentios adoráveis, mas algo ainda mais chocante lhe aconteceu. Um dia um índio de meia idade veio lhe falar, ainda com Jamari como intérprete. João Ramalho mal pôde acreditar:

– Ele vem dizer que mulher dele quer brincar com João também.

– Com a breca! O que estás a dizer? Como é isso possível?

– O que tem de estranho, João? Ele quer agradar mulher dele. E mulher dele tem vontade de brincar com João, como as menina tudo faz. Qual é problema?

– Mas se ela é mulher casada, Jamari! Isso é adultério. É pecado!

– João segue com bobage de padre. Esse tal de adulte... essa coisa aí, não é não. Marido acha bom, mulher acha bom. Só se João não quer mulher porque acha feia, aí sim pode dizer não. Senão, ofende Pari, homem bom.

João Ramalho pensou e pensou. Enquanto isso, o índio, ouvindo uma recomendação de Jamari, saiu e foi buscar sua mulher. Ela chegou encabulada, mas foi logo passando a mão no braço e depois puxando a barba ramalhuda do rapaz. Este encarou a mulher com cuidado. Ela era mais corpulenta, um tanto barriguda, os seios grandes e caídos. Nem um pouco desejável, se comparada coma as meninas adolescentes que vinham buscá-lo todo dia para o riacho, para a rede, para o mato.

Jamari fez um sinal para João, dando a entender que ele devia dar uma resposta logo. Ramalho hesitou mais um pouco, mas achou que de fato deveria ser uma grande ofensa ao marido, além de o ser obviamente à mulher, se ele se recusasse a atender o pedido deles. Fez com a cabeça que sim e o índio deu-lhe um meio-abraço, com um sorriso de satisfação.

Então a índia se identificou como Ecira e tratou de levar João Ramalho para o mato imediatamente. O português, muito bem abastecido de mocinhas, ficou com medo de fracassar, o que lhe deu nos nervos. Imaginou que, se isso acontecesse, a ofensa poderia ser ainda mais grave, achou que sua vida corria perigo se não fosse capaz de levantar os ânimos com a índia de meia idade.

Mas, outra vez para sua surpresa, a mulher o fez deitar, puxou fora a tanga improvisada que ele usava e começou a falar e a cantar coisas muito delicadas e suaves, enquanto passava a mão suavemente pelas barbas, pelos cabelos, pelo peito e pela barriga de João Ramalho. Manteve-se assim por um longo tempo, o rapaz relaxou completamente e começou a gostar daquela mulher tão carinhosa e tão agradável. E viu que as índias tinham muito mais do que a beleza da mocidade, que eram gente de uma bondade enorme, coisa que ele nunca tinha conhecido antes.

A mulher continuava a acarinhá-lo e a acariciá-lo, era evidente que ela entendia a situação e a dificuldade de João. Não tinha pressa nenhuma, continuava com seu cantar suave e sussurrado. Então os hormônios falaram mais alto e, quando deu por si, já o beirão estava armado para a guerra e pronto para dar combate à nova companheira. E foi o combate mais suave e mais agradável de que participara naquelas terras americanas.

Findo o mesmo, durante o repouso do guerreiro, o rapaz ficou a cismar: Hom’essa! Como pode? Aos poucos ela deixou de ser feia, ficou desejável também. E me ensinou outra forma de fazer amor. Caramba, quanto ainda tenho que aprender com essa gente tão civilizada! Dizer que o marido veio me pedir isso só para agradar a mulher dele. Deve gostar muito dela. Na Europa isso jamais aconteceria. Os homens têm a mulher em muito pouca conta. Jesus, eu sou um bicho selvagem, selvagem como todos os europeus! Mas nunca mais que eu volto para aquele mundo mesquinho. Jamari tem razão: EU QUERO SER ÍNDIO!

A seu lado, os grandes seios espalhados generosamente sobre o peito e o ventre dele, a índia voltara a acarinhá-lo e a lhe sorrir, cantando suavemente. Sim, João Ramalho estava no PARAÍSO.
CONTINUA

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