MILTON MACIEL
Fim da 6a. parte:
Potira! Então esse era o nome daquela indiazinha tão linda,
pensou João Ramalho. E perguntou, apontando o indicador para ela:
– Potira?
A menina apontou para o espaço entre seus belos seios e
confirmou: Potira. E, apontando para
o português, falou: Jaao Aramalho. E repetiu várias vezes:
– Potira, Jaao Aramalho. Potira, Jaao Aramalho.
7a. parte:
João Ramalho
sentia-se estranhamente perturbado na presença daquela moça, mais do que de
qualquer uma das outras. Era como se ela fosse diferente das demais, houvesse
nela algo que o rapaz não conseguia definir – a não ser com a palavra diferente.
Potira era
diferente das outras. Não que fosse mais bonita, porque quase todas elas eram
muito belas, para João Ramalho. Potira também
o era. Mas havia algo nesse diferente...
algo que se impunha de uma forma natural, espontânea. Impunha-se para ele e
para as outras moças também, porque era evidente que as outras a consideravam
uma espécie de líder.
A menina fez
sinal para que ambos saíssem da água e João o fez em silêncio, nadando e depois
andando atrás dela. Demorou-se um pouco a tentar colocar algum pano preso à
cintura, de forma a cobrir suas vergonhas. Potira sacudiu a cabeça
negativamente, levou os dedos às narinas, como quem diz: Não traga essas coisas fedorentas, jogue-as fora!
Mas João Ramalho
ajeitou-se como pôde, amarrou as pernas da calça ao redor da cintura e deixou o
resto dela cobrir-lhe o que queria esconder. O resto de suas roupas e as botas,
levava-as apertadas contra o peito, como se estivesse apavorado de medo de
perdê-las ou ter que abandoná-las.
Quando entraram
de volta na taba, todos os índios e índias começaram a rir da estranha indumentária
do português. Uma das moças contava algo para todos, algo que fazia com que
todos explodissem em novas gargalhadas. João viu que era a moça do sinal de
algo grande inicialmente e que havia diminuído rapidamente. Ela refazia os
mesmos movimentos, primeiro como se apertasse algo numa mão e o movesse para a
frente e para trás, depois colocava as mãos abertas a um palmo uma da outra e,
morrendo de rir, aproximava-as rapidamente uma da outra, até à distância de um
polegar estendido.
João Ramalho
sentiu-se enrubescer mais do que nunca. Raios, era motivo de chacota geral!
Como é que aquela menina não tinha vergonha de contar o que fizera e o que
acontecera com ele a seguir? Procurou pelos olhos de Potira, como a dirigir-lhe
um verdadeiro pedido de socorro. A moça pareceu ter entendido, pois fez-lhe
sinal que se aproximasse dela e a seguisse. E levou-o para dentro de uma grande
oca, onde estavam os homens de mais importância, inclusive os dois que o rapaz
tinha percebido serem os chefes.
O cacique
Tibiriçá, aquele que entendia e falava algumas palavras de português, passou o
braço ao redor dos ombros de Potira e falou para Ramalho, todo contente:
– Potira aisó.
Potira aiyra Tibiriçá. Aiyra.
O rapaz
estremeceu. A moça devia ser mulher do cacique, precisava esquecer seu
interesse por ela urgentemente! Mas Tibiriçá continuou falando e fazendo
gestos. Apontou para a menina, levou a mão espalmada para baixo à altura do
joelho e Ramalho entendeu que ele lhe falava de Potira criança. Depois fez um
gesto de quem pega um bebê no colo e apontou novamente para a moça. E repetiu:
– Potira aiyra
Tibiriçá. Aiyra. Aiyra.
João Ramalho
teve um lampejo de esperança e arriscou uma palavra:
– Filha? Potira
filha Tibiriçá?
Para sua
surpresa o chefe fez que sim com a cabeça, reconheceu a palavra que não
lembrava e falou em português:
– Sim, filha
meu. Filha, aiyra. Filha Tibiriçá.
E, num gesto de
evidente orgulho, acrescentou:
– Potira aisó.
Aisó. Formosa. Potira, formosa.
– Sim, Potira
muito formosa – concordou Ramalho.
A moça
sorriu-lhe com evidente satisfação. O chefe continuou:
– Tibiriçá
cacique Inhapuambuçu.
E, apontando
para cima dos contrafortes das montanhas escassamente delineados na noite de
lua crescente, disse em português:
– Lá. Inhapuambuçu,
lá – e apontava para cima.
Potira fez a
mesma coisa, apontando o dedo da mãozinha delicada para as montanhas:
– Potira
Inhapuambuçu. Jaao Aramalho Inhapuambuçu?
CONTINUA
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