segunda-feira, 14 de julho de 2014

JOÃO RAMALHO NO PARAÍSO - 7a. parte  
MILTON MACIEL  

Fim da 6a. parte:
Potira! Então esse era o nome daquela indiazinha tão linda, pensou João Ramalho. E perguntou, apontando o indicador para ela:

– Potira?

A menina apontou para o espaço entre seus belos seios e confirmou: Potira. E, apontando para o português, falou: Jaao Aramalho. E repetiu várias vezes:

– Potira, Jaao Aramalho. Potira, Jaao Aramalho.

7a. parte: 
João Ramalho sentia-se estranhamente perturbado na presença daquela moça, mais do que de qualquer uma das outras. Era como se ela fosse diferente das demais, houvesse nela algo que o rapaz não conseguia definir – a não ser com a palavra diferente.

Potira era diferente das outras. Não que fosse mais bonita, porque quase todas elas eram muito belas, para João Ramalho. Potira também o era. Mas havia algo nesse diferente... algo que se impunha de uma forma natural, espontânea. Impunha-se para ele e para as outras moças também, porque era evidente que as outras a consideravam uma espécie de líder.

A menina fez sinal para que ambos saíssem da água e João o fez em silêncio, nadando e depois andando atrás dela. Demorou-se um pouco a tentar colocar algum pano preso à cintura, de forma a cobrir suas vergonhas. Potira sacudiu a cabeça negativamente, levou os dedos às narinas, como quem diz: Não traga essas coisas fedorentas, jogue-as fora!

Mas João Ramalho ajeitou-se como pôde, amarrou as pernas da calça ao redor da cintura e deixou o resto dela cobrir-lhe o que queria esconder. O resto de suas roupas e as botas, levava-as apertadas contra o peito, como se estivesse apavorado de medo de perdê-las ou ter que abandoná-las.

Quando entraram de volta na taba, todos os índios e índias começaram a rir da estranha indumentária do português. Uma das moças contava algo para todos, algo que fazia com que todos explodissem em novas gargalhadas. João viu que era a moça do sinal de algo grande inicialmente e que havia diminuído rapidamente. Ela refazia os mesmos movimentos, primeiro como se apertasse algo numa mão e o movesse para a frente e para trás, depois colocava as mãos abertas a um palmo uma da outra e, morrendo de rir, aproximava-as rapidamente uma da outra, até à distância de um polegar estendido.

João Ramalho sentiu-se enrubescer mais do que nunca. Raios, era motivo de chacota geral! Como é que aquela menina não tinha vergonha de contar o que fizera e o que acontecera com ele a seguir? Procurou pelos olhos de Potira, como a dirigir-lhe um verdadeiro pedido de socorro. A moça pareceu ter entendido, pois fez-lhe sinal que se aproximasse dela e a seguisse. E levou-o para dentro de uma grande oca, onde estavam os homens de mais importância, inclusive os dois que o rapaz tinha percebido serem os chefes.

O cacique Tibiriçá, aquele que entendia e falava algumas palavras de português, passou o braço ao redor dos ombros de Potira e falou para Ramalho, todo contente:

– Potira aisó. Potira aiyra Tibiriçá. Aiyra.

O rapaz estremeceu. A moça devia ser mulher do cacique, precisava esquecer seu interesse por ela urgentemente! Mas Tibiriçá continuou falando e fazendo gestos. Apontou para a menina, levou a mão espalmada para baixo à altura do joelho e Ramalho entendeu que ele lhe falava de Potira criança. Depois fez um gesto de quem pega um bebê no colo e apontou novamente para a moça. E repetiu:

– Potira aiyra Tibiriçá. Aiyra. Aiyra.

João Ramalho teve um lampejo de esperança e arriscou uma palavra:

– Filha? Potira filha Tibiriçá?

Para sua surpresa o chefe fez que sim com a cabeça, reconheceu a palavra que não lembrava e falou em português:

– Sim, filha meu. Filha, aiyra. Filha Tibiriçá.

E, num gesto de evidente orgulho, acrescentou:

– Potira aisó. Aisó. Formosa. Potira, formosa.

– Sim, Potira muito formosa – concordou Ramalho.

A moça sorriu-lhe com evidente satisfação. O chefe continuou:

– Tibiriçá cacique Inhapuambuçu.

E, apontando para cima dos contrafortes das montanhas escassamente delineados na noite de lua crescente, disse em português:

– Lá. Inhapuambuçu, lá – e apontava para cima.

Potira fez a mesma coisa, apontando o dedo da mãozinha delicada para as montanhas:

– Potira Inhapuambuçu. Jaao Aramalho Inhapuambuçu?

Céus, será que ela estava perguntando se ele conhecia esse lugar lá em cima das montanhas? Impossível. Ou será – mais impossível ainda – que ela estava perguntando se ele queria ir até Inhapuambuçu?
CONTINUA

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