MILTON MACIEL
O gordo apareceu do nada, na penumbra, arma
na mão:
– Dançô, mermão! Bico calado, senão leva
pipoca.
O outro ladrão apareceu sob a luz do poste,
mancando da perna esquerda:
– Cartera, celular, relógio. O casaco
também. Rapidinho, meu!
O Heitor estava preparado, tinha até
ensaiado muitas vezes o que fazer. Agora estava francamente entusiasmado: finalmente
tinha chegado sua vez! Dez anos morando no Rio de Janeiro e nunca tinha sido
assaltado. Vá ser pé frio assim... Tirou o relógio do pulso, um legítimo
Cartier Made in Turquia, réplica perfeita
e baratinha, 250 reais. Começou a sua parte:
– Calma, turma. Tá aqui o relógio. É Cartier
legítimo. Vê se não vai aceitar qualquer porcaria por ele. Vale muito, pra lá
de quinze mil reais.
– Aí, ó bacana, Se ele vale isso tudo mesmo,
tu não fica emputecido de perdê, não?
– Eu? Claro que não, amanhã mesmo meu sogro
me dá outro.
– Cara! Que sogrão da hora. Eu é que
precisava dum assim, malandro O que é que faz esse teu coroa?
– Ah, o cara tem bando de extermínio na Baixada, sabe como é? É graudão da PM. Mas a grana maior dele vem mesmo é do pó
e dos AR-15.
– Meu! O cara vende bagulho sério, coisa
grande! AR-15!
– E metralhadora, granada, dinamite pra
caixa automático, o coroa é fodão.
O gordo, desconfiado, falou pro manco
– Vem cá, esse bacana não tá engrupindo a
gente, não? E se for mentira?
O Heitor sabia o que fazer e dizer numa
hora dessas. Tirou o celular do bolso e ficou segurando alto em uma das mãos,
enquanto falava:
– Ora, se for mentira, vocês vão saber que
é, porque aí vocês dois vão continuar vivos.
– O que?!
– Claro, se eu escapo e falo pra ele, vocês
tão no bico do corvo. Mas se vocês me matam pra escapar dele, morrem do mesmo
jeito. Só que aí morrem queimados vivos, aos pouquinhos, o velho é sádico pra
caramba, vai queimando o neguinho com o maçarico pedaço por pedaço, chega a
levar mais de dois dias pra completar o serviço todo.
– Que papo maluco é esse, mermão?
– Ah, o velho é doidão, adora fazer maldade
das grandes. Também, pra quem já matou mais de cem...
– Mais de cem, cara!! Tu tá falando a
verdade?
– Experimenta me matar e você descobre quem
é o coroa.
– Tá, mas como é que ele vai ficá sabendo,
cara?
– Ora, olha aqui no celular, olha quem eu
estava filmando, olha a cara de vocês dois aqui.
O bandido manco arrancou o celular da mão
do Heitor:
– Xi, é nóis dois mesmo, mermão. Mas tá
tudo dominado, o celular tá na minha mão, não tem perigo do coroa dele sabê
nada.
– Puxa, assim vocês me decepcionam. Pensei
que fossem mais espertos. Ora, caras, isso não é celular comum, isso é da PM, a
essa altura o filminho de vocês já entrou no arquivo do coroa.
– Mas que papo mais furado é esse, bacana?
Como é que pode?
– Como é que pode é que isso é um
transmissor, malandro. Transmissor da polícia, camarada. Eu tirei do bolso e já
comecei a filmar vocês. Sabe como é, é a minha garantia.
– Mas que garantia, bacana?
– A garantia que vocês não vão me apagar
nem fazer nenhuma gracinha comigo, ora bolas. A hora que o pessoal do coroa
espalhar essas fotos de vocês, vocês vão ser identificados na hora e aí...
– E aí?
– Aí não tem lugar nesse planeta seguro pra
vocês. Vocês tão no bico do maçarico do velho, dois dias inteiros de
churrasquinho.
Os dois bandidos se afastaram uns metros e
começaram a confabular. Iam pagar pra ver? Melhor não. O cara podia ser um puta
dum mentiroso, mas não ia estar com toda aquela firmeza, aquela tranquilidade
absoluta. Os assaltados sempre se borravam de medo. O coroa devia ser fodão mesmo.
E tinha o negócio do fuzil também. Voltaram para o Heitor já sem arma na mão:
– Bacana, tu não fica com medo da gente?
Nem um pouquinho?
– Eu? Medo? Não, até que eu acho legal
gente como vocês, que se viram tirando coisas dos folgados que tem muito, como
eu. Pra dizer a verdade, eu até gostei muito, porque eu tava louco pra ser
assaltado aqui no Rio.
– Mermão, tu é mais doidão que esse teu
sogro da PM. Mas o negócio é o seguinte: Toma aqui teu relógio e o teu celular.
A gente não afanô nada de tu. Tamo na paz, tá certo?
– Puxa, que legal. Tamo na paz, com
certeza.
E Heitor estendeu a mão e apertou a mão
direita de cada um dos bandidos.
Aí pegou o celular, colocou para filmar e
virou para ele mesmo:
– Ó aí, coronel. Tudo gente boa, os meninos
são da paz.
O manco falou:
– Será que rolava um negócio de um AR-15,
pra gente revendê?
Heitor falou para o celular:
– Quando olhar isto, sogrão, vê se manda
descolar um AR pra moçada aqui. São meus amigos agora. Vou mandar eles me
ligarem amanhã, aí passo preço e o lugar da entrega.
O manco avançou e estendeu a mão de novo
pro Heitor:
– Tu é mesmo um bacana cara! Legal se a
gente pudesse assaltá um cara batuta como tu todos os dias.
Heitor fez um gesto agradecido, comoveu-se.
Deu um abraço apertado no manco:
– Obrigado, irmão. Vocês é que são uns
caras legais. Olha aí o número do meu celular, tá nesse papelzinho que eu tô
escrevendo agora. Me liga amanhã pra ver o lance do fuzil. Eu vou pegar uma
bela comissão. Mas vocês são meus amigos, eu vou rachar com vocês, baixo o
preço.
Foi a vez do gordo se comover. Adiantou-se,
deu um abraço apertado em Heitor, batendo várias vezes em suas costas.
– Sim senhor. Tu é mais do que legal, cara.
Só que agora a gente tem que se mandá, vamo pra São Cristóvão, tem um trampo por
lá daqui a pouco.
Heitor ficou acenando para os dois,
enquanto eles se afastavam na moto. Aí lembrou que, no dia seguinte, tinha que
levar o celular para seu cunhado, que era tenente da PM. Ele ia saber o que
fazer com o telefonema dos bandidos. E, claro, ele, Heitor, ia ter que comprar
um chip novo.
Continuou andando, agora lembrando do
sogrão fodão. Caiu na gargalhada!
Pobre do seu Afonsinho! Uma titica, um metro
e cinqüenta, 45 quilos, morrendo de medo de tudo, um cagãozinho, apanhando da
mulher. A velha sim, gorda e grande daquele jeito, é que era fodão!
Aliás, pensando bem, fodão era ele, que
tinha enrolado os dois bandidos na maior! Nada como estar preparado pra tudo.
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