quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

O  SOGRÃO  
MILTON MACIEL

O gordo apareceu do nada, na penumbra, arma na mão:

– Dançô, mermão! Bico calado, senão leva pipoca.

O outro ladrão apareceu sob a luz do poste, mancando da perna esquerda:

– Cartera, celular, relógio. O casaco também. Rapidinho, meu!

O Heitor estava preparado, tinha até ensaiado muitas vezes o que fazer. Agora estava francamente entusiasmado: finalmente tinha chegado sua vez! Dez anos morando no Rio de Janeiro e nunca tinha sido assaltado. Vá ser pé frio assim... Tirou o relógio do pulso, um legítimo Cartier Made in Turquia, réplica perfeita e baratinha, 250 reais. Começou a sua parte:

– Calma, turma. Tá aqui o relógio. É Cartier legítimo. Vê se não vai aceitar qualquer porcaria por ele. Vale muito, pra lá de quinze mil reais.

– Aí, ó bacana, Se ele vale isso tudo mesmo, tu não fica emputecido de perdê, não?

– Eu? Claro que não, amanhã mesmo meu sogro me dá outro.

– Cara! Que sogrão da hora. Eu é que precisava dum assim, malandro O que é que faz esse teu coroa?

– Ah, o cara tem bando de extermínio na Baixada, sabe como é? É graudão da PM. Mas a grana maior dele vem mesmo é do pó e dos AR-15.

– Meu! O cara vende bagulho sério, coisa grande! AR-15!

– E metralhadora, granada, dinamite pra caixa automático, o coroa é fodão.

O gordo, desconfiado, falou pro manco

– Vem cá, esse bacana não tá engrupindo a gente, não? E se for mentira?

O Heitor sabia o que fazer e dizer numa hora dessas. Tirou o celular do bolso e ficou segurando alto em uma das mãos, enquanto falava:

– Ora, se for mentira, vocês vão saber que é, porque aí vocês dois vão continuar vivos.

– O que?!

– Claro, se eu escapo e falo pra ele, vocês tão no bico do corvo. Mas se vocês me matam pra escapar dele, morrem do mesmo jeito. Só que aí morrem queimados vivos, aos pouquinhos, o velho é sádico pra caramba, vai queimando o neguinho com o maçarico pedaço por pedaço, chega a levar mais de dois dias pra completar o serviço todo.

– Que papo maluco é esse, mermão?

– Ah, o velho é doidão, adora fazer maldade das grandes. Também, pra quem já matou mais de cem...

– Mais de cem, cara!! Tu tá falando a verdade?

– Experimenta me matar e você descobre quem é o coroa.

– Tá, mas como é que ele vai ficá sabendo, cara?

– Ora, olha aqui no celular, olha quem eu estava filmando, olha a cara de vocês dois aqui.

O bandido manco arrancou o celular da mão do Heitor:

– Xi, é nóis dois mesmo, mermão. Mas tá tudo dominado, o celular tá na minha mão, não tem perigo do coroa dele sabê nada.

– Puxa, assim vocês me decepcionam. Pensei que fossem mais espertos. Ora, caras, isso não é celular comum, isso é da PM, a essa altura o filminho de vocês já entrou no arquivo do coroa.

– Mas que papo mais furado é esse, bacana? Como é que pode?

– Como é que pode é que isso é um transmissor, malandro. Transmissor da polícia, camarada. Eu tirei do bolso e já comecei a filmar vocês. Sabe como é, é a minha garantia.

– Mas que garantia, bacana?

– A garantia que vocês não vão me apagar nem fazer nenhuma gracinha comigo, ora bolas. A hora que o pessoal do coroa espalhar essas fotos de vocês, vocês vão ser identificados na hora e aí...

– E aí?

– Aí não tem lugar nesse planeta seguro pra vocês. Vocês tão no bico do maçarico do velho, dois dias inteiros de churrasquinho.

Os dois bandidos se afastaram uns metros e começaram a confabular. Iam pagar pra ver? Melhor não. O cara podia ser um puta dum mentiroso, mas não ia estar com toda aquela firmeza, aquela tranquilidade absoluta. Os assaltados sempre se borravam de medo. O coroa devia ser fodão mesmo. E tinha o negócio do fuzil também. Voltaram para o Heitor já sem arma na mão:

– Bacana, tu não fica com medo da gente? Nem um pouquinho?

– Eu? Medo? Não, até que eu acho legal gente como vocês, que se viram tirando coisas dos folgados que tem muito, como eu. Pra dizer a verdade, eu até gostei muito, porque eu tava louco pra ser assaltado aqui no Rio.

– Mermão, tu é mais doidão que esse teu sogro da PM. Mas o negócio é o seguinte: Toma aqui teu relógio e o teu celular. A gente não afanô nada de tu. Tamo na paz, tá certo?

– Puxa, que legal. Tamo na paz, com certeza.

E Heitor estendeu a mão e apertou a mão direita de cada um dos bandidos.

Aí pegou o celular, colocou para filmar e virou para ele mesmo:

– Ó aí, coronel. Tudo gente boa, os meninos são da paz.

O manco falou:

– Será que rolava um negócio de um AR-15, pra gente revendê?

Heitor falou para o celular:

– Quando olhar isto, sogrão, vê se manda descolar um AR pra moçada aqui. São meus amigos agora. Vou mandar eles me ligarem amanhã, aí passo preço e o lugar da entrega.

O manco avançou e estendeu a mão de novo pro Heitor:

– Tu é mesmo um bacana cara! Legal se a gente pudesse assaltá um cara batuta como tu todos os dias.

Heitor fez um gesto agradecido, comoveu-se. Deu um abraço apertado no manco:

– Obrigado, irmão. Vocês é que são uns caras legais. Olha aí o número do meu celular, tá nesse papelzinho que eu tô escrevendo agora. Me liga amanhã pra ver o lance do fuzil. Eu vou pegar uma bela comissão. Mas vocês são meus amigos, eu vou rachar com vocês, baixo o preço.

Foi a vez do gordo se comover. Adiantou-se, deu um abraço apertado em Heitor, batendo várias vezes em suas costas.

– Sim senhor. Tu é mais do que legal, cara. Só que agora a gente tem que se mandá, vamo pra São Cristóvão, tem um trampo por lá daqui a pouco.

Heitor ficou acenando para os dois, enquanto eles se afastavam na moto. Aí lembrou que, no dia seguinte, tinha que levar o celular para seu cunhado, que era tenente da PM. Ele ia saber o que fazer com o telefonema dos bandidos. E, claro, ele, Heitor, ia ter que comprar um chip novo.

Continuou andando, agora lembrando do sogrão fodão. Caiu na gargalhada! 

Pobre do seu Afonsinho! Uma titica, um metro e cinqüenta, 45 quilos, morrendo de medo de tudo, um cagãozinho, apanhando da mulher. A velha sim, gorda e grande daquele jeito, é que era fodão!

Aliás, pensando bem, fodão era ele, que tinha enrolado os dois bandidos na maior! Nada como estar preparado pra tudo.



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