sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

DRA. FUMIKO – 7a. parte - CONCLUSÃO
Um Amor que vence o Não e a Vida exorta
MILTON MACIEL

Fim da 6ª. parte:
E da filha deles... eu só ouvi falar bem dela a vida inteira. Não era só a mãe dela não, todo mundo que eu ouvi, que se referisse a ela, longe dos ouvidos de painho, é claro, só falava coisas boas dela. Foi assim que eu aprendi o que é preconceito. E jurei pra mim mesmo que eu nunca haveria de ser preconceituoso.

Sinhana botou mais lenha na fogueira:

– E você sabe o que aconteceu com a moça e a filha dela, que foram pro Japão?

7ª. Parte
– Não, Sinhana, eu nunca fiquei sabendo. Primeiro porque não falavam disso perto de mim. E também porque acho que nem os velhos sabiam direito. Depois acho que a madrinha ficou sabendo onde elas viviam, mas ela morreu logo depois. E painho nunca me deixou entrar nesse assunto. Depois que ele teve aquele primeiro derrame, eu bem que tentei, mas ele se fechava e ficava diferente, agressivo, ficava uma fera. Só uma vez, quando eu fiz 18 anos, ele me falou sobre a filha. Contou claramente o que ela tinha feito e disse que, para ele, ela estava morta desde então. E me contou que ele tinha deserdado a moça, como mandavam os costumes da região do Japão de onde ele veio.

– Pobre filha... – murmurou Helena, agora com enorme dificuldade de falar.

– Tem toda a razão moça. Pobre filha! Eu não concordo com essa atitude de painho, nunca concordei. Acho cruel. Mas agora é tarde pra ele mudar, pelo estado em que ele ficou depois do segundo derrame. Mas eu acho que ela pode mudar isso.

– Ela? Mas como ela poderia mudar esse testamento do pai?

–Bem, moça, eu não sou advogado, mas andei me informando com alguns, e eu acho que existe uma brecha, agora que painho está assim totalmente incapaz. Uma brecha pra filha tentar anular o testamento do pai.

–E você concordaria com isso, Marcelo. Digo, como representante legal do Seu Chico? Você não se oporia?

– Claro que não, Sinhana! Que ideia! Pois se isso tudo aqui, por direito verdadeiro, é pra ser dela quando painho faltar.

Sinhana arregalou os olhos e fez um sinal sutil para Seu Aristides. O taxista entendeu que era hora de cair fora:

– Olhem, vocês me dêem licença, mas eu tenho que preparar o carro pra viagem até Bastos, dar uma boa limpada nele – e foi saindo apressado.

Sinhana continuou então com aquela conversa, que estava deixando Helena cada vez mais intranquila:

– Olhe, Marcelo, eu vou lhe fazer uma pergunta e tenho certeza que você pode responder na frente desta moça, porque ela vai embora daqui hoje mesmo, não vai comentar nada disso em Bastos, onde ela não conhece ninguém. E, quem podia comentar, já saiu da sala.

A mulher olhou Helena e Marcelo bem nos olhos, longamente, e então perguntou:

– Meu filho, eu sei que você foi adotado oficialmente por Seu Chiquinho, é filho dele agora e é o único herdeiro disto tudo, já que ele deserdou a filha. Você já não se sente o dono de tudo, Marcelo?

– De jeito nenhum, Sinhana! Eu seria um monstro, se fizesse isso.

– Monstro?! Mas por quê? Não vejo a razão...

– Ora, Sinhana, eu disse bem claramente que não aceito a decisão de painho, de deserdar a filha dele. Então eu seria incoerente se aceitasse ser o herdeiro único desse patrimônio. E, mais do que incoerente, eu seria um ladrão, um monstro mesmo.

Helena estava muda, petrificada, não podia acreditar no que estava ouvindo. Aquele rapaz, que chegara ali criança, filho da cozinheira, pobre, paupérrimo, tinha todas as condições legais de ser dono de tudo e... não concordava?! Mas que homem era aquele, Senhor?!

Marcelo continuou sua explicação:

­– O único dono disto aqui é só painho e vai ser até o último segundo da vida dele. Que, se depender de mim, vai durar muitos e muitos anos. No triste dia em que ele morrer, por lei tudo passa pra mim. Mas a primeira coisa que eu vou fazer, no primeiro dia que não tiver que cuidar mais de painho, é viajar.

– Viajar?! Ué, mas pra onde, menino?

– Pro Japão, Sinhana! A viagem que eu e a madrinha tanto sonhamos fazer. Eu vou ter todo o dinheiro do mundo pra viajar, pra pagar gente especializada e localizar essa pobre filha e a filha dela, que foram tão injustiçadas por painho.

– Mas isso significa abrir mão da sua fortuna para uma pessoa que você nem conhece.

– Que minha fortuna, Sinhana! A verdadeira herdeira é ela e só ela. O dia que essa fortuna passar de painho, se depender de mim, vai direto pra ela. É só encontrar essa doutora e, na hora que ela puder vir aqui e assinar todos os papéis, tudo aqui passa a ser dela.

– E você? O que vai ser de você?

– Ora, eu sou um enorme negão, um metro de oitenta e três, e dois braços compridos e bem fortes, graças a Deus. Tenho curso colegial, que foi o que deu pra fazer antes que painho ficasse paralítico. E não sou nenhum miserável, tenho uma belíssima poupança e até aplicações. Afinal com o salário que eu ganho!

– Ora, não é nenhum salarião. Você é o gerente de tudo aqui, numa empresa diriam que você é o presidente. Mas você ganha salário de peão. Ganha só, não: o pior é que você se paga salário de peão, porque é você e só você quem decide isso.

– Mas 1200 reais está muito bom pra mim. É o mesmo que eu pago pra você, não é? E tem férias e 13º.

– Sim, é o mesmo que você paga pra mim, por isso estou dizendo que é salário de peão. Mas por que você se paga tão pouco?

– Mas não é pouco, Sinhana. Eu não tenho nenhuma despesa, tudo o que eu consumo ou preciso é coberto pela empresa, a Granja Fujiyama. Então tudo que eu faço é guardar esse dinheiro todos os meses, todos os anos. Hoje, entre poupança e aplicações, eu tenho mais de 160 mil reais.

– Nossa, isso é muito pra alguém como eu, que tenho também umas economias, não vou negar, mas não asim como você. Mas isso é muito pouco para um herdeiro de todo o patrimônio de Seu Chiquinho, como você é.

– Por favor, Sinhana! A herdeira é a Doutora Silvana. Eu administro isto aqui pra painho, economizo em tudo o que posso, até no meu próprio salário. Mas, a longo prazo, eu administro pra legítima herdeira. O dia que ela chegar aqui, eu quero ter o orgulho de entregar pra ela todos os livros de contabilidade, impecavelmente certos. E todo o patrimônio dela bem cuidado e multiplicado. E, na minha saída da empresa, eu vou me mandar embora e ter direito a uma rescisão justa. Homologada na justiça do trabalho, vai dar um bom dinheiro também. Eu e painho vamos precisar disso no futuro...

Não chegou a concluir a frase. De repente, ouviram que a moça expedia um forte sopro pela boca e a viram tombar de lado sobre a mesa. Helena acabava de desmaiar.

Os dois levaram um enorme susto, correram para socorrer a moça, não sabiam o que fazer. Sinhana gritou por Seu Alcides, devia ter noções de primeiros socorros, em Bastos todos os taxistas tinham que ter.

O motorista entrou correndo, olhou a mocinha desmaiada, tomou-lhe o pulso e perguntou a Sinhana:

– Tem limpador ou desinfetante com amoníaco aí?

Por sorte tinha! A mulher correu até um armário do corredor, voltou com um frasco de desinfetante já destampado. Seu Aristides levou-o ao nariz da moça desmaiada, que imediatamente fez cara de desconforto e começou a se mexer. E começou a voltar a si, ainda bastante atordoada.

Sinhana pegou as duas mãos dela nas suas, ficou a massageá-las, fez um sinal para Marcelo, que serviu um copo com água e ofereceu-o a Helena. Ao cabo de mais dois minutos, ela já podia falar:

– Me perdoem pelo fiasco, de repente tive uma vertigem e...

– Foi demais pra você, não é, minha filha. Muita coisa!

– Sim, Sinhana, este é um mundo novo para mim. Totalmente novo. Eu não sabia que existiam pessoas como este moço aqui. Nunca podia imaginar...

Marcelo, não entendo o que significava aquilo, levou na brincadeira, como sempre:

–  Quer dizer que no seu mundo não existem negros feios como eu, moça? Todo mundo é branquelo ou japonês?

– Não, não é isso o que eu quero dizer. Quero dizer que eu nunca vi uma pessoa tão linda, tão luminosa quanto o senhor.

– Ué! Eu lindo e luminoso? Que nem a fonte lá da praça de Iacri?

Todos riram com a idéia da fonte luminosa de Iacri. Menos Helena, que tinha lágrimas nos olhos.

Então Sinhana entendeu que tinha chegado a hora!!!

Andou até à parede, retirou o grande quadro de Dona Fumiko, e voltou-se com ele, para que todos pudessem ver o que havia na parte de trás.

Os outros três estremeceram!

Aristides, por ver a sua Silvana, de beca e capelo, no auge de sua beleza, ele então no auge de sua paixão.

Helena, por pensar o quanto sua avó tinha sofrido, rezado e cantado olhando para aquelas duas fotografias. E por pensar que aquela moça linda da foto, estava agora na UTI de um hospital no Japão, lutando pela vida.

E Marcelo, porque a moça com a beca e o capelo era igualzinha aquela que estava ali ao seu lado, com os olhos cheios de lágrimas. E a menininha linda, com os dedinhos fazendo o V da Vitória, também era a mesma moça que chorava suavemente agora.

Então Sinhana terminou de fazer a confirmação a Marcelo:

– Sim, Marcelo. Isso mesmo! Esta é a Heleninha, a filha da Silvana. Chegou hoje, vinda do Japão, pra ver seu avô. Ela é médica também, que nem a mãe.

O rapaz estava em estado de choque! Ficou um longo tempo sem nada falar, só olhando encantado para Helena e para as duas fotografias, alternado o olhar entre elas, cada vez mais admirado. Subitamente ele deu um grito animado:

– Maravilha! – e saiu correndo em direção ao interior da casa.

Não levou nem três minutos para voltar. Do seu escritório tinha trazido uma pilha de cadernos de escrituração contábil. E várias pastas de documentos:

– Está tudo aqui, doutora! Tudo aqui, sem faltar nada, pra senhora ver. Pode conferir a hora que quiser, toda a nossa contabilidade está aqui, rigorosamente em dia. Na pasta verde estão todos os nossos balanços e balancetes. Na amarela, a relação de todos os bens e valores que vão ser de vocês quando chegar o dia mais triste da minha vida, quando painho nos deixar.

O moço era todo entusiasmo, seu olhos brilhaavam:

– Mal posso acreditar, Meu Deus! Eu pedi tanto, rezei tanto pra que esse dia chegasse, que sua mãe estivesse aqui na minha frente. Mas Deus quis que fosse a senhora, a filha dela, a neta de painho. Tome, segure, isto é tudo seu. E da sua mãe.

Sinhana não se conteve, abraçou-se a Marcelo, apertou-o contra o peito, deu-lhe um beijo no rosto:

– Você é um anjo, meu filho. Com é bom ser sua amiga! Como eu tenho orgulho de você!

Helena recolheu todos os cadernos e pastas de documentos, refez a pilha com cuidado, chegou-se a Marcelo e entregou tudo de volta a ele:

– Não, isto é tudo seu, Marcelo. Vai ficar tudo em suas mãos. Eu não entendo nada disso, não tenho nada a ver com isso e, como você mesmo disse, isso é tudo de um só e único dono por enquanto: do Seu Chiquinho.

– Mas Doutora Helena, a senhora não quer...

– Por favor, não me chame de Doutora Helena, Marcelo. Eu sou só Helena para qualquer um de vocês.

– Mas a senhora é a patroa agora, doutora e...

– Pare, eu já pedi. Pare!!! Eu não sou patroa coisa nenhuma. Sou só a neta enjeitada do seu painho. Se ele estivesse lúcido, talvez estivesse me correndo daqui a bastonadas agora. Eu não vim aqui atrás de nada desses bens. Vim porque minha mãe está muito mal num hospital, entre a vida e a morte, e me pediu para dizer uma coisa ao pai dela. É só por isso que eu estou aqui, compreenda. E, assim que eu despejar o que quero dizer para o seu painho, eu vou sair porta afora desta casa e Seu Aristides vai me levar daqui numa viagem que começa nesta Granja e só termina em Tókio, naquele hospital.

– Mas... Mas não pode ser... Dout... Helena, Não pode ser, você não pode ir embora assim, depois de todos estes anos que eu esperei pela chegada de vocês. Por favor, fique ao menos uns dias, percorra as propriedades, saiba o que dizer pra sua mãe quando chegar no Japão. Faça fotos pra mostrar pra ela. Ela há de ficar boa e aí vocês voltam correndo aqui pra Bastos, pra tomar posse do que é de vocês.

E completou seu pensamento:

–  Quando vocês voltarem, eu passo um documento em cartório, abro mão da minha herança em nome de vocês duas. Não precisam me dar nada, eu só quero pedir uma única coisa:

E então o rapaz olhou com apreensão para a moça herdeira:

– Por favor, ME DEIXEM FICAR COM PAINHO! Ele não vai servir de nada pra vocês, é só um estorvo pras pessoas, menos pra mim. Além do que, vocês devem ter muita raiva dele, pelo que sofreram. Eu vou embora com ele, fiz uma reserva de dinheiro exatamente pensando nisso, pro dia em que eu tivesse a felicidade de devolver tudo pra vocês. Eu levo painho, o meu dinheiro dá pra um bom tempo, a gente aluga uma casinha por aí, longe de Bastos, painho não tem doença, não gasta com médico nem dinheiro e, se a gente precisar, tem o SUS.

E o rapaz estava tão aflito que, sem perceber, segurou as duas mãos da moça de Tókio, enquanto renovava sua súplica para que ela não fosse embora imediatamente:

– Fique, por favor, eu lhe imploro. Ao menos não vá hoje!...

Foi então que dois milagres aconteceram.

O encontro das mãos deflagrou verdadeiras correntes elétricas, inesperadas, instantâneas. No segundo seguinte, pela primeira vez, os olhos se encontraram longamente. E, ao se encontrarem, se perderam. Perderam-se rapidamente um na profundidade do outro. Os olhos verdes do rapaz, que eram os mesmos olhos verdes da ingrata mulata Maria Rita, sumiram dentro dos olhinhos castanhos puxados, que eram os mesmos olhos castanhos da dedicada nissei Silvana. Marcelo esperava por Helena e sua mãe há tantos anos! Helena tinha começado a conhecer aquele homem extraordinário há tantos minutos! Não foi amor à primeira vista. Foi ao primeiro toque de mãos.

Só que ninguém tinha prestado qualquer atenção em Seu Chiquinho, que continuava afivelado em sua cadeira alta, na cabeceira da mesa. Ninguém tinha prestado atenção em seus olhinhos ativos, a única coisa que se movia em seu corpo. Por isso ninguém tinha percebido que os seus olhos agora não estavam pulando como sempre, estavam parados, grudados na observação estática das duas enormes fotografias à sua frente.

Então um ruído estranho veio dali de onde ele estava imóvel. Todos se voltaram e viram que o corpo de Seu Chiquinho parecia tremer. As pelancas compridas do seu pescoço tinham um movimento perceptível, músculos abaixo dela se moviam, como se ele estivesse engolindo. De sua boca escapava, junto a com a costumeira baba, um som esquisito, de ar soprado. E a cabeça tinha uma nítida oscilação, ainda de que de muito pequena amplitude. A mão direita tremia intensamente, os dedos se separavam, o indicador se esticava em direção às fotografias.

Takeo Toshiuki estava se mexendo! Seu Chiquinho parecia que queria falar!

– Painho! Painho! Painho está se mexendo gente!

– Um milagre, um milagre de Deus!

– Um milagre desta mocinha – afirmou sorrindo Seu Aristides. Por que ele foi o primeiro a notar que os olhos do velho agora estavam parados, hipnotizados, no semblante harmonioso de Helena Fumiko. E que, do olho direito, muito mais aberto que o esquerdo, escorria um volumoso filete de lágrimas, que caíam sobre a toalha branca.

O dedo indicador se destacava cada vez mais dos outros, a mão direita, tremendo intensamente, subia mais e mais, afastando-se do corpo. E aquela mão trêmula apontava visivelmente para Helena.

A moça se aproximou até ficar a menos de um metro do velho. Ele continuou a fazer um esforço cada vez maior para dizer alguma coisa. Ele engolia e a baba diminuía, engolia e a baba diminuía, cada vez mais. E o som articulado começava a ser repetido, mais e mais, mais e mais... até que, por fim  fez sentido!

A moça deu um grito:

Gomen-nassai! Gomen-nassai! Ele está dizendo gomen-nassai! Ele está pedindo PERDÃO!!! Está pedindo perdão, está pensando que eu sou minha mãe!

Gomen-nassai! Gomen-nassai! – repetia Helena sem cessar. E dizia para o velho, em japonês, que era exatamente isso que ela viera fazer ali: pedir perdão ao pai, em nome da filha.

Gomen-nassai! Gomen-nassai! Gomren-nassai! – repetia o velho sem parar, pedindo perdão à filha que acreditava estar na sua frente. E o velho chorava porque lembrava de sua amada Fumiko, que ele havia matado de pesar. E chorava porque podia pedir perdão a sua filha e sua filha pedia perdão a ele no mesmo instante.

Depois de mais 15 minutos, a lucidez do velho foi se fazendo grande o suficiente para que ele conseguisse entender que aquela não era sua filha Silvana, que aquela era a mensageira de sua filha Silvana, que viera lhe pedir perdão.

Aquela era sua neta Helena! Helena Fumiko. Era Fumiko, como sua pobre Fumiko. Era doutora como sua pobre Silvana. Era Doutora Fumiko!

E o velho, com a mão trêmula agora enfeixada dentro das duas mãos delicadas de sua neta, olhava para ela embevecido e repetia sem cessar, em português:

– Dotôla Fumiko... Dotora Fumiko... Doutora Fumiko...

E Takeo Toshiuki, resplandecente de paz, reconciliado com a filha, reconciliado com a neta, reconciliado com a esposa, reconciliado enfim consigo mesmo, com a mão nas mãos da Doutora Fumiko, enlaçado carinhosamente pelo filho, expirou calmamente duas horas depois. O esforço custara-lhe as últimas forças. E sua últimas palavras foram:

Gomen-nassai... Doutora Fumiko. Doutora... Fumiko...

Perdão pedido e concedido de parte a parte, o Amor havia vencido o Não, trazendo Takeo Toshiuki de volta, numa exortação à Vida, antes que sua hora chegasse. O Amor naquela família havia vencido o Tempo e havia vencido o Não. Um Amor que vence o Não e a Vida exorta!

Na boca do venerável Takeo Toshiuki não havia mais baba. Recuperara ele, por minutos, toda a dignidade de sua figura. Nela pairava somente um liberto sorriso de bem-aventurança.

Abraçado a seu painho que partira digno e feliz, Marcelo soluçou por um longo tempo como uma criança em desespero. Era sua terceira perda. Chorara a mãe que o havia abandonado. Chorara a Madrinha, que havia partido também. E agora chorava a maior de todas as suas perdas: painho!

Helena soltou a mão inerte do avô e usou suas duas mãos para passá-las longa e repetidamente pelos cabelos crespos e pelo rosto sulcado de lágrimas do melhor filho que um homem poderia ter tido na vida. E depositou na sua face escura o primeiro dentre os infinitos beijos de amor que os dois iriam trocar daquele dia em diante.


Cinco anos depois...

...pelo mesmo gramado da Fujiyama, correria mais uma Fumiko. E esta era Regina Fumiko.

Regina Fumiko Toshiuki da Silva era uma belíssima criança, uma inigualável mulatinha clara, alta, delgada, de olhos verdes como os do pai, intensamente puxados como os da mãe. Uma figura de impressionante elegância e beleza, o porte delicado, simples e altivo ao mesmo tempo, fazendo jus ao nome de rainha. Em resumo, o sonho dourado de qualquer descobridor de talentos para modelo fotográfico e de passarela.

E o orgulho maior de sua avó, a doutora Silvana, que sobrevivendo à operação, seguiu sua carreira vitoriosa na Universidade de Tókio. Passava nove meses no Japão, três meses em Bastos todos os anos. Tinha ali uma filha maravilhosa, a Doutora dos Pobres, como era chamada, porque não precisava trabalhar por dinheiro, uma alma generosa devotada aos outros, como o fora aquela outra Fumiko, sua saudosa mãe.

E a doutora Silvana tinha ali também uma neta adorável, que era um verdadeiro mimo de porcelana, uma bonequinha café-com-leite, uma mulata de olhos verdes puxados, que fazia as cabeças se voltarem para ela às centenas, desde que era bebezinha.

E tinha um genro que era a criatura mais incrível deste mundo! Era ele quem tocava aquele lucrativo negócio chamado Granja Fujiyama. Ele, que era seu genro e seu sócio, 50% para cada um. Uma solução encontrada por Helena, depois de três dias de discussões infindáveis, em que cada um daqueles dois cabeçudos queria porque queria abrir mão de sua parte totalmente e ceder tudo para o outro.

Doutora Helena revalidou seu diploma japonês no Brasil. E, daquele momento em diante, abandonando seu primeiro nome, fez questão de ser chamada exclusivamente de Doutora Fumiko, em homenagem a sua avó e em reconhecimento às últimas palavras de seu avô. E esta Doutora Fumiko, de Bastos, foi a mais jovem médica no Brasil a receber uma condecoração do governo federal, pelos inestimáveis serviços sociais prestados por ela a diversos municípios da região.  FIM


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