MANOEL DA NÓBREGA
O FUNDADOR
de São Paulo é o CRIADOR do Rio de Janeiro
MILTON MACIEL
(de “DE FRANÇA E BRASIL” - Vol 2: O Rio de França e Brasil)
O jovem Estácio sentia-se mais abatido do que
nunca. Que cruz tomara sobre seus inexperientes ombros! Voltara de Portugal com
a específica incumbência de fundar uma vila bem no coração das terras tamoias. Ou
seja, no meio de milhares de ferozes inimigos. E com suas poucas centenas de
homens em armas! Agora, fundeado em São Vicente, encetara a difícil subida da
serra até Piratininga, para se aconselhar com Padre Nóbrega, como lhe exigira
seu tio Mem de Sá, o governador geral.
– Não posso, padre! É responsabilidade
demais para mim. Se eu fracassar... Não somente eu estarei acabado antes de começar,
mas serei responsável pelas mortes de todos estes bons homens que lidero agora.
O padre Manoel da Nóbrega, forte e rijo nos
seus 44 anos, apesar das excruciantes dores nas varizes das pernas – ainda hoje
o jovem José de Anchieta tivera que ajudá-lo, carregando-o duas vezes sobre
suas costas corcundas – era um verdadeiro rochedo de determinação. Nada o faria
desistir do seu plano de dar segurança à vila de São Paulo de Piratininga. E
isso significava atacar o inimigo tamoio na baía de Guanabara. Fixou seus olhos
com inconteste autoridade no jovem comandante português, de apenas 21 anos:
– Você pode meu filho! Não só pode, como
deve. Deve essa atitude e essa ação a todos nós, os que vivemos e nos
arriscamos nestas terras do sul. Deve aos abnegados de São Paulo de Piratininga,
de São Vicente, de Cananéia, que a toda hora sofrem os mortíferos ataques
desses tupinambás que se confederam como tamoios. E deve-o a sua rainha, que o
encarregou pessoalmente de fundar essa vila fortificada lá no coração do território
inimigo.
– Mas, padre. Se eu falhar... Como poderei
me defender perante Sua Majestade?
– Você não precisará se defender. EU o
defenderei, eu falarei por você. Eu assumo toda a responsabilidade. Deus estará
com você e seus homens. E eu e José de Anchieta estaremos também. Subiremos para
a Guanabara com todos os bergantins, galés e canoas que conseguirmos juntar aqui no sul. Cheios de bravos combatentes. E irão os irmão italianos Adorno, grandes capitães, e nosso aliados índios e mamelucos. Teremos
uma grande força, poderemos fazer face aos tamoios, você vai ver.
Estácio de Sá deixou-se ficar alguns
instantes com os olhos perdidos no infinito, sem nada ver, apenas pensando em
sua espinhosa missão: tomar a baía de Guanabara para Portugal. Tomá-la em definitivo
dos milhares de tamoios que a cercavam e dos remanescentes franceses.
Ali mesmo, poucos anos antes, o almirante
francês Nicholas Durand de Villegaignon havia constituído sua débil França Antártica
em 1555. Sem apoio do rei francês, cansado e desgastado, ele havia voltado para
França em 1559 e, um ano depois, em 1560, seu tio, Mem de Sá, com a sólida
ajuda deste mesmo inquebrantável padre jesuíta Manoel da Nóbrega e de forças
que acorreram de Santos e de São Vicente, havia conseguido derrotar os 300
franceses remanescentes e destruir completamente o forte de Coligny na ilha e
todas as edificações da praia do Flamengo.
Mas cerca de 30 franceses permaneceram no
lugar, escondidos nos matos e vivendo com os índios. Eles mantinham aceso o comércio
do pau-brasil com as naves francesas. E mantinha-se também, acirradíssimo, o ódio
dos tamoios aos portugueses invasores. Rompida a débil paz de Iperoig, os
ataques recrudesceram de parte a parte.
Por outro lado, Manoel da Nóbrega, um político
de raríssima habilidade, tinha certeza que não poderia haver tranqüilidade enquanto
a resistência dos tamoios persistisse. Na sua concepção, era essencial golpeá-los
colocando um núcleo fortificado bem no centro de suas terras, que se estendiam
de Cabo Frio até perto de Bertioga. E esse centro nevrálgico, para ele, era na baía de
Guanabara. Era ali, exatamente ali, onde os franceses haviam tentado fixar sua
malograda França Antártica, que deveria ser erguida a cidadela que embasaria a
criação de uma verdadeira cidade européia.
E essa cidade, que ele e somente ele, com
sua habilidade diplomática e sua persistência incansável, havia conseguido convencer a própria rainha a
criar, essa cidade era fundamental para que São Paulo pudesse existir. Paradoxalmente,
uma cidade que seria criada por paulistas e portugueses, no que seria o Rio de
Janeiro, haveria de ser o baluarte que garantiria a sobrevivência de São Paulo.
O hábil e visionário Manoel da Nóbrega foi
assim, o grande cérebro por trás da fundação DAS DUAS maiores cidades do Brasil
contemporâneo. Louvam-no por isso os paulistanos de hoje; esquecem-no, por desconhecimento
histórico, os cariocas em sua maioria. Homenageiam apenas Estácio de Sá, cuja
passagem pela Guanabara, depois da fundação da vila, foi meteórica.
Figura: "A PARTIDA DE ESTÁCIO DE SÁ" - quadro de Benedito Calixto - Mostra o padre Manoel da Nóbrega abençoando as naus que partem para ocupar a baía de Guanabara.
(CONTINUA)
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