quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

DOUTORA FUMIKO – 5ª. parte
Um Amor que vence o Não e a Vida exorta 
MILTON MACIEL  - ESTA É A POSTAGEM No. 800 DESTE BLOG!

Fim da 4ª. parte:
Era meio-dia em ponto quando Sinhana apareceu na porta e fez sinal com a mão. Voltou a entrar em casa e esperou pelas palmas. Estas vieram imediatamente, batidas por quatro mãos, as de Helena muito trêmulas e nervosas. O grande momento ia chegar!

5ª. parte:
Sinhana escancarou a porta e falou de forma a ser ouvida dentro de casa:

– É Seu Aristides e uma moça! Podem entrar gente, chegaram na hora boa, vamos entrando, a casa é de vocês.

Helena tremia e tinha os olhos molhados, não conseguia segurar sua emoção: dezessete anos depois, ia rever seu avô. E o que ela viu, comoveu-a ainda mais.

No exato momento em que transpôs a porta, de propósito atrás de Seu Aristides, o moço Marcelo não estava olhando para eles. Estava sentado no sofá da sala, que ficava de frente para a porta, a uns cinco metros de distância dela. O rapaz estava voltado para Seu Chiquinho, que estava acomodado no mesmo sofá, ao lado dele. Com um pente, ele arrumava cuidadosamente os cabelos brancos já um tanto ralos de painho. E, ao mesmo tempo, usava uma toalha de rosto para secar mais os cabelos do velho. Foi só então que Helena conseguiu divisar claramente o semblante de seu avô.

O rosto estava quase irreconhecível. Não era mais o daquele homem enérgico e cheio de entusiasmo, de olhos vivazes e habituado a falar a todos com voz de autoridade. A face estava chupada, parecia mais uma uva passa expandida. Mas os olhos!... O que Helena viu nos olhos dele foi algo muito surpreendente. Sinhana e Aristides tinham falado que ele não reconhecia mais ninguém, o que levou Helena a supor que os olhos que iria ver no avô seriam aqueles baços e mortiços de um homem sem consciência do mundo exterior, perdidos, sem expressão, imóveis.

Mas o que ela viu foi algo muito diferente, Por um instante, ela se questionou se estava vendo ou sentindo aquilo. Porque os olhinhos puxados não eram olhos de olhar perdido. Eram olhos de adoração, eram olhos de contentamento. Eram olhos vívidos! E estavam saltitando o tempo todo, voltados para a face escura do moço que cuidava dos seus cabelos com carinho e com paciência, sem pressa nenhuma. O rapaz ainda falou para o velho, rindo sempre:

– Feito, agora painho já tá pronto pra namorar, o sacana. Espere só, que eu mandei buscar uma japonesinha bonita e bem novinha pra painho, mas vou deixar painho pegar só na mão dela, tá sabendo? Só na mãozinha. Quero muito respeito nesta casa!

E caiu outra vez na gargalhada.

Que parou no segundo seguinte, quando voltando a cabeça para a entrada, viu que a tal japonesinha bonita e novinha estava parada ali mesmo. Mas como?! Como era possível aquilo? Porém, com sua costumeira agilidade mental e seu sempre presente senso de humor, não conseguiu evitar que uma última frase lhe saísse, inoportuna agora:

– Eu não falei, painho? Olhe a moça aí! – e levantou-se, incontinenti, caminhando para a entrada e estendendo a mão para o taxista.

– Bem vindo, Seu Aristides, que surpresa boa! Vá entrando, homem, se abanque, venha fazer uma boquinha com a gente, é comida simples, mas é bastante. O mesmo vale pra moça aí, vá entrando moça, fique à vontade, a casa é sua.

Por uma fração de segundo, Sinhana pensou: E a casa era pra ser dela mesmo, menino! Você nem sonha...

Marcelo tirou-a do devaneio:

– Por favor, Sinhana, acompanhe a moça, mostre a casa pra ela, ofereça o banheiro, mostre onde pode lavar as mãos. Vocês têm que nos dar o prazer de almoçar com a gente, é painho que está convidando, não é mesmo, painho? Ah, mas claro que é, olha só o jeitinho dele, todo contente! A moça veio pra almoçar com você, painho. E seu Aristides também. Só que ele é um velho feio e ela é uma moça bonita, bem como painho gosta.

E, soltando sua risada alegre, fez sinal para que Sinhana ciceroneasse Helena:

– Tome conta da moça, Sinhana, que desse velho feio me encarrego eu. Vamos sentando, Seu Aristides, vamos prosear com painho, painho adora jogar um conversa fora, fala pelos cotovelos – e passou a mão com suavidade na cabeça do velho, desalinhando levemente os cabelos que havia penteado com tanta perfeição. Helena sentiu – sim, foi isso, sentiu! – que o avô tinha gostado muito daquele toque.

Sinhana escoltou Helena em direção ao interior da casa, que a moça reconheceu instantaneamente, peça por peça, percorrendo-as todas com evidente satisfação. E com muita emoção também. Emoção que chegou ao máximo quando estacou em frente ao grande retrato na sala de jantar, uma pintura a óleo. Ali estava retratada Dona Fumiko Toshiuki, com seus cabelos já grisalhos, possivelmente à altura dos 50 anos de idade. Ante o retrato da avó, o acúmulo de emoções represadas durante todos aqueles últimos dias, desde o hospital no Japão, transbordou e a moça prorrompeu dessa vez num choro sentido, alto, incontrolável. Principalmente porque sabia agora que, tanto ela, quanto sua mãe, tinham sido muito injustas com aquela avó. Sussurrou entre lágrimas, para Donana, que a tinha voltado a cingir sob o maternal braço direito:

– Ela nos... defendendo, Dona Sinhana... Morrendo... por nós... E a gente pensando... que ela tinha... nos rejeitado... tanto quanto meu... meu avô. Que injustiça... que coisa feia... que dó... – e as palavras lhe saiam entrecortadas, difíceis, no meio dos soluços.

– Não, minha filha, Dona Fumiko não parou um só minuto de pensar em vocês, de lutar por vocês. Ela tinha aquele jeitão seco, fechado, mas era uma criatura de uma bondade sem fim. Assim que eu puder, eu vou lhe contar o que essa sua avó fazia pra ajudar as pessoas pobres daqui, coisa que até Deus duvida. Uma santa!

Ouvir isso fez Helena se sentir ainda pior, uma ingrata, uma miserável!... Pobre avó! Seu choro se fez tão alto que Marcelo o percebeu desde a sala. Preocupado, fez sinal a Aristides e levantou do sofá para ver o que acontecia. Mas, ao se aproximar da sala de jantar, ao perceber que a moça desconhecida chorava copiosamente agarrada a Sinhana, tendo a outra mão estendida, tocando o quadro de Dona Fumiko, estacou sem saber o que pensar. Foi quando Sinhana lhe vez, com veemência, sinal para que ele se afastasse, que ela tomaria conta da moça.

Marcelo voltou à sala, com uma expressão de interrogação no rosto. Aristides, ao contemplá-lo não pôde deixar de pensar: Ah, menino, se você soubesse da missa a metade!...

Mas Marcelo já estava de posse de seu interminável bom humor, brincando com Seu Chiquinho outra vez:

– Viu? Painho promete casamento pra tudo quanto é moça de Bastos e de Iacri. Aí, quando as moças vêm atrás do noivo, querendo saber do enxoval, painho diz que não vai mais casar. A pobre da mocinha está chorando lá dentro, painho não tem coração?

Como sempre, completou a frase com uma bela gargalhada. Seu Aristides podia jurar que, por uma fração de segundo, o velhinho parecia que ia gargalhar também. Mas foi só impressão, o velho só moveu os olhos, era só o que ele podia mover. Será que as pessoas riem com os olhos?... – cismou.

Na sala de jantar, Helena, já recomposta, falava com Sinhana:

– Por favor, Dona Sinhana, me ajude a fazer uma coisa que eu estou pensando agora. Eu decidi que não vou me revelar nesta casa, que não vou deixar o Marcelo saber quem eu sou.

– Mas por que, minha filha? Que coisa mais sem pé nem cabeça!

– Por favor, me compreenda! Se esse rapaz é tão bom como vocês disseram – e eu me convenci que ele é mesmo – então ele vai ficar constrangido na minha frente, por ser o herdeiro único do meu avô. Vai ficar uma coisa chata para nós dois. E tudo isso por nada. Ele é o herdeiro que o avô escolheu e eu sou apenas uma pessoa que vai embora desta casa para sempre, dentro de uma ou duas horas.

– Você tem certeza disso, Helena?

– Absoluta. Por que criar uma situação constrangedora para ele e para mim? Por favor, chame o Seu Aristides de lado e explique para ele que isso é muito importante para mim. E me ajudem a mentir! Isso mesmo, mentir, inventar qualquer coisa, porque já, já, ele vai perguntar quem eu sou e o que estou fazendo aqui. Por favor, por amor de Deus, pelo amor da minha avó, Dona Sinhana, me ajude a inventar algo, eu sou muito ruim com esse negócio de mentir, tenho horror, não estou acostumada.

Sinhana sentiu uma enorme ternura por aquela moça, tão desvalida naquele momento. Atravessara o mundo para cumprir sua missão, promessa feita à mãe talvez agonizante, e não ia poder ser entendida pelo avô. Recebia a confirmação de que estavam as duas fora do testamento do velho, que nem uma palha daquela imensa fortuna ia passar para elas. E queria ir embora sem sequer revelar a Marcelo quem ela era. Mas, o mais incrível, é que ela queria fazer aquilo por causa do rapaz! Que, para ela e a mãe, era apenas um intruso, um desconhecido que havia aparecido de repente e, sem ser da família, tornara-se filho e herdeiro único de seu rico avô. Que caráter que tinha aquela menina! De fato, merecia ter o mesmo nome de Dona Fumiko.

Sinhana enlaçou novamente Helena, era sua forma de transmitir a admiração que sentia:

– Bem, se você quer tanto isso, pode deixar que eu dou um jeito no Seu Aristides. E deixe que eu vou improvisar uma saída. Pode contar comigo, fique tranquila. Você fica mais um pouquinho aqui, ou melhor, você vai pro banheiro, porque a sua carinha bonita está toda vermelha e inchada de tanto que você chorou. Aliás, pensando bem, antes que você vá lavar o rosto, é melhor que você termine de chorar o resto.

– Chorar o resto? Como assim, Dona Sinhana?

– Chorar o resto? Você já vai ver, minha filha. Espere só eu tirar da parede esse quadro da sua avó e virar o outro lado pra você ver.

Donana retirou com cuidado o grande quadro do gancho que o prendia à parede. Segurou-o com as duas mãos à altura do peito e, com um rápido giro de 180 graus, expôs de repente o lado de trás para Helena.

E o que a moça viu a fez estremecer e ter nova onda de emoção incontrolável. Como Sinhana esperava, seu choro retornou intenso. Ali, no lado de trás do quadro, estavam fixadas duas enormes fotografias. Uma era de sua mãe, jovem, de beca preta e capelo, uma foto da formatura em Medicina.

A outra fotografia era dela mesma! Era a pequena Helena Fumiko, com seus sete aninhos, feliz e inocente, com os dois dedinhos da mão esquerda fazendo o V da vitória. Comemorava sua classificação como melhor aluna da classe! Poucos dias antes que a grande desgraça sobreviesse para as duas...


CONTINUA

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