PREFÁCIO
in: ATALIBA, UM PAULISTANO FELIZ – Milton Maciel,
IDEL 2009
Confesso que
já li prefácios adoráveis. É maravilhoso ver um personagem conhecido, daqueles
que são realmente fazedores de opinião, de preferência uma autoridade, escrever
um par de páginas tecendo elogios ao autor e a seu livro. Extrair uma frase
forte desse texto e imprimi-la na última capa do livro é uma quase garantia de
sucesso e de vendagem.
Meu editor,
um mercenário sanguessuga e mesquinho, exigiu-me, como uma de suas muitas
draconianas condições para que aceitasse publicar este livro, que eu lhe
arranjasse esse tipo de testemunho de um famoso qualquer. Não sei por que
cargas d’água, o homem encasquetou que tinha que ser uma personalidade do sexo
masculino: Olhe lá, mulher não serve!
Pudera, eu
sempre achei que esse pernóstico é um machista miserável. Azar meu, pois eu
poderia conseguir o testemunho de minha mãe, que, afinal, é diretora de uma
escola municipal em Faxinal do Soturno, no Rio Grande do Sul, uma autoridade da
educação, portanto.
Confesso
também que escrevi eu mesmo um prefácio adorável, daqueles cheios de elogios ao
autor. Tenho certeza que, ainda que com certa dificuldade, poderia convencer
minha mãe a assiná-lo, tendo, na certa, que pagar-lhe uma quantia em dinheiro.
Mas, mãe é mãe e o preço seria de mãe para filho; além disso, eu tenho certeza
que ela me facilitaria o pagamento em até seis prestações, desde que eu
concordasse, é claro, com os seus juros, que remédio!
Mas com a
exigência do meu editor – um unha-de-fome que me fez assinar o contrato mais
leonino que eu já vi ser enfiado goela abaixo num escritor desesperado, a ponto
de o adiantamento ser pago em cestas básicas e, assim mesmo, somente duas – fui obrigado a sair a campo para conseguir
um prefaciador famoso. Um homem!
Bem, não foi
fácil. Começa que nenhum famoso quis me receber. E, dos quatorze a quem enviei
o manuscrito do meu livro, não recebi jamais qualquer resposta. Consegui, a
caro custo, cair nas boas graças da empregada de um deles, pedindo-lhe que
rastreasse meu manuscrito no escritório do douto senhor. Mas tudo o que obtive
foi a informação de que ele estava, com envelope e tudo, servindo de calço a
uma velha mesa de pernas desconjuntadas.
Ao penúltimo
endereçado, resolvi fazer eu mesmo um cerco indireto. Indireto, porque se
baseava em observações levadas a efeito do lado de fora da casa do nobre
acadêmico estadual. Como eu receava, encontrei meu material, dias depois, na
lata de lixo do safado.
Ofendido, retirei-o dali e fui negociar minha
derradeira alternativa: um poeta bêbado que já tivera dois livros publicados,
há coisa de vinte anos, antes da decadência. Caramba, era melhor do que nada!
Aceitei pagar toda a enorme quantia que o abusado me pediu, embora ele se
recusasse terminantemente a ler meu livro (Não
tenho saco pra isso, pague que eu assino qualquer porcaria, pô!). Mas, imagine só, meu editor, o bestalhão, não
aceitou o vate como meu prefaciador.
Aí entrei em
desespero e escrevi esta peça aqui como desabafo. Pois o doido do editor viu,
adorou e resolveu colocá-la como prefácio do livro. Perguntei se ele não se
ofendia com os meus termos e ele disse que sim. Chamei-o de masoquista e ele
concordou. Durma-se com um barulho desses!
O autor
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