A PRIMEIRA PALMADA A GENTE
NÃO ESQUECE
MILTON MACIEL
Nasci como todos nascem, hoje eu sei. Mas com uma grande
diferença: tive imediata consciência do que acontecia. Vou explicar. Foi assim:
A primeira coisa de que recordo, ainda de olhos
fechados, foi aquela aguda sensação de frio. Quando abri os olhos para ver o
que se passava, fui violentamente ofuscado por um festival de luzes feéricas. Fechei
os olhos imediatamente, reação defensiva automática. Foi quando senti aquele
golpe traiçoeiro, que foi vibrado por alguém em minhas costas, mais exatamente
nas nádegas. Nunca mais o esqueci!
Fui obrigado a abrir os olhos novamente e a me
adaptar à dor e ao ofuscamento que a luz daquele ambiente provocava. E
imediatamente bradei, em protesto:
– Que é isso?!
Mas o som que escutei não foi de minha voz, porém
algo que me lembrou um horrível miado de tigre. Nesse momento, para meu
completo pavor, percebi que estava suspenso no ar. E de cabeça para baixo! Um
gigante mascarado me suspendia pelos pés e era ele o agressor que havia batido
em meu traseiro.
Então notei, horrorizado, que havia sangue, muito
sangue abaixo de mim. E que daquele lugar partia uma espécie de corda grossa
arroxeada que parecia entrar em minha barriga. Protestei outra vez em altos
brados e só então o gigante parou de bater em minha derrière.
Vi então que havia mais gigantes naquela estranha
sala. Uma dessas figuras me apanhou, pegou alguma coisa e cortou a corda
arroxeada perto da minha barriga. Aí ela me depositou em uma espécie de maca ou
algo assim, sei lá. Era uma gigante-mulher. Foi aí que passei a primeira grande
vergonha da minha vida!
Tive a clara consciência de que estava nu,
completamente pelado na frente de uma mulher. Tentei me erguer na maca para ver
se achava algo com que pudesse me cobrir. Mas, misteriosamente, eu não consegui
mover o corpo para cima. Aí a mulher enorme não só viu as minhas partes baixas,
como começou a passar as mãos nelas e no resto do meu corpo, usando uma espécie
de pano para retirar alguma coisa viscosa que havia grudado em minha pele.
Devo ter ficado vermelho de vergonha. Felizmente a
enorme criatura pareceu ter percebido o meu embaraço, porque tratou logo de me
cobrir e depois embrulhar em uns panos. E me levou no colo para um lugar onde
me depuseram num leito aquecido. Finalmente a sensação de frio passou! Na porta
do lugar havia uma placa em idioma estrangeiro, onde estava grafada a
estranhíssima palavra Berçário,
lembro disso perfeitamente até hoje.
Mas aí começou o pior. De repente me veio a maior
sensação de fome e de sede. Mas fome extrema, cruel, insuportável. Comecei a
gritar de novo, pedindo comida. Lembro-me de ter chamado em altos brados pelo
garçom. Mas, outra vez, tudo o que eu consegui escutar foi aquele horroroso
miado de tigre que atormentava os meus delicados tímpanos com indizível
crueldade.
Ah, como eu ansiava ali por uma variada tábua de
queijos, um bom vinho, uma baguette
fatiadinha. Eu queria meu Brie, meu Camembert, um Gorgonzola italiano, um
Merlot não muito envelhecido, pouco mais de vinte anos, safra 1743. E uma baguette, uma enorme baguette quentinha, hummm.
De novo a telepatia funcionou: como se lesse meu
pensamento, uma nova gigante mulher colocou algo em minha boca que eu, sem
entender bem por que, comecei a sugar avidamente. Mas, Grand Dieu, era ÁGUA! Foi choque demais. Desmaiei imediatamente e
só lembro de ter recobrado a consciência muito tempo depois, quando era uma
espécie de bebê roliço que estava aprendendo a caminhar.
Mas foi só para passar pelo segundo horror da minha vida:
os gigantes daquele novo ambiente me chamavam por um nome errado. Errado e
horroroso: Sebastião. Tiãozinho. Une
chose térrible! Mas isso eu conto outra hora. Au revoir.
Adorei!!! Posso copiar e partilhar? Sempre mencionando o autor, claro, não faço plágio.
ResponderExcluirSalete