ONOFRE E OS FRUTOS DO MAR
MILTON MACIEL
- Cumpadre
Onofre! Que surpresa, que faz vancê batendo aflito aqui a esta hora?
- Pois nem le
conto, cumpadre Gaudêncio. É cosa do otro mundo de mala suerte... Vim correndo
porque preciso usá seu banhero. Cum licensa, cumpadre!
E Onofre correu
para o banheiro do quintal, já com as mãos nas bombachas. Ficou por lá uns bons
10 minutos e depois reapareceu, com a cara mais desenxabida do mundo.
- Mas então,
índio velho! Mas me diga, que cosa tan mala que lhe assucedeu?
- Bueno, tu
lembra do Fritz, aquele do posto de gasolina, o Posto Ipiranga aqui de Santana do
Livramento? É aquele alemão que tem um sobrenome que é uma barbaridade que
ninguém consegue falá, mas nem dando câimbra na língua... Bueno, o nome não
importa. Mas tu sabe, o alemão é macanudo, é gente boa demás. Vai daí que ele
me convidô pra um almoço na casa dele hoje. E eu fui, é claro.
- E ele caprichô
no churrasco, cumpadre?
- Pois aí é que
tá o problema, tchê. Dexa le contá dereito. Bueno, pois eu fui na casa do
alemão e lá tava toda a parentada dele pro almoço. Aí ele me apresentô a prenda
dele, uma alemã gorda e alta, branca que nem papel, com os olho azul que nem
bolita. Flor de criatura também. E com um nome também brabo de repeti. Eu
entendi algo como Ingue Borges, só que acho ela mui branca prá sê parente dos
Borges lá do Alegrete, que é tudo cor de bugre.
- E o churrasco,
cumpadre? Como é que estava a costela do alemão? Tinha chicho?
- Mas bah,
cumpadre Gaudêncio! Pois era isso mesmo que eu queria sabê. Porque eu cheguei
passado da uma da tarde e nada de cherinho bom vindo do fogo de chão. Até
pensei: Será que esse vivente é daqueles índio que usa a tal de churrasquera,
essa cosa más esquisita, de assá carne dentro de casa?
- Bueno, e
entonces, que se passô?
- O que se passô
é que eu já tava com uma fome de antonte e nada de sentí o cheirinho da carne
na brasa. Fui ficando assustado: Que hora que vão serví essa carne, se ainda
nem começaram a assá ela? Calculei que ia ficá varado de fome até umas quatro
da tarde. Foi quando o Fritz me trouxe uma travessa grande, com uns negócio
esquisito dentro, uns pedacito esbranquiçado meio enrolado que eu nunca tinha
visto em toda a minha vida. E aí o Fritz falô, naquela fala pesada, meio engrolada
que ele tem. Foi mais o menos um cosa assim, vô arremedá a fala dele:
- Ah, agorra
Onofrre vai comerrr os melhorr frruto do marr que xá comeu no fida! Olha só
essa cumarron pranquinhas, sente só a cheirrinho dela.
- Bueno,
cumpadre, eu não sabia se aquilo era de planta o era de bicho. Se era bicho,
não sei porque o nome. Eu olhei bem e não vi nenhum deles que tivesse o cú
marrom. E quanto ao tal cheirinho... Bueno, não sei bem porque, mas na hora me
veio na lembrança a Isaltina, uma chinoca que eu derrubava nos mato quando eu
era más novo.
- E o churrasco,
cumpadre? Fala logo!
- Bueno, não teve
churrasco nenhum!
- Como não teve
churrasco, Onofre? Pois não era um almoço? Ora não pode tê almoço sem carne,
sem churrasco. Isso nunca que existiu no mundo.
- Pois existe nas
casa dos alemão. Olha, não deu nem meia hora e a dona Ingue e as parenta dela
botaram na mesa um monte de cosa que elas tava cozinhando fazia tempo. E também
o tal bichinho de cú marrom que o Fritz tinha me mostrado e que me lembrô a
Isaltina. Só que o bicho agora era de otra cor, alaranjado, mas a Dona Ingue me
jurô que era o mesmo, sim senhor.
- E o cumpadre
comeu?
- Bueno, eu não
podia desfeiteá o Fritz, que é mui buena pessoa, tu sabe. E a mulher dele, o
que tem de gorda e alta tem de divertida. Dava risada e botava mais dos
bichinho no meu prato. E botava outras cosa também, tudo esquisito. Tinha
pedaço de pexe, que isso eu reconheci. E tinha más um monte de cosa estranha,
meio pequena, umas argola branca de carne, uns bicho pequeno meio arroxeado, que
eu acho que era um tipo de taturana o então larva de vespa.
- A la pucha,
cumpadre! Que situação. E que gosto que tinha essa cosa esquisita?
- Bueno, até que
dava pra comê. O tal bicho esbranquiçado que virô avermelhado até que não era
ruim, embora nunca que tivesse o cú marrom. Eu até podia gostá, mas é que eu
tava comendo aquilo como tira-gosto, enquanto esperava pelo churrasco que,
àquelas altura, eu ainda não sabia que não ia ser servido.
- E as tal das
fruta do mar, cumpadre, era bom?
- Pois nunca que
serviram, tchê! Alemão é bicho esquisito mesmo. Pois ele falô das tal de fruta
do mar o tempo intero, mas não serviram foi nada. E eu ali enrolando, comendo os bichinho
esquisito, mas morrendo de curiosidade de
vê essas fruta, nunca que eu soube que dava fruta no mar. Mas, como eu nunca vi
esse tal de mar de perto, mesmo...
- Ah, pois diz
que o mar é uma lagoa mui grande, falam até que é maior que a Lagoa dos Patos,
tu acredita? E diz que a água é uma salmora só, salmora da braba, deve de tê
caído más de uma carreta de sal na lagoa. Tu acredita nisso também?
- Eu não! Maior
que a Lagoa dos Patos não hay neste mundo loco em lugar nenhum, nem nas
estranja. Mas quanto às tal das fruta sabe como é que pode de sê? Bueno, nas
lagoa e nos rio mais largo tem ilha, não é mesmo? Então no tal de mar deve de
tá assim de ilha também. E aí os home planta as fruta nas ilha e daí é que vem
o nome esquisito de fruta do mar. O Fritz fala frrrutos do Mar, mas ele troca
as palavra macho por fêmea a toda hora, então se ele diz frrruto, é porque o certo é fruta mesmo,
- Só que eles não
serviro as fruta.
- Pois não
serviro. Só deram de comê aquelas coisa pequena esquisita, de um monte de
feitio e misturada com pexe. Fruta do mar que é bom, nenhuma, churrasco que é
o melhor que existe numa mesa, nem prá remédio.
- E aí cumpadre?
- Bueno, aí que
eu tava com uma fome brabíssima e danei a cumê daquelas coisa miúda esquisita
mesmo. Só me embretei foi cum as lasca de pexe, coisa más ruim não hay, isso eu
não comia!
- Não hay! Pexe
pra mim só uma vez na vida, otra na morte. E assim mesmo se for um jundiá na
brasa, um naquito no más, pra botá na boca junto com a costela.
- Bah, cumpadre,
pra mim nem jundiá, nem traíra, nem nada que nada nas água. Mas, como ia le
dizendo, a fome era tanta que eu só dexava de lado os pedaço de pexe. E fui
comendo, comendo, comendo...
- E entonces?
- Bueno, entoces
assucedeu-se o pior. Eu, que nunca tinha comido o bichinho da cosa marron e nem
as outra cosa esquisita que tava junto, comecei a passá mal.
- Ué, mas como,
cumpadre?
- Ah, mas nem le
digo. Fui ficando meio mareado e o pior que não era das canha que tinha tomado,
que não foi más do que umas dez, isso não é bebida pra mareá um home!
- Não é, só dez
não é mesmo! Mas entonces...
- Entonces começô
a me dá um engulho no bucho, a corrê que nem uns rio por dentro das tripa e
isso o cumpadre já sabe o que é: deu uma rebordosa nos intestino e eu sentí que
ia soltá tudo era ali mesmo, me conheço, Me dá isso sempre que como cosa
esquisita, que não tô acostumado. É caí na pança e cosa de uma hora despos já
me dá a rebordosa nas tripa. Aí eu senti o perigo e fui saindo de mansinho, só
me despedi do Fritz, que não tinha jeito de querê me dexá saí. Foi um caro
custo, fica que fica, a senhorr non comeu quace nada, até parrece que non costô
do comida do minha Ingue Borges.
– Barbaridade,
Onofre do céu! Que enrascada...
– Das braba, cumpadre, das braba. O alemão
segurando meu braço, eu tendo que explicá que tinha gostado de tudo, mentindo
com a maior cara deslavada. E sentindo já a dor de barriga, era cosa de minutos
e ia corrê o maior churrio. Bueno, no fim consegui saí, fui andando despacito
primeiro, depos às carrera e por fim correndo que nem cusco assustado. E foi
assim que vim pedi a ajuda do seu banhero, cumpadre!
– E, pra priorá,
cumpadre, nada de fruta do mar...
– Pois é,
cumpadre Gaudêncio, todo esse aperreio e nada das fruta do mar! Mala suerte!...
Joi, Jul 02 2012
Nenhum comentário:
Postar um comentário