segunda-feira, 23 de julho de 2012


LITERATURA BRASILEIRA – JOSÉ CÂNDIDO DE CARVALHO
O Coronel e o Lobisomem

Com esta postagem inicio no meu blog uma série de homenagens a grandes escritores da literatura brasileira, alguns dos quais menos conhecidos e, consequentemente, injustiçados segundo minha concepção.

José Cândido de Carvalho, jornalista e escritor fluminense, nascido em Campos, viveu 74 anos e tornou-se membro da Academia Brasileira de Letras. Escreveu poucos livros, mas um deles, seu segundo romance, “O Coronel e o Lobisomem” tornou-se um grande best seller, ganhou vários prêmios, entre os quais o Prêmio Jabuti, o mais importante da literatura brasileira e é reeditado até hoje, 23 anos após a morte do autor. 

O Coronel e o Lobisomem é considerado um dos mais importantes romances já publicados no Brasil. Eu o releio todos os anos, mais de uma vez por ano. O estilo de José Cândido é apenas fantástico. A forma como esgrime o idioma, como usa palavras menos comuns, com as combina formando quase-neologismos, adaptando-as ao linguajar dos homens dos campos do Norte fluminense, é realmente antológica.

Para aqueles que viram “O Coronel e o Lobisomem” no cinema ou na série deTV, ao lerem o livro vão constatar a veracidade do ditado italiano “Tradutore, traditore”. Nada como ler e reler o velho Cândido e se encantar com o fraseado do Coronel Ponciano de Azeredo Furtado e suas dezenas de companheiros de história. Abaixo um pequeno trecho, para dar uma amostra do talento desse gênio da nossa literatura:

Excerto de “O Coronel e o Lobisomem”:

“Correu o tempo de um mês, choveu nos currais, perdi um boi de carga em dente de surucucu. Antão Pereira teve caxumba de um lado só. E por cima de tais desbenefícios, a costa soprou seus ventos brabos. De noite, São Bartolomeu, padroeiro deles, estumava aquela matilha de lobisomens que assobiava e fuçava portas e janelas. Enfastiado, vesti casacão de inverno e fui tirar uns dias em Paus Amarelos, na mesa e na cama de meu primo Juca Azeredo. Era visita prometida e adiada desde longe. Pelo que chegava ao Sobradinho, o parente andava amofinado, de inchação embutida em parte velhaca. Fui chegando e requerendo as pormenorizagens da tal moléstia que fazia e acontecia:

– É apanhada em rabo-de-saia ou é mazela de velhice?

Juca Azeredo gemia a um canto da cama larga onde Cicarino Dantas, antes de torrar o engenho, peneirava suas mulatas na receita de uma por noite. Na recordativa dessas desregragens, brinquei de novo com o primo Juca:

– Diga logo, seu Azeredo, onde apanhou tal galiqueira?

Coitado dele! Tinha contraído bicho-de-pé e caiu na asneira de amamentar a gosturinha da comichão para além do tempo estipulado, que é de cinco dias no mais espichar. Da exorbitância resultou florir na ponta do dedo do primo aquele botão de rosa de mau caráter. A pedido de Juca Azevedo, a obrigação do mestre de alambique escarafunchou a parte ofendida. Esperava criança a dita madama, barriga na casa dos sete meses. O dedo dela assim pejado só podia trazer desfavorecimento ao embaraço do parente. E foi o que sucedeu. Nem era morto o dia e já o primo via chegar a primeira remessa de maldade: a perna pegou peso de chumbo, um frio de maleita deu de vadiar pela espinha dele e como arremate sofreu vexame de barriga de não ter sossego.”

E por aí vai. Para quem gostou do estilo, não há tempo a perder: Internet ou biblioteca pública. A obra ainda não caiu em domínio público. (MM)

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