LITERATURA
BRASILEIRA – JOSÉ CÂNDIDO DE CARVALHO
O Coronel e o Lobisomem
Com esta postagem
inicio no meu blog uma série de homenagens a grandes escritores da literatura
brasileira, alguns dos quais menos conhecidos e, consequentemente, injustiçados
segundo minha concepção.
José Cândido de
Carvalho, jornalista e escritor fluminense, nascido em Campos, viveu 74 anos e
tornou-se membro da Academia Brasileira de Letras. Escreveu poucos livros, mas
um deles, seu segundo romance, “O Coronel e o Lobisomem” tornou-se um grande best seller, ganhou vários prêmios,
entre os quais o Prêmio Jabuti, o mais importante da literatura brasileira e é
reeditado até hoje, 23 anos após a morte do autor.
O Coronel e o Lobisomem é considerado um dos mais importantes romances já
publicados no Brasil. Eu o releio todos os anos, mais de uma vez por ano. O
estilo de José Cândido é apenas fantástico. A forma como esgrime o idioma, como
usa palavras menos comuns, com as combina formando quase-neologismos,
adaptando-as ao linguajar dos homens dos campos do Norte fluminense, é
realmente antológica.
Para aqueles que
viram “O Coronel e o Lobisomem” no cinema ou na série deTV, ao lerem o livro
vão constatar a veracidade do ditado italiano “Tradutore, traditore”. Nada como ler e reler o velho Cândido e se
encantar com o fraseado do Coronel Ponciano de Azeredo Furtado e suas dezenas
de companheiros de história. Abaixo um pequeno trecho, para dar uma amostra do
talento desse gênio da nossa literatura:
Excerto de “O Coronel e o
Lobisomem”:
“Correu o tempo
de um mês, choveu nos currais, perdi um boi de carga em dente de surucucu.
Antão Pereira teve caxumba de um lado só. E por cima de tais desbenefícios, a
costa soprou seus ventos brabos. De noite, São Bartolomeu, padroeiro deles,
estumava aquela matilha de lobisomens que assobiava e fuçava portas e janelas.
Enfastiado, vesti casacão de inverno e fui tirar uns dias em Paus Amarelos, na
mesa e na cama de meu primo Juca Azeredo. Era visita prometida e adiada desde
longe. Pelo que chegava ao Sobradinho, o parente andava amofinado, de inchação
embutida em parte velhaca. Fui chegando e requerendo as pormenorizagens da tal
moléstia que fazia e acontecia:
– É apanhada em
rabo-de-saia ou é mazela de velhice?
Juca Azeredo
gemia a um canto da cama larga onde Cicarino Dantas, antes de torrar o engenho,
peneirava suas mulatas na receita de uma por noite. Na recordativa dessas
desregragens, brinquei de novo com o primo Juca:
– Diga logo, seu
Azeredo, onde apanhou tal galiqueira?
Coitado dele!
Tinha contraído bicho-de-pé e caiu na asneira de amamentar a gosturinha da
comichão para além do tempo estipulado, que é de cinco dias no mais espichar.
Da exorbitância resultou florir na ponta do dedo do primo aquele botão de rosa
de mau caráter. A pedido de Juca Azevedo, a obrigação do mestre de alambique
escarafunchou a parte ofendida. Esperava criança a dita madama, barriga na casa
dos sete meses. O dedo dela assim pejado só podia trazer desfavorecimento ao
embaraço do parente. E foi o que sucedeu. Nem era morto o dia e já o primo via
chegar a primeira remessa de maldade: a perna pegou peso de chumbo, um frio de
maleita deu de vadiar pela espinha dele e como arremate sofreu vexame de
barriga de não ter sossego.”
E por aí vai.
Para quem gostou do estilo, não há tempo a perder: Internet ou biblioteca
pública. A obra ainda não caiu em domínio público. (MM)
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