MILTON MACIEL
Fim do cap 92 - "Ah, Gládis De Rios! Ainda bem que ela não podia adivinhar agora o que ele estava pensando fazer com ela, toda entregue em seus braços, fogosa e sensual. Ou será que podia?... Por um momento teve um frêmito de incerteza, chegou a imaginar o peso do sapato nos países baixos. Meu Deus, tomara que não possa!"
Alguns dias
antes de Eurico chegar a estas sensacionais conclusões, quem chegava a outro
ponto era o ex-gerente Natanael Bergonzi. Chegava mais exatamente a Roissy-Charles de Gaulle, o grande
aeroporto internacional que serve Paris e sua região.
Uma hora e vinte depois
de o avião da Air France, procedente do Brasil, taxiar na pista, cumpridos os
rituais de passar pela alfândega e da retirada das bagagens, Natanael pôde
enfim cair nos braços amorosos de sua viuvinha querida, que lhe disse com voz apaixonada:
– Meu amor!
Que saudade. Parece mentira.
E, falando
isso, uma Diva Silva muito diferente apertou-se contra seu amante brasileiro.
Natanael mal podia acreditar no que via. Sua amante estava pelo menos uns 15
anos mais moça, a pele do rosto lisinha e sem rugas, brilhante sob uma maquiagem
bem menos pesada do que aquela que usava sempre. Seu cabelo agora era pintado
de loiro, num tom idêntico ao loiro natural de sua filha Larissa. Também o
corte deixava-a muito parecida com a filha. A parecença já existia normalmente,
mas as diferenças eram também muito acentuadas, a idade sendo a maior delas.
Os cabelos de
Diva Silva sempre tinham sido mantidos num castanho claro, oscilando as
tonalidades das tinturas em torno desse seu tom natural. Agora estavam cortados e
tingidos como os da filha. De uma certa distância, Natanael considerou que as
duas poderiam ser confundidas uma com a outra, especialmente agora que Diva
havia feito uma evidente cirurgia plástica. O fato é que ela estava muito mais
bonita do que já era. Foi isso que Bergonzi falou, assim que sua companheira
liberou seus lábios dos famintos beijos de língua:
– Menina, você
está uma gatinha, uns 15 anos mais moça. Está gostosa, me
deixa morto de tesão. Sua bandida, foi por isso eu você me segurou tanto tempo
no Brasil, tendo que fazer hora lá naquela cidadezinha morfética onde eu nasci,
é?
– Claro que
foi, meu garanhão. Se você chegasse aqui antes, ainda ia me encontrar toda
inchada da plástica. Não ficou o máximo? Fiz na Suíça, logo que cheguei na
Europa, numa clínica bárbara, que só atende celebridades e artistas de cinema e
televisão. Vários dos cirurgiões ali fizeram estágio com o Dr. Ivo Pitangui, no
Brasil. O meu, o Doutor Luther, morou dois anos no Rio de Janeiro pra isso e
fala um português bem razoável.
–Pô, o cara é
bom pra burro! Mas também deve custar os olhos da cara, você chega usada, sai
novinha, mas sai cega, sem os dois olhos.
– Engraçadinho!
Pra mim pouco se me dá o quanto custa, desde que fique perfeito. E ficou, não
é? Isso que não desinchou tudo ainda, vai ficar muito melhor, você vai ver.
– Ficou, sim,
gatinha. Ficou demais. Você está parecendo a sua filha, juro. Só que você é muito
mais gostosa, não é só água com açúcar como ela, que não dá tesão na gente.
Diva
apertou-se ainda mais contra ele, para excitá-lo. Sentiu imediatamente a reação
do homem lá embaixo. Disfarçou, olhou para os lados, no saguão cheio de gente,
e passou a mão rapidamente, apertando o que queria.
–Ai, que
saudade dessa gostosura aí. Não vejo a hora, três meses de secura, vamos embora
logo pro meu apartamento. Você também está muito lindo, um tesão, meu gato.
Pouco depois,
dentro do taxi, começaram as brincadeiras com as mãos, passeando por baixo do
largo casaco de pele de Diva, convenientemente estendido sobre o colo de ambos.
As mãos abriram os zíperes, as bocas procuraram as bocas, e a viagem ficou
mais curta e mais rápida. Num certo momento viram a cara de poucos amigos do
motorista pelo espelho e resolveram maneirar. Paciência, quem esperou três
meses, podia esperar mais uma ou duas horas. Acabou sendo bem mais do que duas
horas, o trânsito de Paris deu suas boas vindas ao Lacraia.
Tendo que
parar de agir com as mãos e beijar, Diva usou a boca só para falar,
perguntando:
– E aí, tudo
certo lá no Brasil, meu bem?
– Certíssimo,
gata. Tudo morte natural, os babacas nunca desconfiaram de nada. Exceto, é
claro, aquele idiota do Narciso, que achou que podia chantagear a gente. Esse
eu tive que apagar no tiro mesmo. Mas foi a maior moleza, como você já sabe.
Levei o dinheiro pro panaca, ele abriu e contou no carro, nunca tinha visto
tanta nota azul na vida dele. Uma coisa eu posso dizer que fiz de bom pra ele: o palhaço morreu feliz, estava rindo todo
contente, com a grana na mão, quando levou o tiro no coração. Morte instantânea.
Morreu rindo, mas de olhão arregalado.
– Ai, essa eu
queria ver, deve ser lindo ver um cara empacotar assim, num segundo! Os outros
que a gente despachou levaram muito tempo pra ir pro inferno. E eu perdi essa!
Ah, mas o pior foi que eu perdi o melhor de tudo, eu não pude estar ali naquela
delegacia, pra dar a injeção naquele macaco maldito, teve que ser esse guarda
imbecil.
– Ah,
benzinho, mas aí era dar muita sopa pro azar, não é? O Narciso nunca sonhou que
você estivesse por trás da coisa, sempre pensou que era coisa só minha, de
vingança. Eu convenci o babaca que era isso, que eu tinha ódio daquele patrão
que me explorou a vida inteira. E que ia aproveitar que o Schlikmann estava
preso na mesma cela e a gente apagava o Silva, deixando as suspeitas com o
alemão, caso descobrissem algo na autopsia. E foi o que aconteceu, infelizmente.
– Ah, mas a
morte daquele nojento foi uma maravilha, amor, a nossa independência pra
sempre.
– Agora veja
se dá pra entender aquilo que eu te falei no telefone: o Narciso me contou que
veio um legista filho da puta e descobriu o lance do 1080. Aí podia, quem sabe,
pesar pro nosso lado. O Narciso ficou se borrando de medo, mas, dias depois,
ele me telefonou pra contar que o alemão tinha confessado que foi ele que matou
o Silva. Veja só, o cara tá todo doidão da cabeça, Alzheimer ou coisa que o
valha, e faz uma besteira dessas.
– Como foi
mesmo a coisa, gato?
– Lembra que
eu te contei que o Narciso viu o filme do alemão variando? Aí ele dizia que o
Valdemar se fudeu, morreu e fazia um gesto de quem dá injeção. Quer dizer que o
filho da puta viu quando o Narciso estava matando o macaco. Devia estar
acordado e o imbecil do guarda achou que o sujeito estava dormindo. Pois, pra
sorte nossa, o cara endoideceu de vez e começou a fazer aquela coisas do filme,
então o delegado tem certeza que é ele o matador.
– Ai, meu
amor, que sorte a gente deu nisso, hein?
– Sorte e
esperteza, minha gatinha. Porque eu ensinei o Narciso a fazer uma encenação do
caralho, subir no forro da casa velha da delegacia e fingir que tinha achado
pistas, uma luva de látex, pegadas, telhas remexidas. E o primário daquele
delegado e o sargento carcereiro, um tal de Mota, pô, os bestas acreditaram em
tudo o que o Narciso encenou, gata! Uns débeis mentais, uns caipiras de
interior mesmo, uns roceiros. Desse perigo nós estamos livres pra sempre! E os
outros presuntos, esses a terra já queimou os arquivos pra nós.
– É, mas o
método é perfeito, bendita hora que aquele nojento mandou vir o 1080 pra
liquidar o concorrente dele. E bendita a hora em que eu ouvi ele comentando a
coisa toda com o Ramiro Toco, se exibindo todo, um dia antes de liquidar o cara
de Rio dos Cedros. Aí eu fiquei ligada, de sobreaviso, e, quando ele me pediu
para deixar os dois sozinhos, no escritório dele, lá em casa, depois do jantar,
eu tive certeza que era naquela hora que ele ia usar o tal produto mágico. O
macaco encheu ele de uísque antes do jantar, depois tacou-lhe várias marcas de
vinho, que o cara tinha que experimentar. Ele estava mais bêbado que gambá,
quando entrou no escritório caindo pelas tabelas, o Valdemar amparando ele. O
cara já estava meio apagando, aí o nojento jogou o sujeito no sofazinho e
fechou a porta.
– E, pra sorte
nossa, você viu tudo.
– Vi porque me abaixei e olhei pelo buraco da
fechadura. O sofá ficava bem em frente à porta. Aí eu vi o desgraçado botando
máscara e luvas, esfregando o pó no ombro do cara, depois embaixo do nariz. E
aí ele tirou da gaveta dele a seringa, que já tinha o veneno líquido, e injetou
no homem. Levou uns 20 minutos pra fazer tudo e limpar bem a cena, guardar as
coisas numa caixa fechada.
– E você ali
firme, testemunhando tudo.
– Sim, vendo
uma pessoa ser morta, assassinada. E a minha surpresa: eu não fiquei
impressionada, não fiquei com medo. Não achei errado. Eu fiquei foi muito excitada
com aquilo, com o poder que o macaco tinha de vida e morte naquele momento. No
duro, eu fiquei foi com inveja dele. Devia ser demais ter o poder de despachar
alguém que você odeia, ou que está atravessado no seu caminho. Naquela hora eu
decidi que ia matar o Valdemar com aquela coisa. Só ia ter que descobrir o
nome, ler algo a respeito. Quando ele saiu do escritório e me contou que o
homem tinha passado mal, por causa da bebedeira, eu fiz que acreditei e ajudei
a fazer o maior berreiro, chamando as criadas. E ele ligou pro Doutor Bernardo,
que veio, examinou, mandou chamar o delegado Otílio Amaral e levar o corpo pro
hospital dele, pra autópsia. Aí os três se trancaram um longo tempo no escritório
e o depois saíram de lá todos contentes, foram brindar com champanhe, no nosso
bar. Eu só imagino a negociata que o Valdemar não fez com eles. Tanto que o
caso foi encerrado imediatamente, como morte natural. E o Valdemar fez questão
de sepultar o homem ali mesmo em Amarante, ligando pra viúva em Rio dos Cedros
e dizendo que, se o sepultamento fosse em Amarante, a Transportadora dele podia
pagar todas as despesas de caixão e cemitério. A coitada aceitou, é claro.
– Aí você me
falou no outro dia sobre o tal veneno mágico e nós dois começamos a vasculhar
as coisas do Pitoco filho da puta, até que você encontrou os bagulhos na sua
casa e eu não encontrei nada na firma. Aí foi a maior moleza, a gente teve
acesso ao produto e às instruções em português. Instruções certinhas de como
usar num ser humano, isso é que era o mais legal.
– E o maldito
era burro demais pra perceber que eu tirei um pouquinho dos preparados, o pó e
o líquido. E isso foi a grande mancada da vida dele.
– É, mancada
que custou a vida dele.
– E aí veio o
grande dia, quando eu pude matar uma pessoa sozinha com as minhas próprias
mãos, aquela anta da Eunice, a empregada que nos pegou no flagra no quartinho
do sótão, aquela vez que o macaco estava viajando. Eu enchi a imbecil de
dinheiro, mas fiquei super feliz por ali estava a minha chance de testar o
veneno do nojento em alguém, praticar, aprender, antes de usar nele mesmo. E me
livrar daquela chantagista idiota.
– Pois é, meu
amorzinho, você tem uma cabecinha danada de boa pra isso. Imagine, convencer
aquela tapada que o pó e a injeção eram um tratamento de beleza!
Diva
enrolou-se toda nos braços de Bergonzi, comentando feliz:
– Eu disse que
aquele era um tratamento com produtos caríssimos, importados, que custavam o
preço de um automóvel. Mas que aquele era o segredo da minha beleza e
juventude. A idiota acreditou e me impôs que eu aplicasse o tratamento nela,
além do dinheiro, como parte da chantagem. Pode ter alguém mais imbecil? Não merecia morrer? Fala a verdade...
– Meu tesão!
Cabecinha esperta, só perde pra essa bucetinha molhadinha, que eu quero
saborear o dia inteiro.
Diva apertou
as pernas, tremendo de excitação:
– Ai, nem me
fala, que saudade dessa língua de fogo! Ai, essa droga desse trânsito, que a
gente não chega nunca!!!
E voltaram a
se agarrar, tocar com as mãos, beijar com volúpia, suspirar e gemer, para
irritação crescente do motorista do taxi.
Ah, pensou ele, brasileiros! Raça sem pudor,
só servem pra isso e pra exportar bundas, enchem nossa praças de travestis,
diabos! Se continuarem, eu paro e entrego eles pro primeiro gendarme que
encontrar.
Para sorte do
casal mais do que fogoso, chegaram ao local final em mais dois minutos. Diva
apresentou-o para o namorado:
– Olha, amor,
este é o Boulevard Lannes, é a minha rua, importantíssima e bem central. Aqui é
o 16me Arrondissement e nós estamos bem perto do Arco do Triunfo e dos Champs
Elisées. O Rio Sena fica a uns poucos quarteirões daqui, amanhã a gente vai
passear de barco por ele, é uma delícia. O Trocadero e a Tour Eifel também não
ficam longe daqui. Eu já estou conhecendo muita coisa de Paris. E progredi
muito no domínio do francês, estudo todos os dias, vou a aulas, converso com as
pessoas. Eu sou uma parisiense de coração, você sabe.
– Um maldito
que me fodia de tudo que é jeito, na hora que ele bem entendesse, mesmo quando
chegava com cheiro de vagabunda da rua. Aí eu exigia que ele usasse camisinha e
ele me descia o braço. Mas acabei conseguindo, eu mesma tinha que colocar. E o
desgraçado nunca me chupou amor, disse que tinha nojo de buceta, que homem que
é macho não se rebaixa a fazer essas nojeiras, que nunca fez isso na vida. Só
que eu tinha que chupar aquele pau porco dele a hora que ele quisesse. Por
essas e por outras, o dia em que o Fúlvio Rondelli veio me comunicar, todo
cuidadoso, a morte do meu marido na cela da delegacia, foi o dia mais feliz da
minha vida.
– E da minha
também, amor.
CONTINUA
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