MILTON MACIEL
90 – HIJITA, ESTE ES TU
PADRE
Fim do cap. 89: "Para Celso Teles, a hora do encanto tinha chegado enfim. Mas para Diego de Rivera y Alarcón, a hora do espanto estava para chegar: uma filha desconhecida!"
No Corolla de
Celso, a caminho da Teles Automóveis, Diego Rivera era um poço de nervosismo
só. Carmen havia ligado para Celso quando ele estava entrando no carro,
deixando a academia, para dizer-lhe que Gládis finalmente aceitara conhecer seu
pai e que o estava esperando no escritório da gerência.
Diego expressou
toda a imensa tensão que sentia por sua atitude inusitada: não disse uma única
palavra durante o percurso, colocou as duas mãos na cabeça, encobrindo o rosto
parcialmente e, de vez em quando, emitia fundos suspiros.
Ao descerem do
automóvel, Celso rompeu o silêncio:
– Don Diego, não
tenha tanto receio. Eu já lhe disse que sua filha é uma mulher belíssima, saiu
à mãe e à avó. Mas ela é também uma pessoa de um caráter a toda prova, uma
pessoa muito bondosa, nobre e justa. E prepare-se, ela é a nossa bruxinha do
bem, é completamente paranormal, tem uma intuição quilométrica, incrível. Pode
ter certeza que ela será justa com o senhor. Não se angustie. Se ela aceitou
recebê-lo, isso é sinal de que já tem uma posição formada e que ela não vai ser
tão desfavorável quanto o senhor teme.
– Ah, mi amigo! Yo tiemblo, tremo de miedo. Es una sensación horrible. Dios
santo!
Don Diego
aprumou-se, endireitou a gravata, passou a mão no cabelo, olhou para os sapatos
e seu lustro. A insegurança era tanto que ele tinha medo até de causar uma má
impressão pela roupas e calçados que usava. Que estavam simplesmente
impecáveis, como sempre.
Celso escoltou-o
até à porta da sala de Carmen e bateu, anunciando-se:
– Boa tarde,
Carmen. Somos nós – E passou o braço sobre o ombro do amigo, dando-lhe força. A
seguir, quando ouviu o ruído da porta se abrindo muito lentamente, retirou-se
para seu próprio escritório. Agora não havia mais nada que ele pudesse fazer.
Agora era tudo com Don Diego e sua família.
Carmen mal olhou
para Diego, voltou-se para sua filha e falou, já deixando a sala, enquanto
fazia sinal para o homem entrar:
– Hijita, este es tu
padre.
Diego Rivera
estacou, imóvel e boquiaberto. Celso dissera-lhe que ia encontrar uma mulher
muito bonita. Mas aquela ali, em pé à sua frente, era muito mais do que
deslumbrante, era uma beleza espanhola perfeita, completa, incomparável, com seus longos cabelos pretos caindo sobre os ombros.
Foi bom para ele
que tivesse ficado tão aturdido com a beleza da moça, porque assim esqueceu por
alguns segundos toda a sua incontrolável ansiedade.
Então ouviu a voz
harmoniosa de sua filha desconhecida pela primeira vez na vida:
– Sali a mamita –
disse-lhe ela em espanhol, explicando que saíra à mãe, por isso era bonita.
Increíble – pensou Diego Rivera – es como si leyera mi pensamiento!
– Don Diego Rivera
– continuou Gládis, com serenidade – eu sou brasileira. Filha de espanhola com
argentino, nascida em Buenos Aires, mas sou brasileira. E já que sou sua filha,
quero que pense em mim como sua filha brasileira. Por isso só vou falar com o
senhor em português, embora o espanhol seja, de fato, minha primeira língua.
Por favor, sente-se. Não fique assim tão tenso, eu não mordo.
– Es que... No sé lo que decir. Ni como decirlo. Perdóname, es todo lo que
puedo decirte.
– À minha mãe o
senhor pode pedir perdão, mas já lhe digo que ela jamais vai dar. Quanto a mim,
não tema. Não há nada para perdoar. Eu o recebo não como um pai, mas como um
homem a quem quero conhecer, porque passei minha vida toda imaginando como
seria o meu pai. Não vou lhe chamar de pai, nem o senhor precisa me chamar de
filha.
– Gládis, por
favor...
– Eu entendo
perfeitamente, Don Diego. Mas por enquanto é impossível isso que o senhor está
pensando. Mas vamos dar tempo ao tempo. Agora a gente se conhece, pode manter
contato, aprofundar esse conhecimento. Quem sabe podemos ficar bons amigos, com
o passar do tempo. Sem pressa. Foi um choque enorme para todos nós.
– Pero tu,
entonces...
– Não, não lhe
quero mal. Sossegue. Mas não posso lhe querer bem, também. É como eu disse,
vamos dar tempo ao tempo.
– Gládis...
– Quanto dias vai
ficar em Amarante, Don Diego?
– Quatro, cinco...
quizás.
Gládis então
deu-lhe a mão delicada, despedindo-se. E falou-lhe em espanhol, contrariando o
que dissera antes:
– Bueno, entonces nos veremos más veces. Y podremos platicar más. Es usted
un hombre muy guapo. Veo ahora que no salí solo a mamita. Adiós, hasta mañana.
– Grácias, hija... es decir, Gládis. Muchas Grácias por perdonarme y
aceptarme. Como
amigo, aún que sea.
Gládis saiu e só
então Diego Rivera sentou e relaxou. Estava como que em transe: sua filha não o
recebera como Carmen, com quatro pedras na mão. Fora gentil, calma. Soberana,
podia dizer.
Sim, ela estava
completamente a cavaleiro da situação. Era uma mulher forte como ele jamais
poderia imaginar que fosse. Toda ele transmitia a ideia de força, uma força
legítima, inegável, uma força da alma.
Essa força é que o
tinha impressionado sobremaneira, ainda mais do que a enorme beleza da moça. E
a evidente capacidade por ela demonstrada de se antecipar às palavras dele, com
se pudesse ler seus pensamentos. Por isso Celso dissera que ele era paranormal.
E, mais, muito mais do que ele merecia, aquela mulher extraordinária em todos
os sentidos... era sua filha!
Sim, daria tempo
ao tempo. Ela era sua filha. Ele era o pai pródigo. Competia a ele conquistá-la
dia a dia, mês a mês, para compensar todos os vinte e três anos em que estivera
longe dela.
Pois
ele faria disso o maior objetivo de todo o resto de sua vida. Sua filha não ao
odiava, não tinha ressentimento contra ele. Só isso já era bom demais. O resto
ele haveria de conseguir. Queria se tornar um grande amigo na vida dela. E
haveria de consegui-lo. Não mediria esforços...
E
teve uma ideia na mesma hora: Pediria a Celso todos os dados da filha. E, assim
que chegasse à Espanha, chamaria seu advogado e o mandaria incluir a cidadã
brasileira Gládis De Rios em seu testamento, em condições de igualdade com seus
outros dois filhos argentinos e sua filha espanhola.
Quando Gládis saiu
da sala da gerência, todas as mulheres caíram em cima dela, curiosíssimas.
Menos Carmen, que se manteve à distância, sem desviar os olhos do monitor de um
computador de vendas.
– Como foi?! Como
foi?! Ai, conta, conta, conta! – evidentemente essa era uma saltitante Larissa,
agarrada ao braço de Gládis, morta de curiosidade.
– Foi difícil,
chefia? – perguntou Paula, com mais maturidade.
– Ora, ela tirou
de letra, não estão vendo a calma dela? – comentou Jennifer, retirando delicadamente
a mão de Larissa, que mais parecia uma garra branquinha espremendo o braço da
espanholita.
Gládis abraçou-se
a todas as três e respondeu:
– Difícil, chicas.
Mas menos do que eu esperava. Mamita soube me acalmar antes, eu estava
preparada. E também teve outra coisa que ajudou muito.
– O que, o que?
– Ah, Fofinha, o
que eu senti sobre ele. E o que eu
senti foi basicamente bom. Ele é um homem bom. Tenho certeza que é honesto,
correto. Não senti maldade, falsidade, nele. É claro que ele pisou feio na bola
com mamita. Mas isso foi quando ele
tinha menos de trinta anos. E nunca
soube da minha existência. A mim ele não deve nada.
– Puxa – comentou
Jennifer Schlikmann – deve ser o máximo conhecer um pai que a gente nunca viu
na vida. Aproveite essa oportunidade, Gládis, não vá atrás da nossa Carmen,
fazendo aquela cara de esfinge ali, como se não estivesse nem um pouco ligada
no que você está dizendo. Um pai é sempre um pai, por mais complicado que seja.
Eu que o diga, que nunca conheci nem pai nem mãe nesta vida. Chegue nele,
espanholita. É o seu pai!
– Ai, eu acho isso
tão emocionante!... Dá uma vontade de chorar...
– Segura a onda,
Fofinha. Acho que a hora é de celebrar. Eu proponho um brinde.
– Um brinde,
Paula? Com o que?
– Vinho branco da
geladeira, Jenny – foi a resposta.
– Eu busco, eu
busco – gritou Larissa, já saindo em carreira desabalada.
– Moleca! – falou
Jennifer, rindo.
Larissa voltou em
segundos, com a garrafa e as taças. E o sacarrolhas, que estendeu imediatamente
a Gládis. Não precisava mais nada para mostrar quem ela considerava a mais
forte ali. Gládis abriu a garrafa com facilidade e devolveu-a a Larissa, que
serviu todas a taças.
Paula fez sinal às
outras para que esperassem e andou vinte rápidos passos até chegar à cadeira
onde Carmen estava sentada como uma estátua de sal:
– Olhe, meu amor.
Depois você bebe, tá geladinho. Não precisa brindar.
Carmen enfim
retirou o olhar congelado de sobre a tela e ergueu o rosto para trocar um rápido
roçar de faces com Paula:
– Grácias, você é
um amor mesmo, Paulinha.
Paula voltou os
mesmos vinte passos, apanhou sua própria taça cheia e ergueu-a para o brinde:
– A filha e pai.
Que o destino corrija o que o destino aprontou. Paz e amor!
– A filha e pai.
Paz e amor! – repetiram as outras moças.
– A minha hijita preciosa! – propôs Carmen, que
estava ali junto delas agora, com semblante leve, desanuviado, sorridente.
Gládis abraçou-se à mãe e ficou assim um longo tempo. Depois falou:
– Te amo tanto, mamita!... Não quero que você ache que é
traição minha, se eu me interessar por meu... por conhecer melhor esse Don
Diego.
– Claro que não, hijita. Claro que não. Minha vida é
minha vida, e sua vida é sua vida. E ele é mesmo seu pai, então você pode falar
“pai” e pode e deve chamar ele de pai, não há problema.
Gládis esvaziou
sua taça e jogou-se sobre uma cadeira.
– Gente, agora eu
preciso relaxar! Pode não parecer para vocês agora, mas eu passei o maior
sufoco naquela sala. Só que ele
passou um bem pior. Mamita, me dispensa agora? Preciso tomar um ar, dar umas
patadas, quebrar uma cabeças, se possível. Mas, se não der, então me contento
dançando duas horas de flamenco em casa. Pode ser?
– Claro, hijita.
Pode ir, boa descarga de adrenalina. Te adoro – e beijou-a suavemente.
Larissa e
Jennifer, cada uma por razões diferentes, disseram para si mesmas a mesma
coisa: Meu Deus, que delícia de mãe!
Ficaram todas
olhando a mulher linda e imponente se afastar, com seu passo seguro de sempre,
em direção o seu carro. Aquela era Gládis de Rios, uma fortaleza de novo!
CONTINUA
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