sábado, 9 de abril de 2016

LUA  OCULTA – 84  
MILTON MACIEL 

84 – CARUARU, PERNAMBUCO
Fim do cap. 83 "Celso saiu. Hora de convencer um argentino emocional a se refugiar no outro amor da vida dele – e da de Celso também – o futebol!"

Naquela manhã, enquanto Celso Teles levava um assustado Don Diego de Rivera para sua academia e começava a ver seu sonho dourado assumir os primeiros tons de realidade, enquanto na Teles Automóveis uma resignada e tranquila Carmen De Rios procurava acalmar e convencer sua filha Gládis, novidades surgiram no front da investigação mais importante de todo a história da polícia de Amarante.

Um jovem policial de apenas 23 anos, tecnicamente um aprendiz de feiticeiro, um estagiário do delegado Norberto Oliveira, tinha feito uma descoberta surpreendente. E, depois que o carcereiro Mota chegou à delegacia, Eurico começou a fazer seu relatório:

– Gente, eu passei a tarde toda de ontem e um pedaço desta manhã na Transportadora do seu Hiro Ito, a que foi antes do nosso presunto mais ilustre, o Valdemar Silva. Fui de Herodes a Pilatos, sem conseguir nada de novo, falei com dezenas de pessoas, todas se desdobrando em elogios ao antigo gerente, o homem de confiança do Pitoco, o tal de Natanael Bergonzi. Claro, esse é o cara que a gente está colocando no foco da lupa.

O delegado foi direto ao ponto:

– E você descobriu alguma coisa de útil sobre o cara?

– Bem, como eu estava dizendo, de início não. Só fiquei sabendo que o cara era bom mesmo no que fazia, que tinha o maior cartaz com os funcionários e que gozava, mesmo, da confiança total do dono da firma. Mas aí eu pedi para me mostrarem fotos que eles tivessem do carinha; é claro que, com todo mundo tendo celular hoje em dia, era fatal que muitos tivessem fotos em que o sujeito aparecia, tipo reuniões ou festas da firma. E vi um monte delas.

– E daí? – indagou Mota.

– E daí que eu achei o cara muito boa pinta. E deduzi o lógico: o cara tem jeito de galã, é solteiro, quarentão, trabalha num lugar com mais de cem pessoas, onde há pra lá de vinte e cinco mulheres. Logo: ou deu enrosco com alguma delas, ou o cara é bichona.

– Espera aí, cara, ele podia ter uma namorada ou noiva de fora da firma, ora bolas.

– Não tinha, Mota. Todo mundo me garantiu. Então eu segui o fio do meu raciocínio: ou era viado ou devia ter comido alguém por aqui, pode ser o maior come-quieto. Então fui pra cima das mulheres.

– Por que das mulheres, rapaz?

– Ora, delegado, você já viu mulheres serem unidas, mulher acobertar mulher? Elas estão sempre competindo uma com as outras. Por isso eu escolhi as mais bonitinhas, as mais gostosas e toquei o cavalo em cima.

– Com que papo, cara?

– Bom, primeiro eu fui descobrindo e anotando os nomes dessas gostosinhas. Então eu chegava numa delas e dizia que a gente estava sabendo que o gerente andava de cacho com uma das outras. Lembro que disse para uma Adalgisa que o cara andava com a Amélia da contabilidade. Pra essa Amélia eu disse que a gente sabia, de fonte segura, que ele tinha um caso com a Maria da expedição.

– Estranho esse seu método, cara. Fofocalhada...

– Claro, Mota, eu estava tendo que romper os escudos de defesa de um monte de mulheres. O que podia ser melhor que uma boa fofoca?

– Bom, e isso funcionou, afinal?

– No começo não, delegado. Todas elas diziam que não sabiam de nada. Até que uma certa Mercedes mordeu a isca. Quando eu falei que o sujeito tinha um caso com a Adalgisa, ela largou, na hora, muito furiosa:

– Ah, só podia ser essa perua! Bem que eu desconfiava. A polícia tem certeza disso? Ah, eu odeio essa vagabunda!

– Se entregou! Ela estava a fim do cara, Eurico. Foi isso?

– Na mosca, chefe! Na hora eu saquei: ou gostava do cara, ou o cara tinha o cacho era com ela. Só assim pra ela largar na hora que odiava a Adalgisa, “aquela vagabunda”. Pô, era só fofoca minha, coitada da moça.

– Ou vai ver, não era, cara. Vai ver você fofocou na mosca sem querer e ele se enroscava mesmo com a tal Adalgisa.

– Ah, Mota, mas você não sabe ainda da maior. Eu conversei com essa Mercedes no intervalo do cafezinho da tarde. Pois você acredita que a doida saiu que nem um touro bufando da sala dela e foi puxar briga com a Adalgisa, que trabalha na sala em frente?

– Ela entrou e fechou a porta, acho que a outra estava sozinha. Mas aí, é claro, eu colei na parede, a divisória é dessas padrão, de madeira e fórmica. Deu pra ouvir todo o barraco, foi o maior barato.

– Aos berros?

– Não, delegado. Acho que elas tiveram que se controlar justamente porque a divisória não veda o som. E a sala do japonês, o novo dono, fica perto dali, no mesmo corredor. Se eles rodassem a baiana a todo volume, podiam ir por olho da rua. Mas escutem só o que eu consegui ouvir.

– Novidade quente, cara?

– Quentíssima! A Mercedes chegou chamando a Adalgisa de puta pra cima, a outra deve ter levado o maior susto, mas reagiu á altura. Ela disse que não era culpada se o gerente não gostava da Mercedes, preferia aquela bonitinha.

– Quem?

– Surpresa, delegado: Quando a Mercedes insistiu que a amante era ela, a Adalgisa, a garota saiu com a seguinte:

– Eu, não, sua mocreia! Aquela professorinha dele, a que morreu pouco depois, idiota!

A Lurdinha! Puxa, Eurico, você é do caralho, moleque! Acabou de descobrir que a Lurdinha era cacho do Bergonzi, não do Silva.

– Pois é, delegado. Descobri que o gerente não quis comer a Mercedes, não comia a Adalgisa – não sei por que razão, nem me interessa – mas comia a professorinha gostosa e lindona.

– Que estava grávida quando morreu. Assassinada. Envenenada com o 1080. Grávida do cara, pelo jeito. Então o foco tem que ir todo pra cima desse sujeito, pessoal. Onde é que ele anda mesmo, a tal terra dele?

– Caruaru, Pernambuco, confirmei com vários lá. Ele se comunicou com alguns, mandou e recebeu e-mails, mandou até umas fotos dele num hotel de luxo, parece que está esperando ficar pronta uma casa que ele comprou por lá.

– Beleza, rapaz. Então agora a gente tem que ir pra cima, tem que interrogar esse cara. Afinal, pelo jeito, ele estava mesmo todo enroscado com a vítima, a Lurdinha. E vai sobrar pra você de novo. Você vai interrogar o Bergonzi.

– Eu? Mas de que jeito delegado? Por e-mail? Por telefone?

De jeito nenhum rapaz! Pessoalmente. Você vai se mandar para Caruaru imediatamente.

– Mas e as despesas, delegado? A nossa delegacia não tem verba pra isso.

– Mas a nossa delegacia tem amigo pra isso, rapaz! O Celso Teles.

– O dos automóveis. Mas o que ele pode fazer?

– Ora, escorregar a grana que a gente precisa pra sua viagem. Ele já me ofereceu, é um cara super rico e super gente fina. Disse que tem um monte de milhagens de avião sobrando, que se eu precisasse de algo pra investigação e de ajuda pra delegacia, era só ligar pra ele. Vou fazer isso imediatamente, tenho o celular do homem, a gente já agiu juntos contra as bandidagens do Silva, esqueceram?

E o delegado Norberto Oliveira passou a mão no seu telefone e ligou para Celso. Este o atendeu diretamente da academia, onde estava com Don Diego. Não levou nem dois minutos, nem quis ouvir a explicação do delegado. Concordou na hora e pediu que ele fosse pessoalmente ou mandasse alguém na Teles Automóveis, que procurassem por Jennifer Schlikmann e ela se encarregaria de resolver tudo. Desligou e ligou para Jenny, dando-lhe as instruções. E, na manhã seguinte, o estagiário Eurico embarcou de navegantes para São Paulo e, de lá, para Pernambuco. Chegou a Caruaru no final da tarde, por causa das escalas e demoras entre voos.

Estava de queixo caído: sim, senhor, esse Celso Teles era batuta mesmo! E ele que tinha arrolado o homem como suspeito da morte do Silva... Lembrou-se que o delegado e Mota se irritaram com isso, Mota só faltou saltar em cima dele. E agora ele estava ali, na cidade da grande feira de Caruaru, pronto para caçar o sujeito em que concentrava o maior interesse dos policiais de Amarante.

Não que o cara fosse suspeito de nada. Em princípio era um profissional nota dez e o próprio Silva confiou nele cegamente, por mais de 10 anos. Mas era o único fio de ligação que eles tinham com a morte de Lurdinha, a gatinha linda grávida. Que ele ou outra pessoa tinha eliminado, usando o fatídico veneno que Silva tinha trazido do exterior para matar seu concorrente.

Eurico foi para o hotel, aquele mesmo da fotografia que tinha visto na Transportadora. Iria se hospedar ali, o homem dos carros, o Celso, tinha mandado colocar o estagiário do delegado nesse mesmo quatro estrelas, com boca livre total. E o estagiário tratou de aproveitar. Nessa noite iria só curtir, fazer sauna, nadar na piscina, comer muitíssimo bem, dormir como um rei. Na manhã seguinte iria á caça.

Mas, no fim da manhã seguinte, o estagiário teve que ligar para o chefe em Amarante, com o rabo no meio das pernas:

– Alô, chefe, é o Eurico.

– Muito bem, rapaz. Já localizou o homem?

– Já, delegado.

Alguma coisa na voz do seu estagiário deixou Norberto Oliveira de sobreaviso:

– E onde está ele. Ainda no hotel?

– Não, chefe. Em Paris...

– Em Paris?! Cacete! E essa agora! O Celso vai me comer vivo, quando souber que gastou uma grana com você à-toa.

– À-toa nada, chefe. Pelo menos eu aproveitei muito bem tudo o que deu.

– Tá, seu malandro. Mas resultado que é bom...

– Ora, é só o homem me mandar pra Paris delegado, com tudo pago, todas as mordomias.

– É bom, hein! Você vai votar daí imediatamente, isso sim.

–Não, delegado, já que dei essa despesa, é melhor eu ficar mais um pouco aqui e apurar mais coisas sobre o Bergonzi, o senhor não acha?

– É, tá certo, você tem razão. O Celso disse pra gente não ficar regulando despesa com você, pra deixar você livre e solto. Pô, eu tô é com inveja de você, seu folgado. Eu é que devia ter ido pra essa boquinha. Vacilei.

– Então, chefe, estou autorizado a ficar o quanto for necessário?

– Está. Mas veja bem: o estritamente necessário! Não vá abusar do nosso amigo, só porque ele é rico. Se ele souber, nunca mais a gente pode contar com ele.

– Não, chefe, fique tranquilo, eu estava só brincando. Pode deixar que eu vou fazer tudo nos conformes, tudo limpinho, prestação de contas e tudo. Até amanhã, chefe, amanhã ligo de novo, de manhã.

E o diligente Eurico pôs-se a campo mais uma vez. O ex-gerente tinha saído da transportadora com uma grana muito boa, podia muito bem estar gozando a vida numas férias na Europa.


Mas também podia -  por que não? - ter ido se encontrar com a ex-patroa, a viúva do Silva, madame Silvá, a que tinha se mudado para Paris tempos atrás. Afinal, ele era o procurador dela para seus interesses no Brasil. Também isso fazia sentido. Será que ele poderia descobrir algo a respeito disso ali em Caruaru? O estagiário achava difícil.

CONTINUA

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