MILTON MACIEL
84 – CARUARU, PERNAMBUCO
Fim do cap. 83: "Celso saiu. Hora de convencer um argentino emocional a se refugiar no outro amor da vida dele – e da de Celso também – o futebol!"
Naquela manhã, enquanto
Celso Teles levava um assustado Don Diego de Rivera para sua academia e
começava a ver seu sonho dourado assumir os primeiros tons de realidade,
enquanto na Teles Automóveis uma resignada e tranquila Carmen De Rios procurava
acalmar e convencer sua filha Gládis, novidades surgiram no front da
investigação mais importante de todo a história da polícia de Amarante.
Um jovem policial de
apenas 23 anos, tecnicamente um aprendiz de feiticeiro, um estagiário do
delegado Norberto Oliveira, tinha feito uma descoberta surpreendente. E, depois
que o carcereiro Mota chegou à delegacia, Eurico começou a fazer seu relatório:
– Gente, eu passei a
tarde toda de ontem e um pedaço desta manhã na Transportadora do seu Hiro Ito,
a que foi antes do nosso presunto mais ilustre, o Valdemar Silva. Fui de
Herodes a Pilatos, sem conseguir nada de novo, falei com dezenas de pessoas,
todas se desdobrando em elogios ao antigo gerente, o homem de confiança do
Pitoco, o tal de Natanael Bergonzi. Claro, esse é o cara que a gente está colocando
no foco da lupa.
O delegado foi direto ao
ponto:
– E você descobriu alguma
coisa de útil sobre o cara?
– Bem, como eu estava
dizendo, de início não. Só fiquei sabendo que o cara era bom mesmo no que fazia,
que tinha o maior cartaz com os funcionários e que gozava, mesmo, da confiança
total do dono da firma. Mas aí eu pedi para me mostrarem fotos que eles
tivessem do carinha; é claro que, com todo mundo tendo celular hoje em dia, era
fatal que muitos tivessem fotos em que o sujeito aparecia, tipo reuniões ou
festas da firma. E vi um monte delas.
– E daí? – indagou Mota.
– E daí que eu achei o
cara muito boa pinta. E deduzi o lógico: o cara tem jeito de galã, é solteiro,
quarentão, trabalha num lugar com mais de cem pessoas, onde há pra lá de vinte
e cinco mulheres. Logo: ou deu enrosco com alguma delas, ou o cara é bichona.
– Espera aí, cara, ele
podia ter uma namorada ou noiva de fora da firma, ora bolas.
– Não tinha, Mota. Todo
mundo me garantiu. Então eu segui o fio do meu raciocínio: ou era viado ou
devia ter comido alguém por aqui, pode ser o maior come-quieto. Então fui pra
cima das mulheres.
– Por que das mulheres,
rapaz?
– Ora, delegado, você já
viu mulheres serem unidas, mulher acobertar mulher? Elas estão sempre
competindo uma com as outras. Por isso eu escolhi as mais bonitinhas, as mais
gostosas e toquei o cavalo em cima.
– Com que papo, cara?
– Bom, primeiro eu fui
descobrindo e anotando os nomes dessas gostosinhas. Então eu chegava numa delas
e dizia que a gente estava sabendo que o gerente andava de cacho com uma das
outras. Lembro que disse para uma Adalgisa que o cara andava com a Amélia da
contabilidade. Pra essa Amélia eu disse que a gente sabia, de fonte segura, que
ele tinha um caso com a Maria da expedição.
– Estranho esse seu método,
cara. Fofocalhada...
– Claro, Mota, eu estava
tendo que romper os escudos de defesa de um monte de mulheres. O que podia ser
melhor que uma boa fofoca?
– Bom, e isso funcionou,
afinal?
– No começo não,
delegado. Todas elas diziam que não sabiam de nada. Até que uma certa Mercedes
mordeu a isca. Quando eu falei que o sujeito tinha um caso com a Adalgisa, ela
largou, na hora, muito furiosa:
– Ah, só podia ser essa
perua! Bem que eu desconfiava. A polícia tem certeza disso? Ah, eu odeio essa
vagabunda!
– Se entregou! Ela estava
a fim do cara, Eurico. Foi isso?
– Na mosca, chefe! Na
hora eu saquei: ou gostava do cara, ou o cara tinha o cacho era com ela. Só
assim pra ela largar na hora que odiava a Adalgisa, “aquela vagabunda”. Pô, era só fofoca minha, coitada da moça.
– Ou vai ver, não era,
cara. Vai ver você fofocou na mosca sem querer e ele se enroscava mesmo com a
tal Adalgisa.
– Ah, Mota, mas você não
sabe ainda da maior. Eu conversei com essa Mercedes no intervalo do cafezinho
da tarde. Pois você acredita que a doida saiu que nem um touro bufando da sala
dela e foi puxar briga com a Adalgisa, que trabalha na sala em frente?
– Ela entrou e fechou a
porta, acho que a outra estava sozinha. Mas aí, é claro, eu colei na parede, a
divisória é dessas padrão, de madeira e fórmica. Deu pra ouvir todo o barraco,
foi o maior barato.
– Aos berros?
– Não, delegado. Acho que
elas tiveram que se controlar justamente porque a divisória não veda o som. E a
sala do japonês, o novo dono, fica perto dali, no mesmo corredor. Se eles rodassem
a baiana a todo volume, podiam ir por olho da rua. Mas escutem só o que eu
consegui ouvir.
– Novidade quente, cara?
– Quentíssima! A Mercedes
chegou chamando a Adalgisa de puta pra cima, a outra deve ter levado o maior
susto, mas reagiu á altura. Ela disse que não era culpada se o gerente não
gostava da Mercedes, preferia aquela bonitinha.
– Quem?
– Surpresa, delegado:
Quando a Mercedes insistiu que a amante era ela, a Adalgisa, a garota saiu com
a seguinte:
–
Eu, não, sua mocreia! Aquela professorinha dele, a que morreu pouco depois,
idiota!
– A Lurdinha! Puxa, Eurico, você é do caralho, moleque! Acabou de
descobrir que a Lurdinha era cacho do Bergonzi, não do Silva.
– Pois é, delegado.
Descobri que o gerente não quis comer a Mercedes, não comia a Adalgisa – não
sei por que razão, nem me interessa – mas comia a professorinha gostosa e
lindona.
– Que estava grávida
quando morreu. Assassinada. Envenenada com o 1080. Grávida do cara, pelo jeito.
Então o foco tem que ir todo pra cima desse sujeito, pessoal. Onde é que ele
anda mesmo, a tal terra dele?
– Caruaru, Pernambuco,
confirmei com vários lá. Ele se comunicou com alguns, mandou e recebeu e-mails,
mandou até umas fotos dele num hotel de luxo, parece que está esperando ficar
pronta uma casa que ele comprou por lá.
– Beleza, rapaz. Então
agora a gente tem que ir pra cima, tem que interrogar esse cara. Afinal, pelo
jeito, ele estava mesmo todo enroscado com a vítima, a Lurdinha. E vai sobrar
pra você de novo. Você vai interrogar o Bergonzi.
– Eu? Mas de que jeito
delegado? Por e-mail? Por telefone?
– De
jeito nenhum rapaz! Pessoalmente. Você vai se mandar para Caruaru
imediatamente.
– Mas e as despesas,
delegado? A nossa delegacia não tem verba pra isso.
– Mas a nossa delegacia
tem amigo pra isso, rapaz! O Celso Teles.
– O dos automóveis. Mas o
que ele pode fazer?
– Ora, escorregar a grana
que a gente precisa pra sua viagem. Ele já me ofereceu, é um cara super rico e
super gente fina. Disse que tem um monte de milhagens de avião sobrando, que se
eu precisasse de algo pra investigação e de ajuda pra delegacia, era só ligar
pra ele. Vou fazer isso imediatamente, tenho o celular do homem, a gente já
agiu juntos contra as bandidagens do Silva, esqueceram?
E o delegado Norberto
Oliveira passou a mão no seu telefone e ligou para Celso. Este o atendeu
diretamente da academia, onde estava com Don Diego. Não levou nem dois minutos,
nem quis ouvir a explicação do delegado. Concordou na hora e pediu que ele
fosse pessoalmente ou mandasse alguém na Teles Automóveis, que procurassem por
Jennifer Schlikmann e ela se encarregaria de resolver tudo. Desligou e ligou
para Jenny, dando-lhe as instruções. E, na manhã seguinte, o estagiário Eurico
embarcou de navegantes para São Paulo e, de lá, para Pernambuco. Chegou a Caruaru
no final da tarde, por causa das escalas e demoras entre voos.
Estava de queixo caído:
sim, senhor, esse Celso Teles era batuta mesmo! E ele que tinha arrolado o
homem como suspeito da morte do Silva... Lembrou-se que o delegado e Mota se
irritaram com isso, Mota só faltou saltar em cima dele. E agora ele estava ali,
na cidade da grande feira de Caruaru, pronto para caçar o sujeito em que
concentrava o maior interesse dos policiais de Amarante.
Não que o cara fosse
suspeito de nada. Em princípio era um profissional nota dez e o próprio Silva
confiou nele cegamente, por mais de 10 anos. Mas era o único fio de ligação
que eles tinham com a morte de Lurdinha, a gatinha linda grávida. Que ele ou
outra pessoa tinha eliminado, usando o fatídico veneno que Silva tinha trazido
do exterior para matar seu concorrente.
Eurico foi para o hotel,
aquele mesmo da fotografia que tinha visto na Transportadora. Iria se hospedar
ali, o homem dos carros, o Celso, tinha mandado colocar o estagiário do
delegado nesse mesmo quatro estrelas, com boca livre total. E o estagiário
tratou de aproveitar. Nessa noite iria só curtir, fazer sauna, nadar na
piscina, comer muitíssimo bem, dormir como um rei. Na manhã seguinte iria á
caça.
Mas, no fim da manhã
seguinte, o estagiário teve que ligar para o chefe em Amarante, com o rabo no
meio das pernas:
– Alô, chefe, é o Eurico.
– Muito bem, rapaz. Já
localizou o homem?
– Já, delegado.
Alguma coisa na voz do
seu estagiário deixou Norberto Oliveira de sobreaviso:
– E onde está ele. Ainda
no hotel?
– Não, chefe. Em Paris...
– Em Paris?! Cacete! E essa agora! O Celso vai me comer vivo, quando souber que gastou uma grana com você à-toa.
– À-toa nada, chefe. Pelo
menos eu aproveitei muito bem tudo o que deu.
– Tá, seu malandro. Mas
resultado que é bom...
– Ora, é só o homem me
mandar pra Paris delegado, com tudo pago, todas as mordomias.
– É bom, hein! Você vai
votar daí imediatamente, isso sim.
–Não, delegado, já que dei
essa despesa, é melhor eu ficar mais um pouco aqui e apurar mais coisas sobre o
Bergonzi, o senhor não acha?
– É, tá certo, você tem
razão. O Celso disse pra gente não ficar regulando despesa com você, pra deixar
você livre e solto. Pô, eu tô é com inveja de você, seu folgado. Eu é que devia
ter ido pra essa boquinha. Vacilei.
– Então, chefe, estou
autorizado a ficar o quanto for necessário?
– Está. Mas veja bem: o
estritamente necessário! Não vá abusar do nosso amigo, só porque ele é rico. Se
ele souber, nunca mais a gente pode contar com ele.
– Não, chefe, fique
tranquilo, eu estava só brincando. Pode deixar que eu vou fazer tudo nos
conformes, tudo limpinho, prestação de contas e tudo. Até amanhã, chefe, amanhã
ligo de novo, de manhã.
E o diligente Eurico
pôs-se a campo mais uma vez. O ex-gerente tinha saído da transportadora com uma
grana muito boa, podia muito bem estar gozando a vida numas férias na Europa.
Mas também podia - por que não? - ter ido se encontrar com a ex-patroa, a viúva do Silva, madame Silvá, a que
tinha se mudado para Paris tempos atrás. Afinal, ele era o procurador dela para
seus interesses no Brasil. Também isso fazia sentido. Será que ele poderia
descobrir algo a respeito disso ali em Caruaru? O estagiário achava difícil.
CONTINUA
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