domingo, 24 de abril de 2016

LUA  OCULTA – 91 
MILTON MACIEL 

91 – AS LIGAÇÕES PERIGOSAS
Fim do cap. 90:  "Ficaram todas olhando a mulher linda e imponente se afastar, com seu passo seguro de sempre, em direção o seu carro. Aquela era Gládis de Rios, uma fortaleza de novo."

Quando o investigador estagiário Eurico entrou na delegacia de Amarante, foi recebido com um inesperado abraço do seu superior imediato:

– Moleque do cacete! Você valeu cada tostão que o Celso gastou com você nesta viagem. Parabéns!

Também Mota, o carcereiro, veio apertar-lhe a mão entusiasticamente:



­– Do cacete e meio, cara! Então o tal Bergonzi é o Lacraia...

– Puxa, muito obrigado, gente. É, de fato eu dei muita sorte nessa viagem. O cara é bem pior do que a gente tinha imaginado: Seu Natanael por aqui, Seu Lacraia por lá. Bem como eu contei pro doutor no telefone, ontem.

– Sorte nada, cara. Você é que é bom policial mesmo. Tem vocação no duro.

– Obrigado, Mota. Mas sabem o que mais me impressionou nessa investigação por lá? Pois foi a frase do irmão dele, o Tião das Cuecas: “Se a namorada dele morreu envenenada, se o chefe dele morreu envenenado, então podem ter certeza que eles morreram de veneno de lacraia.” E, claro, o fato de descobrir que o pilantra já tinha matado um homem aos 20 anos, com um crime premeditado.

– E que o pai foi quem acabou pagando o pato, sem que o sujeitinho jamais se importasse com ele ou agradecesse. Sumiu. Pra mim, isso, mais do que qualquer outra coisa, mostra como é o caráter verdadeiro desse filha da puta.

– É verdade, delegado. Coisa de uma verdadeira lacraia. Será que esse desgraçado nos enganou o tempo todo e levou todo mundo no bico em Amarante? Sabem, eu vim a viagem toda de volta, até Florianópolis, matutando o que esse sujeito tinha a ganhar com a morte do Silva. Francamente, a resposta parecia ser nada. Nada. Ou até, podia ser, pra ele, até uma certa perda. Sim, porque ele estava garantido aqui com o Pitoco, sabia levar o cara no bico há mais de 10 anos.

– E ele já tinha uma grana considerável acumulada – acrescentou Mota, afrouxando o cinto, que estava apertando a barriga.

– Pois é. E aí surge a outra pergunta:  o que o cara podia ganhar com a morte da Lurdinha? Respostas: Um – nada, porque perdia uma gatinha daquelas, de fechar o comércio. Dois – muito, porque se livrava de um filho que não queria ter. Aí vem a outra pergunta: o que a Madame Diva tinha a ganhar com a morte do Silva? Tudo ao quadrado, ficava dona da grana e se livrava do muquirana que era também um grosso. Mas é esta outra pergunta que me intriga muito mais: o que Madame Silva tinha a ganhar com a morte da Lurdinha? O que vocês acham?

– Bem, a rigor... nada, também. O caso era do funcionário da firma do marido dela, não era dela – disse o delegado, olhando para Mota, à espera de sua opinião.

– Nada. Nada vezes nada, é lógico – concordou Mota.

Naquele momento o investigador Eurico franziu o nariz e saiu-se com uma frase totalmente surpreendente, inesperada:

– Pois eu pensei, lá no avião, numa coisa que pode dar, pra esta pergunta, uma resposta diferente da que vocês deram com tanta convicção.

Levantou da cadeira e declarou em tom meio solene:

– O que Madame Diva tinha a ganhar com a morte da Lurdinha? TUDO, se Madame Diva tinha um cacho com o Natanael!

Os outros dois fizeram expressões de surpresa e incredulidade. O delegado objetou:

– Caramba! Seria possível isso? Ora, nós temos dezenas de relatos da fidelidade canina dessa mulher ao marido, da dedicação dela a ele, suportando todas as infidelidades e grossuras dele com a maior docilidade.

– E além disso, ela era uma das mais destacadas carolas da igreja católica de Amarante, assim com o padre Olegário. Líder das outras beatas. Pra mim parece uma hipótese fantasiosa, Eurico. Francamente, isso eu acho impossível.

E Mota bateu com força na própria coxa, para acentuar o que dizia. Mas o estagiário não se deu por vencido:

– Gente, gente, o que é isso? Eu sou investigador, pra mim ninguém é inocente até prova em contrário. Não livro a cara de ninguém durante uma investigação, nem do Papa. Pois eu acho que esse tal de caso entre os dois é muito possível, sim.

Sentou novamente, cruzou as pernas e deu tempo para que os outros se preparassem para seguir seus argumentos:

– O Lacraia é um vaselina, um Zé-bonitinho sedutor. Não esqueçam que ele chegou a matar um cara por causa de uma mulher... rica! – e falou esse rica com muita ênfase – Ora, Diva Silva não era rica enquanto ao Pitoco estava vivo, só ele mandava no dinheiro. Mas, se Madame Silva virasse viúva, aí a parada era outra, muito, muito mais alta. Ela ficava rica do dia pra noite!

Fez mais uma pausa, olhando cada um dos seus interlocutores bem nos olhos, para ganhar mais tempo para pensar; e falou:

– Por outro lado, a gente sabe que ela tinha mania de grandeza, da tal de finesse, dos lugares luxuosos, de Paris. Ora, o Valdemar era um bronco total, mais grosso que pata de elefante. E infiel. E violento, a gente sabe que ele descia o braço nela de vez em quando. E feio pra caralho, gordo, meio anão, careca, velhusco. E porcalhão, fiquei sabendo lá na Transportadora, não era muito chegado num bom banho. Anotaram?

Mota sacudiu a cabeça afirmativamente. O delegado começou a mostrar mais interesse na conversa. Eurico continuou:

– Já o Bergonzi era o oposto de tudo isso: sabonetão, vaselina, bom de papo, boa pinta. Escorregadio, como disse o irmão dele. E muito mais moço que o Pitoco. E tem mais: estava ali o tempo todo ao alcance da madame, frequentava a casa deles uma porrada de vezes. E a madame ia muitas vezes à firma, as funcionárias disseram que, volta e meia, ela ia lá pra desfilar roupas novas caríssimas, pra se exibir e deixar as coitadas com inveja e com raiva. O Pitoco incentivava, assim exibia a boneca de luxo dele e o poder de fogo da grana dele.

– E o Bergonzi com isso?

– Ora, delegado, um sujeito, que a gente sabe agora que era ambicioso e sem escrúpulos, ia deixar escapar uma presa dessas? Pensem bem, façam o exercício fundamental do policial, pensem como o malandro: um bom filho da puta desses não deixa escapar uma chance dessas. Ele é moço e gostosão, vaselina e bom de bico, o contrário total daquele mala do marido. Vocês acham que ele não ia atropelar na raia, tocar o cavalo em cima da esposinha católica fiel? E bonita pra cacete, além de tudo. Praticamente da idade dele e muito mais moça que o Pitoco.

– Bom, você pode até ter razão na parte dele. Mas e a parte dela, sendo essa uma mulher de princípios, de caráter, fiel como nós todos sabemos?

– Ora, Mota, mas que papo mais furado! Quem PROVA que madame era toda essa santidade? Como todos nós sabemos, vírgula! Eu não sei de nada e não acredito em nada, até ter provas da santidade de madame. Ouvir falar é muito pouco. A gente não investigou a fundo, só ouviu falar. Mas eu pergunto: quantas dezenas de crimes são elucidados todos os dias no mundo, cujos autores são as pessoas mais insuspeitas, mais boazinhas, mais santinhas da sociedade?

Pensativo agora, o delegado começou a entregar os pontos:

– Pois olhe, rapaz, que você pode ter um pouco de razão nisso tudo. Eu estive pensando aqui e, de fato, se aconteceu um caso entre aqueles dois que estão agora juntinhos em Paris, gozando a boa vida e rindo da nossa cara, a morte tanto do Silva como da Lurdinha podem ter, de fato, sido obra de um deles ou dos dois.

– É o que eu pretendo investigar imediatamente, chefe, como é do meu dever. Já pensei bastante nisso. E já sei por onde começar.

– Moleque do cacete! Quando a gente está indo, você já está voltando, cara. Qual é a tratantada agora?

– Ora, Mota, sair a campo e investigar se essa ligação aconteceu. Pode ter durado anos a fio, pode ter sido só agora mais no fim. Mas não importa. Enquanto eu não revirar pedra por pedra desta cidade, não me convenço que esses dois não tenham deixado um rastrozinho que seja do cacho deles. Quanto mais tempo, mais difícil de esconder de todo mundo. Só do corno é fácil, o marido é sempre o último a saber.

– E o que você vai fazer?

– Pois meu caro chefe, eu vou atrás da mulherada, como sempre.

– Mulherada? – estranhou o carcereiro.

– Isso mesmo. Das mulheres da Transportadora, pode ser que eu não consiga muito. Ou até mesmo nada. Mas tem outras mulheres que podem saber de alguma coisa. Mulheres muito mais importantes pra mim.

– Posso saber que mulheres são essa, garoto?

– Claro, delegado. As empregadas domésticas!

– As empregadas? Ora, por que?

– Ah, meu caro Mota, essas conviveram meses ou anos com Madame, ali no ninho da serpente, que é onde a serpente se sente mais segura. Se alguma coisa vazou, escorregou ali dentro, tem uma ou mais mulheres que sabem. E é pra cima dessas que eu vou.

– Caramba, rapaz, você me surpreende um pouco mais a cada dia. Sim, você tem razão, pode ser por aí mesmo.

– Pois é, delegado, pode não dar em nada, mas enquanto eu não me convencer disso, vou insistir. Se não der em nada, eu mesmo entro com o processo de beatificação e canonização de Santa Divá no Vaticano. Posso me mandar, chefe? Posso investigar?

– Claro, seu pentelho. Afinal, você é pago pelo Estado pra que?

– Legal, gente. Fui!

Mota e o delegado ficaram comentando entre si sobre aquele prodígio de investigador.

– Põe do cacete nisso, chefe! Esse moleque é um capeta, parece que tem dois cérebros em vez de um só – falou Mota, rindo e balançando a cabeça com quem não acredita no que pensa.

O delegado Oliveira concordou:

– Isso é mesmo um talento, Mota. A gente vê um desses raras vezes na vida. E estamos tendo o privilégio de conhecer o filhotinho bem no começo, quando ele parece que está querendo aprender a voar. Imagine só o moleque daqui a mais uns anos.

– Pois é, doutor. Ainda mais que, começando a aprender a voar, esse filhote de águia já voa dez vezes mais alto que qualquer um.

O delegado coçou a cabeça e disse, com voz lenta e um tanto arrastada:

– Sabe o que eu estou pensando agora, Mota? Pois imagine que o estágio desse moleque é pra durar só três meses. Daqui a pouco ele volta pra Florianópolis e a gente perde esse aviãozinho pra sempre. O próximo Valdemar Silva que matarem, eu é que vou ter que me virar sozinho. Tô ferrado!...


Enquanto os dois policiais ficaram comentando sobre ele, Eurico já estava pegando o ônibus que o levaria até a Teles Automóveis. Levava duas ideias para pôr em prática.

A primeira era ver se podia ser atendido por Celso Teles pessoalmente. Então iria agradecer todo o apoio generoso recebido e fazer uma rápida prestação de contas. A segunda era ver se podia conversar rapidamente com Larissa Silva. Se havia alguém em Amarante que sabia muito bem quais haviam sido as empregadas domésticas de Madame Diva, esse alguém era aquela escultura viva, a filha dela.

Quando soube quem estava na recepção à espera de um momento em que o dono da firma pudesse atendê-lo, Celso, como era do seu feitio, deixou o que estava fazendo no escritório e veio ao encontro do jovem policial. Eurico mal pôde acreditar nisso, estava preparado para esperar todo o tempo que fosse necessário, até trouxera um livro para ler.

– Bom dia, investigador. Seja muito bem-vindo, já estou sabendo do seu sucesso em Caruaru. Meus parabéns.

– Puxa, Seu Celso, é uma honra apertar a sua mão. Eu pedi para importunar o senhor só pra poder lhe agradecer pessoalmente a maravilha que foi ter me proporcionado essa viagem. Sabe, além de tudo o que ela deu de resultado positivo pra polícia, ela foi uma verdadeira lição de vida pra mim.

Celso fez sinal para que passassem para o amplo salão dos auto-móveis e apontou uma cadeira para o investigador, sentando-se na cadeira ao lado. E disse:

– Você falou em lição de vida. Por que razão?

– Bem, eu não quero tomar seu tempo com isso, acho que o senhor deve ser um homem muito ocupado.

– Mas não, não se preocupe com isso. Pode contar, eu gostaria de saber – e sorriu para o rapaz, deixando-o à vontade e incentivando-o a falar de coisas suas.

Então Eurico contou, com toda sinceridade, como ele pretendia ficar mais dois dias em Caruaru, só desfrutando das benesses do hotel de luxo e sua culinária, o que seria um franco abuso da generosidade de seu patrocinador. E contou por que razão mudou completamente de posicionamento, abandonando seu plano de curtir um par de dias como um paxá e até voltando um dia antes.

Foi aí que ele se empolgou, narrando sua experiência transformadora na Feira de Caruaru. Mas, assim que ele começou, Celso fez-lhe sinal para parar e falou:

– Um momentinho, policial, vamos dividir essa experiência com mais uma pessoa, que vai adorar ouvir isso: minha noiva Larissa. E fez sinal com a mão para seu anjo, que veio rapidamente, toda sorridente, deixando o investigador completamente embasbacado com tanta beleza e, principalmente, com a cor impossível daqueles olhos.

Celso então lhe pediu:

– Por gentileza, investigador, volte ao começo da história.

E Eurico, encantado com aquela recepção e com aquele interesse tão inesperados, contou tudo o que lhe havia acontecido na Feira da Sulanca.

Contou com tanto entusiasmo e com tanta emoção, especialmente quando se referiu ao pessoal do ônibus de Arapiraca e de como ele havia descoberto que aquelas pessoas simples do povo eram gente e ele, um boyzinho preconceituoso, não era gente coisíssima nenhuma, que, ao terminar, surpreendeu-se vendo lágrimas nos olhos azuis impossíveis.

Ainda não sabia que certas pessoas especiais são anjos na terra e que anjos choram por qualquer coisinha. E aquilo que ele relatava com tanto reconhecimento e emoção, estava muito longe de ser qualquer coisinha.

Celso olhou para Larissa e perguntou:

– Você quer ir lá, meu bem? Quer conhecer a Feira de Caruaru? Aposto que você ficou doidinha de vontade, não ficou?

Como resposta, Larissa abraçou-se a Celso e mergulhou sua cabeça no pescoço dele. Mais sim do isso, impossível!

– Pois então a gente vai lá assim que der. E leva o investigador junto. Que tal?

Eurico arregalou os olhos desmesuradamente. Será que tinha ouvido direito? Será que um homem tão rico podia ser assim tão sensível e ainda mais generoso?

– O senhor quer dizer...

– Que você pode vir conosco, vai ser como um nosso amigo guia, com todas as despesas pagas, é claro. Que tal?

O investigador apertou a mão de Celso Teles e mal conseguiu balbuciar:

– Meu Deus, é sorte demais! É claro que eu aceito, sim. Só não sei se eu posso ir quando vocês quiserem, porque eu dependo de autorização do meu chefe, o delegado Oliveira.

– O Norberto? Ora, esse aí é boa gente, pode deixar comigo, eu peço.

Eurico olhou mais incrédulo ainda para o homem talvez mais rico de Amarante, agora que Valdemar Silva não tinha mais o cetro. E falou:

– O senhor sabe? Tudo no senhor me surpreende num homem rico. Como também me surpreende seu aspecto: eu nunca imaginei que o senhor fosse tão moço assim. Esperava um velho senhor, sabe?

Celso riu animado e deu um leve tapa nas costas de Eurico:

– Tenho 39 anos, rapaz, mas sou um esportista desde moleque. E, a propósito, já que você não me considerou um velho senhor, então faça o favor de tirar fora o tal de senhor. Me trate por você, fica mais adequado. Aqui, dentro desta firma, só mesmo o Fúlvio Rondelli, aquele teimoso, se obstina em me chamar de senhor.

Larissa não deixou passar a oportunidade:

– É o meu padrinho Rondelli; ele é um amor.

Nesse instante o investigador considerou que era o momento certo de partir para a segunda parte do seu plano naquela empresa: saber com Larissa os nomes e, se possível, endereços das empregadas da casa nos últimos anos. Certamente ela ia querer saber qual a razão desse interesse da polícia nas empregadas da casa dela. Então ele disse:

– Bem, se vocês dois me permitem tem um outro assunto que eu gostaria de tratar e tem a ver com a filha de Dona Diva Silva aqui.

– Eu? – perguntou Larissa surpresa – Ué, o que pode ser?

– Bem, nós, da polícia de Amarante, gostaríamos de falar consigo sobre as empregadas da sua casa.

– As empregadas? Trata-se de uma investigação, então – observou Celso Teles – O que está sendo investigado, policial?

– Bem, desculpem se eu vou ser brutalmente franco. Desculpe você, moça, como filha dela pode ficar chateada comigo, achar falta de respeito com sua mãe. Mas compreendam, por favor, que é meu dever, como policial investigador, duvidar de todos até prova – prova mesmo! – em contrário.

– E do que vocês desconfiam na minha mãe?

Eurico achou então que tinha passado dos limites, deveria ter tido mais cuidado, precisava achar uma saída agora, não podia revelar tudo o que pensava. Ficou um tanto perturbado e hesitou, demorando para responder. Mas uma voz bonita de mulher respondeu, saindo de trás dele:

– Ele acha que sua mãe tinha um caso com o gerente da Transportadora, Lissinha.

Eurico tomou dois bruta sustos, um atrás do outro. O primeiro foi constatar que alguém sabia exatamente o que ele estava pensando, algo que só Mota e o delegado sabiam. O segundo, maior ainda, foi ver a mulher que tinha falado aquilo. Tão perplexo ficou, que levantou da cadeira de forma automática e muito rápida.

Aquela mulher existia? Tão bonita como a miragem loira à sua agora retaguarda, mas uma morena de pele clara e cabelos negros longos e encaracolados, um porte de rainha, mais alta que ele pelo menos uns três centímetros, um corpo de cinema. Aquela sim, merecia o nome de diva! Ainda embasbacado, gaguejante, falou:

– Moça... Como é que... Como é que sabe...

Larissa respondeu:

– Policial, esta é Gládis De Rios, nossa bruxinha do bem. Cuidado para não pensar sacanagem que ela adivinha na hora. Esconda, não pense.

Só então o investigador se deu conta que estava frente a frente com a famosa Gládis, a morena gostosa – como todos diziam – que tinha dado uma surra de criar bicho em Valdemar Silva e precipitado toda a queda dele. E ensinado a loirinha cara de anjo ali atrás a dar uma outra surra exemplar no louco do Schlikmann. E que era, comentavam todos, um avião em palco, dançando flamenco. Balbuciou:

– Gládis De Rios? Puxa, é um imenso prazer, moça. E, como policial, posso lhe dizer que é uma honra também. O delegado me contou como você tem ajudado a polícia de Amarante.

– Ora, não é nada, policial. Mas o que eu quero dizer para você, Fofinha,  é que ele está muito certo na ideia dele.

Larissa arregalou as águas-marinhas, impressionado ainda mais Eurico. Alguém podia ter olhos daquela cor?

– Certo como, Gládis?

– Conte para ela, policial. Não precisa esconder nada. Essa aí não tem o menor respeito por aquela mãe idiota dela. Fale das empregadas.

E, no mesmo momento, Gládis pediu licença, deu meia volta e caminhou para um ponto mais distan-te do salão, onde estavam Jenny e Paula.

Eurico jogou-se de volta na cadeira e disse:

– Não. Ela não existe. Ela não pode existir!

Todos acharam que ele se referia ao dom de ler pensamentos. Mas não era nada disso: uma mulher tão bonita e tão... altaneira, dona de si, senhorial mesmo, não podia existir assim, ali, de carne e osso, muito mais, muito mais carne do que osso! Não podia existir! Alta, soberana, com aquelas pernas fantásticas, que tanto podiam bailar no palco como na cabeça de um homem. Deus do céu, que mulher!

Que pena que fosse areia demais para o caminhãozinho dele – pensou. Senão iria agora mesmo em casa e buscaria toda a traquitana de roupinhas femininas que tinha trazido de Caruaru para uma eventual futura namorada. E depositaria, de joelhos, tudo aos pés daquela diva autêntica.

E ela o que faria? Possivelmente ia sentar uma sapatada na cabeça dele e dizer: “Ora, vê se se enxerga, seu piolho! E ele seria mais um triste homem arrasado em Amarante, porque apanhou de uma mulher. Raios!

Só então saiu de seu rápido devaneio, notando que tanto Celso quanto Larissa olhavam para ele com cara de quem está se divertindo. Larissa foi mais direta:

– Linda ela, não é? É uma mulher maravilhosa, a mais fantástica deste mundo.

Eurico se entregou na hora:


– Ah, é sim, tem que ser, só pode ser! E ela leu mesmo a minha mente?

CONTINUA

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