MILTON MACIEL
91 – AS LIGAÇÕES
PERIGOSAS
Fim do cap. 90: "Ficaram todas olhando a mulher linda e imponente se afastar, com seu passo seguro de sempre, em direção o seu carro. Aquela era Gládis de Rios, uma fortaleza de novo."
Quando o
investigador estagiário Eurico entrou na delegacia de Amarante, foi recebido
com um inesperado abraço do seu superior imediato:
– Moleque do
cacete! Você valeu cada tostão que o Celso gastou com você nesta viagem.
Parabéns!
– Do cacete e
meio, cara! Então o tal Bergonzi é o Lacraia...
– Puxa, muito
obrigado, gente. É, de fato eu dei muita sorte nessa viagem. O cara é bem pior
do que a gente tinha imaginado: Seu Natanael por aqui, Seu Lacraia por lá. Bem
como eu contei pro doutor no telefone, ontem.
– Sorte nada,
cara. Você é que é bom policial mesmo. Tem vocação no duro.
– Obrigado,
Mota. Mas sabem o que mais me impressionou nessa investigação por lá? Pois foi
a frase do irmão dele, o Tião das Cuecas: “Se a namorada dele morreu
envenenada, se o chefe dele morreu envenenado, então podem ter certeza que eles
morreram de veneno de lacraia.” E, claro, o fato de descobrir que o pilantra já
tinha matado um homem aos 20 anos, com um crime premeditado.
– E que o pai foi
quem acabou pagando o pato, sem que o sujeitinho jamais se importasse com ele ou
agradecesse. Sumiu. Pra mim, isso, mais do que qualquer outra coisa, mostra
como é o caráter verdadeiro desse filha da puta.
– É verdade,
delegado. Coisa de uma verdadeira lacraia. Será que esse desgraçado nos enganou
o tempo todo e levou todo mundo no bico em Amarante? Sabem, eu vim a viagem
toda de volta, até Florianópolis, matutando o que esse sujeito tinha a ganhar
com a morte do Silva. Francamente, a resposta parecia ser nada. Nada. Ou até,
podia ser, pra ele, até uma certa perda. Sim, porque ele estava garantido aqui
com o Pitoco, sabia levar o cara no bico há mais de 10 anos.
– E ele já
tinha uma grana considerável acumulada – acrescentou Mota, afrouxando o cinto,
que estava apertando a barriga.
– Pois é. E aí
surge a outra pergunta: o que o cara
podia ganhar com a morte da Lurdinha? Respostas: Um – nada, porque perdia uma
gatinha daquelas, de fechar o comércio. Dois – muito, porque se livrava de um
filho que não queria ter. Aí vem a outra pergunta: o que a Madame Diva tinha a
ganhar com a morte do Silva? Tudo ao quadrado, ficava dona da grana e se
livrava do muquirana que era também um grosso. Mas é esta outra pergunta que me
intriga muito mais: o que Madame Silva tinha a ganhar com a morte da Lurdinha?
O que vocês acham?
– Bem, a
rigor... nada, também. O caso era do funcionário da firma do marido dela, não era
dela – disse o delegado, olhando para Mota, à espera de sua opinião.
– Nada. Nada
vezes nada, é lógico – concordou Mota.
Naquele
momento o investigador Eurico franziu o nariz e saiu-se com uma frase
totalmente surpreendente, inesperada:
– Pois eu
pensei, lá no avião, numa coisa que pode dar, pra esta pergunta, uma resposta
diferente da que vocês deram com tanta convicção.
Levantou da
cadeira e declarou em tom meio solene:
– O que Madame
Diva tinha a ganhar com a morte da Lurdinha? TUDO, se Madame Diva tinha um
cacho com o Natanael!
Os outros dois
fizeram expressões de surpresa e incredulidade. O delegado objetou:
– Caramba!
Seria possível isso? Ora, nós temos dezenas de relatos da fidelidade canina
dessa mulher ao marido, da dedicação dela a ele, suportando todas as
infidelidades e grossuras dele com a maior docilidade.
– E além
disso, ela era uma das mais destacadas carolas da igreja católica de Amarante,
assim com o padre Olegário. Líder das outras beatas. Pra mim parece uma
hipótese fantasiosa, Eurico. Francamente, isso eu acho impossível.
E Mota bateu
com força na própria coxa, para acentuar o que dizia. Mas o estagiário não se
deu por vencido:
– Gente,
gente, o que é isso? Eu sou investigador, pra mim ninguém é inocente até prova
em contrário. Não livro a cara de ninguém durante uma investigação, nem do
Papa. Pois eu acho que esse tal de caso entre os dois é muito possível, sim.
Sentou
novamente, cruzou as pernas e deu tempo para que os outros se preparassem para
seguir seus argumentos:
– O Lacraia é
um vaselina, um Zé-bonitinho sedutor. Não esqueçam que ele chegou a matar um
cara por causa de uma mulher... rica!
– e falou esse rica com muita ênfase
– Ora, Diva Silva não era rica enquanto ao Pitoco estava vivo, só ele mandava
no dinheiro. Mas, se Madame Silva virasse viúva, aí a parada era outra, muito,
muito mais alta. Ela ficava rica do dia pra noite!
Fez mais uma
pausa, olhando cada um dos seus interlocutores bem nos olhos, para ganhar mais
tempo para pensar; e falou:
– Por outro lado,
a gente sabe que ela tinha mania de grandeza, da tal de finesse, dos lugares luxuosos, de Paris. Ora, o Valdemar era um
bronco total, mais grosso que pata de elefante. E infiel. E violento, a gente
sabe que ele descia o braço nela de vez em quando. E feio pra caralho, gordo,
meio anão, careca, velhusco. E porcalhão, fiquei sabendo lá na Transportadora,
não era muito chegado num bom banho. Anotaram?
Mota sacudiu a
cabeça afirmativamente. O delegado começou a mostrar mais interesse na
conversa. Eurico continuou:
– Já o
Bergonzi era o oposto de tudo isso: sabonetão, vaselina, bom de papo, boa
pinta. Escorregadio, como disse o irmão dele. E muito mais moço que o Pitoco. E
tem mais: estava ali o tempo todo ao alcance da madame, frequentava a casa
deles uma porrada de vezes. E a madame ia muitas vezes à firma, as funcionárias
disseram que, volta e meia, ela ia lá pra desfilar roupas novas caríssimas, pra
se exibir e deixar as coitadas com inveja e com raiva. O Pitoco incentivava,
assim exibia a boneca de luxo dele e o poder de fogo da grana dele.
– E o Bergonzi
com isso?
– Ora,
delegado, um sujeito, que a gente sabe agora que era ambicioso e sem
escrúpulos, ia deixar escapar uma presa dessas? Pensem bem, façam o exercício
fundamental do policial, pensem como o malandro:
um bom filho da puta desses não deixa escapar uma chance dessas. Ele é moço e
gostosão, vaselina e bom de bico, o contrário total daquele mala do marido.
Vocês acham que ele não ia atropelar na raia, tocar o cavalo em cima da
esposinha católica fiel? E bonita pra cacete, além de tudo. Praticamente da
idade dele e muito mais moça que o Pitoco.
– Bom, você
pode até ter razão na parte dele. Mas e a parte dela, sendo essa uma mulher de
princípios, de caráter, fiel como nós todos sabemos?
– Ora, Mota, mas
que papo mais furado! Quem PROVA que madame era toda essa santidade? Como todos nós sabemos, vírgula! Eu não sei de nada e não acredito em
nada, até ter provas da santidade de madame. Ouvir falar é muito pouco. A gente
não investigou a fundo, só ouviu falar. Mas eu pergunto: quantas dezenas de
crimes são elucidados todos os dias no mundo, cujos autores são as pessoas mais
insuspeitas, mais boazinhas, mais santinhas da sociedade?
Pensativo
agora, o delegado começou a entregar os pontos:
– Pois olhe,
rapaz, que você pode ter um pouco de razão nisso tudo. Eu estive pensando aqui
e, de fato, se aconteceu um caso entre aqueles dois que estão agora juntinhos
em Paris, gozando a boa vida e rindo da nossa cara, a morte tanto do Silva como
da Lurdinha podem ter, de fato, sido obra de um deles ou dos dois.
– É o que eu
pretendo investigar imediatamente, chefe, como é do meu dever. Já pensei
bastante nisso. E já sei por onde começar.
– Moleque do
cacete! Quando a gente está indo, você já está voltando, cara. Qual é a
tratantada agora?
– Ora, Mota,
sair a campo e investigar se essa ligação aconteceu. Pode ter durado anos a
fio, pode ter sido só agora mais no fim. Mas não importa. Enquanto eu não
revirar pedra por pedra desta cidade, não me convenço que esses dois não tenham
deixado um rastrozinho que seja do cacho deles. Quanto mais tempo, mais difícil
de esconder de todo mundo. Só do corno é fácil, o marido é sempre o último a
saber.
– E o que você
vai fazer?
– Pois meu
caro chefe, eu vou atrás da mulherada, como sempre.
– Mulherada? –
estranhou o carcereiro.
– Isso mesmo.
Das mulheres da Transportadora, pode ser que eu não consiga muito. Ou até mesmo
nada. Mas tem outras mulheres que podem saber de alguma coisa. Mulheres muito
mais importantes pra mim.
– Posso saber que
mulheres são essa, garoto?
– Claro,
delegado. As empregadas domésticas!
– As
empregadas? Ora, por que?
– Ah, meu caro
Mota, essas conviveram meses ou anos com Madame, ali no ninho da serpente, que
é onde a serpente se sente mais segura. Se alguma coisa vazou, escorregou ali
dentro, tem uma ou mais mulheres que sabem. E é pra cima dessas que eu vou.
– Caramba, rapaz,
você me surpreende um pouco mais a cada dia. Sim, você tem razão, pode ser por
aí mesmo.
– Pois é,
delegado, pode não dar em nada, mas enquanto eu não me convencer disso, vou
insistir. Se não der em nada, eu mesmo entro com o processo de beatificação e
canonização de Santa Divá no
Vaticano. Posso me mandar, chefe? Posso investigar?
– Claro, seu
pentelho. Afinal, você é pago pelo Estado pra que?
– Legal,
gente. Fui!
Mota e o
delegado ficaram comentando entre si sobre aquele prodígio de investigador.
– Põe do
cacete nisso, chefe! Esse moleque é um capeta, parece que tem dois cérebros em
vez de um só – falou Mota, rindo e balançando a cabeça com quem não acredita no
que pensa.
O delegado
Oliveira concordou:
– Isso é mesmo
um talento, Mota. A gente vê um desses raras vezes na vida. E estamos tendo o
privilégio de conhecer o filhotinho bem no começo, quando ele parece que está
querendo aprender a voar. Imagine só o moleque daqui a mais uns anos.
– Pois é,
doutor. Ainda mais que, começando a aprender a voar, esse filhote de águia já
voa dez vezes mais alto que qualquer um.
O delegado
coçou a cabeça e disse, com voz lenta e um tanto arrastada:
– Sabe o que
eu estou pensando agora, Mota? Pois imagine que o estágio desse moleque é pra
durar só três meses. Daqui a pouco ele volta pra Florianópolis e a gente perde
esse aviãozinho pra sempre. O próximo Valdemar Silva que matarem, eu é que vou
ter que me virar sozinho. Tô ferrado!...
Enquanto os
dois policiais ficaram comentando sobre ele, Eurico já estava pegando o ônibus
que o levaria até a Teles Automóveis. Levava duas ideias para pôr em prática.
A primeira era
ver se podia ser atendido por Celso Teles pessoalmente. Então iria agradecer
todo o apoio generoso recebido e fazer uma rápida prestação de contas. A
segunda era ver se podia conversar rapidamente com Larissa Silva. Se havia
alguém em Amarante que sabia muito bem quais haviam sido as empregadas
domésticas de Madame Diva, esse alguém era aquela escultura viva, a filha dela.
Quando soube
quem estava na recepção à espera de um momento em que o dono da firma pudesse
atendê-lo, Celso, como era do seu feitio, deixou o que estava fazendo no
escritório e veio ao encontro do jovem policial. Eurico mal pôde acreditar
nisso, estava preparado para esperar todo o tempo que fosse necessário, até
trouxera um livro para ler.
– Bom dia,
investigador. Seja muito bem-vindo, já estou sabendo do seu sucesso em Caruaru.
Meus parabéns.
– Puxa, Seu
Celso, é uma honra apertar a sua mão. Eu pedi para importunar o senhor só pra
poder lhe agradecer pessoalmente a maravilha que foi ter me proporcionado essa
viagem. Sabe, além de tudo o que ela deu de resultado positivo pra polícia,
ela foi uma verdadeira lição de vida pra mim.
Celso fez
sinal para que passassem para o amplo salão dos auto-móveis e apontou uma
cadeira para o investigador, sentando-se na cadeira ao lado. E disse:
– Você falou
em lição de vida. Por que razão?
– Bem, eu não
quero tomar seu tempo com isso, acho que o senhor deve ser um homem muito
ocupado.
– Mas não, não
se preocupe com isso. Pode contar, eu gostaria de saber – e sorriu para o
rapaz, deixando-o à vontade e incentivando-o a falar de coisas suas.
Então Eurico
contou, com toda sinceridade, como ele pretendia ficar mais dois dias em
Caruaru, só desfrutando das benesses do hotel de luxo e sua culinária, o que
seria um franco abuso da generosidade de seu patrocinador. E contou por que
razão mudou completamente de posicionamento, abandonando seu plano de curtir um
par de dias como um paxá e até voltando um dia antes.
Foi aí que ele
se empolgou, narrando sua experiência transformadora na Feira de Caruaru. Mas,
assim que ele começou, Celso fez-lhe sinal para parar e falou:
– Um
momentinho, policial, vamos dividir essa experiência com mais uma pessoa, que
vai adorar ouvir isso: minha noiva Larissa. E fez sinal com a mão para seu
anjo, que veio rapidamente, toda sorridente, deixando o investigador completamente
embasbacado com tanta beleza e, principalmente, com a cor impossível daqueles
olhos.
Celso então
lhe pediu:
– Por
gentileza, investigador, volte ao começo da história.
E Eurico,
encantado com aquela recepção e com aquele interesse tão inesperados, contou
tudo o que lhe havia acontecido na Feira da Sulanca.
Contou com
tanto entusiasmo e com tanta emoção, especialmente quando se referiu ao
pessoal do ônibus de Arapiraca e de como ele havia descoberto que aquelas
pessoas simples do povo eram gente e ele, um boyzinho preconceituoso, não era
gente coisíssima nenhuma, que, ao terminar, surpreendeu-se vendo lágrimas nos
olhos azuis impossíveis.
Ainda não
sabia que certas pessoas especiais são anjos na terra e que anjos choram por
qualquer coisinha. E aquilo que ele relatava com tanto reconhecimento e emoção,
estava muito longe de ser qualquer coisinha.
Celso olhou
para Larissa e perguntou:
– Você quer ir
lá, meu bem? Quer conhecer a Feira de Caruaru? Aposto que você ficou doidinha
de vontade, não ficou?
Como resposta,
Larissa abraçou-se a Celso e mergulhou sua cabeça no pescoço dele. Mais sim do isso, impossível!
– Pois então a
gente vai lá assim que der. E leva o investigador junto. Que tal?
Eurico
arregalou os olhos desmesuradamente. Será que tinha ouvido direito? Será que um
homem tão rico podia ser assim tão sensível e ainda mais generoso?
– O senhor
quer dizer...
– Que você
pode vir conosco, vai ser como um nosso amigo guia, com todas as despesas
pagas, é claro. Que tal?
O investigador
apertou a mão de Celso Teles e mal conseguiu balbuciar:
– Meu Deus, é
sorte demais! É claro que eu aceito, sim. Só não sei se eu posso ir quando
vocês quiserem, porque eu dependo de autorização do meu chefe, o delegado
Oliveira.
– O Norberto?
Ora, esse aí é boa gente, pode deixar comigo, eu peço.
Eurico olhou
mais incrédulo ainda para o homem talvez mais rico de Amarante, agora que
Valdemar Silva não tinha mais o cetro. E falou:
– O senhor
sabe? Tudo no senhor me surpreende num homem rico. Como também me surpreende
seu aspecto: eu nunca imaginei que o senhor fosse tão moço assim. Esperava um
velho senhor, sabe?
Celso riu animado
e deu um leve tapa nas costas de Eurico:
– Tenho 39
anos, rapaz, mas sou um esportista desde moleque. E, a propósito, já que você
não me considerou um velho senhor, então faça o favor de tirar fora o tal de senhor. Me trate por você, fica mais
adequado. Aqui, dentro desta firma, só mesmo o Fúlvio Rondelli, aquele teimoso,
se obstina em me chamar de senhor.
Larissa não
deixou passar a oportunidade:
– É o meu
padrinho Rondelli; ele é um amor.
Nesse instante
o investigador considerou que era o momento certo de partir para a segunda
parte do seu plano naquela empresa: saber com Larissa os nomes e, se possível,
endereços das empregadas da casa nos últimos anos. Certamente ela ia querer
saber qual a razão desse interesse da polícia nas empregadas da casa dela.
Então ele disse:
– Bem, se
vocês dois me permitem tem um outro assunto que eu gostaria de tratar e tem a
ver com a filha de Dona Diva Silva aqui.
– Eu? –
perguntou Larissa surpresa – Ué, o que pode ser?
– Bem, nós, da
polícia de Amarante, gostaríamos de falar consigo sobre as empregadas da sua
casa.
– As
empregadas? Trata-se de uma investigação, então – observou Celso Teles – O que
está sendo investigado, policial?
– Bem,
desculpem se eu vou ser brutalmente franco. Desculpe você, moça, como filha
dela pode ficar chateada comigo, achar falta de respeito com sua mãe. Mas
compreendam, por favor, que é meu dever, como policial investigador, duvidar de
todos até prova – prova mesmo! – em contrário.
– E do que
vocês desconfiam na minha mãe?
Eurico achou então que tinha passado dos limites, deveria ter tido mais cuidado, precisava achar
uma saída agora, não podia revelar tudo o que pensava. Ficou um tanto
perturbado e hesitou, demorando para responder. Mas uma voz bonita de mulher
respondeu, saindo de trás dele:
– Ele acha que
sua mãe tinha um caso com o gerente da Transportadora, Lissinha.
Eurico tomou
dois bruta sustos, um atrás do outro. O primeiro foi constatar que alguém sabia
exatamente o que ele estava pensando, algo que só Mota e o delegado sabiam. O
segundo, maior ainda, foi ver a mulher que tinha falado aquilo. Tão perplexo
ficou, que levantou da cadeira de forma automática e muito rápida.
Aquela mulher
existia? Tão bonita como a miragem loira à sua agora retaguarda, mas uma morena
de pele clara e cabelos negros longos e encaracolados, um porte de rainha, mais
alta que ele pelo menos uns três centímetros, um corpo de cinema. Aquela sim,
merecia o nome de diva! Ainda embasbacado, gaguejante, falou:
– Moça... Como
é que... Como é que sabe...
Larissa
respondeu:
– Policial,
esta é Gládis De Rios, nossa bruxinha do bem. Cuidado para não pensar sacanagem
que ela adivinha na hora. Esconda, não pense.
Só então o investigador
se deu conta que estava frente a frente com a famosa Gládis, a morena gostosa –
como todos diziam – que tinha dado uma surra de criar bicho em Valdemar Silva e
precipitado toda a queda dele. E ensinado a loirinha cara de anjo ali atrás a
dar uma outra surra exemplar no louco do Schlikmann. E que era, comentavam
todos, um avião em palco, dançando flamenco. Balbuciou:
– Gládis De
Rios? Puxa, é um imenso prazer, moça. E, como policial, posso lhe dizer que é
uma honra também. O delegado me contou como você tem ajudado a polícia de
Amarante.
– Ora, não é
nada, policial. Mas o que eu quero dizer para você, Fofinha, é que ele está
muito certo na ideia dele.
Larissa
arregalou as águas-marinhas, impressionado ainda mais Eurico. Alguém podia ter
olhos daquela cor?
– Certo como,
Gládis?
– Conte para
ela, policial. Não precisa esconder nada. Essa aí não tem o menor respeito por
aquela mãe idiota dela. Fale das empregadas.
E, no mesmo
momento, Gládis pediu licença, deu meia volta e caminhou para um ponto mais distan-te do salão,
onde estavam Jenny e Paula.
Eurico
jogou-se de volta na cadeira e disse:
– Não. Ela não
existe. Ela não pode existir!
Todos acharam
que ele se referia ao dom de ler pensamentos. Mas não era nada disso: uma
mulher tão bonita e tão... altaneira, dona de si, senhorial mesmo, não podia
existir assim, ali, de carne e osso, muito mais, muito mais carne do que osso!
Não podia existir! Alta, soberana, com aquelas pernas fantásticas, que tanto
podiam bailar no palco como na cabeça de um homem. Deus do céu, que mulher!
Que pena que
fosse areia demais para o caminhãozinho dele – pensou. Senão iria agora mesmo
em casa e buscaria toda a traquitana de roupinhas femininas que tinha trazido
de Caruaru para uma eventual futura namorada. E depositaria, de joelhos, tudo
aos pés daquela diva autêntica.
E ela o que
faria? Possivelmente ia sentar uma sapatada na cabeça dele e dizer: “Ora, vê se
se enxerga, seu piolho! E ele seria mais um triste homem arrasado em Amarante,
porque apanhou de uma mulher. Raios!
Só então saiu
de seu rápido devaneio, notando que tanto Celso quanto Larissa olhavam para ele
com cara de quem está se divertindo. Larissa foi mais direta:
– Linda ela,
não é? É uma mulher maravilhosa, a mais fantástica deste mundo.
Eurico se
entregou na hora:
– Ah, é sim,
tem que ser, só pode ser! E ela leu mesmo a minha mente?
CONTINUA
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