MILTON MACIEL
92 – MAIS UM
AMARELO!
Fim do cap. 90: "– Linda ela, não é? É uma mulher maravilhosa, a mais fantástica deste mundo. - Eurico se entregou na hora:
– Ah, é sim, tem que ser, só pode ser! E ela leu mesmo a minha mente?"
– Com certeza
– confirmou Larissa – E ela faz isso todo santo dia, com todo mundo. Mas agora
eu fiquei muito curiosa. O que o investigador quer saber das nossas empregadas
domésticas e por que razão?
– Bem, já que
ela diz que a filha não tem a mãe em boa conta, eu acho que posso falar a
verdade. Eu ia enrolar, mas agora me sinto mais seguro.
– Pois fale
tranquilo, rapaz – disse-lhe Celso Teles, com aquele sorriso tão simpático que
podia até derreter gelo.
– Bem, é
simples. Eu fui a Caruaru para investigar o Natanael Bergonzi e descobri muita
coisa pesada contra ele. Aí eu desconfiei que ele possa ter tido e até que
ainda tenha um caso com sua mãe, Dona Diva Silva.
Larissa
agarrou fortemente a mãos de Celso Teles:
– Será
possível, amor? Por mim, daquela ali eu não duvido de nada. Ela é capaz, sim,
de tudo quanto é maldade e coisa ruim. Isso que o investigador fala nunca me
passou pela cabeça, mas, francamente, eu não duvido que ela seja capaz...
– Pois é, eu
acho que as empregadas da casa podem saber de alguma coisa. Assim como podem
não saber ou saber e não querer contar. Mas é a única linha de investigação que
eu posso seguir no momento. Por isso eu vim aqui para, além de agradecer o que
Celso fez por nós e por mim na viagem, ver se Larissa pode me dar informações
sobre os nomes e, se possível, endereços das empregadas que trabalharam em sua
casa.
– Minha
ex-casa, graças a Deus! Mas é claro que eu posso. A gente teve tão poucas
empregadas! Teve a Marluce, que praticamente ajudou a me criar, estava conosco
desde que eu tinha 11 anos. A Diva – engraçado, não é?, o mesmo nome da patroa.
Minha mãe proibiu a coitada de usar seu nome, ali ela tinha que ser a Maria –
Ficou uns seis anos, só saiu agora, quando minha mãe foi embora. E tinha a
arrumadeira-passadeira, Francisca, a Chiquinha, um amor de criatura, trabalhou lá
nos últimos meses, depois que a mãe dela, a Eunice, empregada antiga também ela,
morreu.
– Muito bom. E
quanto aos endereços? Alguma possibilidade?
Larissa fechou
um pouco os olhinhos para pensar, o que o policial considerou um desperdício
inaceitável. E respondeu:
– Eu acho que
posso levar vocês na casa da Marluce, eu fui lá algumas vezes. Mas... espere
aí, agora é que eu estou me lembrando de uma coisa: todas as empregadas eram
funcionárias da Transportadora, meu pai registrava elas por lá. Então devem
existir fichas, fotos e endereços, quem sabe até telefones...
Eurico deu um
pulo da cadeira:
Opa! Essa é
demais. Bingo! Meu Deus, muito obrigado a vocês todos. A Celso pela
generosidade, convite aceito! À moça por sua lembrança maravilhosa. E a outra
moça... ah, aquela morena alta, pela adivinhação... Agora eu paro de tomar o
tempo de vocês e vou pegar o primeiro ônibus que passar por aqui perto, vou
direto pra Transportadora do Seu Hiro mais uma vez.
Celso, como
costumava fazer, passou a mão no celular e ligou no mesmo instante:
– Alô,
Dagoberto? Me manda um carro aqui com motorista, agora mesmo. Tem um amigo meu
que precisa ir lá no Japinha na corrida.
E acompanhou o
policial até a frente da Revenda, onde um Chevrolet Cruze encostou
imediatamente. Celso falou para o motorista:
– Pereira,
leve o moço até a transportadora do Japinha e espere por ele o tempo que for
preciso. Depois deixe o rapaz onde ele precisar: na delegacia, em casa, em
qualquer lugar. Este é o investigador Eurico, da polícia de Amarante. E muito
cuidado com o que você fala, senão o homem descobre quem você é, seu patife, e
te encana mesma hora.
Eurico
despediu-se mais do que agradecido de Celso Teles e Larissa e teve a
experiência ímpar de fazer uma viagem inteira ouvindo um empregado falar bem do
seu patrão, sem parar um só momento.
A estada na
Transportadora foi rápida. Para variar, Celso já tinha ligado para seu amigo
Hiro Ito e, quando o investigador desceu do carro, já uma funcionária de nome
Mercedes estava à espera dele na recepção, com as fichas das três empregadas.
Mais um para a conta de Celso Teles!
Então Eurico
agiu rápido. Já que o carro estava ali à sua disposição, perguntou se o motorista
Pereira poderia levá-lo ao menos a um dos endereços das empregadas. O homem foi
categórico:
– Que é isso,
doutor? Leva a todos, espero o que tiver que esperar, nem que entre noite adentro.
E aproveite que eu sou prata velha da casa, conheço Amarante como a palma da
minha mão. Me passe os endereços e eu vou saber onde fica cada um deles.
Assim, com a
enorme boa vontade de Pereira, foram direto para residência de Marluce. O preço
que Eurico pagou foi leve e agradável: Pereira contando, o tempo todo, como o chefe
jogava futebol como um grande craque, narrando jogadas incríveis do patrão,
dizendo que ele tinha fôlego de sete gatos e outras coisa mais.
Com Marluce,
hoje uma simpática vovó de três netos barulhentos, que não
paravam um minuto, Eurico não conseguiu nada. Não, ela nunca tinha visto nada e
duvidava muito que sua patroa tivesse tido qualquer coisa com qualquer homem que
não fosse seu legítimo marido. E acrescentou:
– Nem que ela
quisesse. Ela morria de medo dele e ele era tinhoso, desconfiado e ciumento
como só. Se descobrisse algo, matava a coitada na mesma hora ele mesmo. Enfiava
chifre nela aos milhares, mas ai dela se ousasse retribuir!
Para sorte de
Eurico, o segundo endereço, da arrumadeira-passadeira Francisca de Souza, a
Chiquinha, era bem próximo dali. Encontrou a moça em casa, já tinha chegado do
seu trabalho atual. A conversa com ela foi morna até um certo ponto. Depois
algo surgiu que levantou as orelhas de sabujo do investigador.
– Ah, eu
trabalhei lá muito pouco tempo, moço. Uns sete meses, que me lembre. Quem
conheceu bem a Dona Diva foi a minha mãe. Ela sim trabalhou muitos anos com
essa patroa.
– E o que ela
falava da patroa? Gostava dela?
– Nem sei o
que dizer, meu senhor. Não falava bem dela, mas também não falava mal. Tanto
que eu me aventurei a trabalhar no lugar dela quando ela morreu daquele jeito,
de repente. E tão moça, coitada.
– Ah, é?
Quantos anos tinha. E morreu do que?
– Ah, só 55
anos, moço. Morreu do coração. De repente, assim. Estava bem num dia, no outro
era o enterro, lá em Guaramirim. E justo na hora que ela estava toda animada,
disse que a patroa ia dar um dinheiro de prêmio pra ela, disse que ia dar pra
comprar esta casinha aqui, de que eu pago aluguel até hoje.
Opa! Na hora
todas as luzes de emergência piscaram na cabeça de Eurico. Lembrou no mesmo
instante da casinha do guarda Narciso em Umuarama. E perguntou:
– Como foi que
ela morreu? Em que lugar?
A moça
entristeceu visivelmente. Seus olhos marejaram-se de lágrimas:
– Ah, foi uma
coisa muito triste aquilo, de repente. Ela tinha ido acompanhar a patroa numa
viagem a Guaramirim, que era a terra dela. A patroa parece que ia dar pra ela uma
casinha que a patroa já tinha em Guaramirim. Mas ela me disse que, se ela desse
lá, ela vendia e comprava esta aqui. Mas aí, no automóvel mesmo, minha mãe teve
aquele ataque brabo, morreu na hora. Nem deu pra ter socorro. Aí me avisaram
que ela estava mal e eu fui de ônibus, foi um horror. Mas era mentira, ela já
estava morta quando eu cheguei. Estava na autopsia, no hospital. Depois foi o
velório na casa da Tia Luci, a irmã mais velha dela. E enterraram ela lá em
Guaramirim, no outro dia.
– E você viu
bem o corpo de sua mãe, bem de perto?
– Claro, moço,
eu e a Tia Luci é que vestimos ela, tiramos e trocamos toda a roupa dela, colocamos
uma roupa boa da tia.
– E a patroa
dela?
– Dona Diva
foi muito legal, acompanhou tudo, pagou o caixãozinho simples e as despesas do
enterro. Ela estava muito, muito triste, parecia que ela é que tinha perdido um
parente. Foi por isso que eu me ofereci pra continuar trabalhando no lugar da
minha mãe, achei que Dona Diva merecia, coitada.
Então Eurico
partiu para o tudo ou nada. A filha tinha visto a mãe em roupas menores ou nua.
Arriscou, já antegozando a resposta:
– E você
notou, naturalmente, que a sua mãe, na cama onde trocaram a roupa dela, estava
muito amarelada.
– Não foi na
cama, foi numa mesa e... Como?! Ai, como é que o senhor sabe
disso, moço? Que ela estava meio amarelada, quer dizer.
Eurico viu que
era hora de mentir. Não podia falar a verdade, que a mãe daquela moça à sua
frente tinha sido assassinada pela própria patroa. Não, a notícia correria pela
cidade em dois tempos, poderia levantar a lebre, chegar a Diva Silva em Paris
através de algum contato que tivessem, ela ou Natanael Bergonzi, em Amarante. E
respondeu:
– Ah, porque
isso é super comum em casos como esse, de ataque fulminante do coração. Mexe
com o fígado e a pessoa pode ficar bem amarela. Só isso.
Despediu-se da
moça e entrou de volta no carro da Teles. Enquanto o motorista voltava a seu
assunto favorito, as façanhas do chefe dele, Eurico ia pensando: Bingo: mais
uma morte pelo 1080! Um amarelo a mais, que ficou faltando nas contas de
Alcebíades Trancoso, porque esse corpo não tinha passado por suas mãos
cuidadosas, não tinha sido sepultado em Amarante.
E tudo agora
ficava meridianamente claro: Diva Silva
era uma assassina! Ela tinha levado a empregada para a morte certa,
executado o plano todo dentro de seu próprio carro, em algum lugar da estrada,
chegando com a mulher já morta em Guaramirim.
Portanto, era
absolutamente certo que Diva Silva sabia como usar o 1080, o fluoracetato de
sódio. E, conclusão inevitável, se Adolfo Schlikmann, se Valdemar Silva eram
reconhecidamente serial killers, Diva
Silva vinha se reunir ao elenco nesta tarde. Pelo menos três mortes podiam ser
atribuídas, em princípio, a ela: A empregada Eunice, mãe de Chiquinha. Valdemar
Silva, o maridão corno. E a pobre Lurdinha, amante do seu cacho Natanael
Bergonzi, o Lacraia.
Para o genial
investigador, a hipótese de relação amorosa entre Diva e
Natanael deixara de ser uma suspeita, para se transformar numa realidade mais
do que concreta.
Restava agora
apurar até que ponto o Lacraia participara em cada um dos crimes. No da
empregada, pelo menos, ele estava fisicamente ausente. Mas nos outros dois, ele
poderia ser tanto autor como coautor ou mandante.
Narciso havia
sido eliminado porque queria mais dinheiro e sabia demais. Pois agora ficava
evidente que a empregada Eunice estava na mesma condição. Condição arriscada
demais, quando do outro lado se tem mentes perversas como as de Diva Silva e de
Natanael Bergonzi, o Lacraia.
Diva passara o
conto da casinha e queimara pessoalmente o arquivo. Ou ela ou o Lacraia poderiam
ter sido teria sido autores do disparo no coração de Narciso. Ele, mais
provavelmente. Para ela seria bem mais difícil sair àquela hora da noite, quase
madrugada, sem que Silva tomasse conhecimento na hora ou depois. Então a coisa
estava assim, na sua cabeça:
1 – Bergonzi matou Narciso
2 – Diva matou Eunice
3 – Um deles ou ambos mataram Lurdinha.
4 – Um deles ou ambos mataram ou mandaram matar
Valdemar Silva.
O executor da morte, muito provavelmente, tinha
sido o próprio guarda Narciso. Ou, num lance muito mais arriscado, ele teria
dado entrada a Bergonzi em plena madrugada, para que ele executasse o Pitoco.
Só que desta vez, com o marido atrás das grades,
não era impossível que Diva Silva em pessoa entrasse na delegacia, com a ajuda
de Narciso e executasse ela mesma o detestado marido.
De qualquer
forma, para Eurico, as pontas estavam enfim unidas: ou separados ou juntos,
conforme o caso, os dois criminosos de Amarante tinham matado suas vítimas. E
agora estavam curtindo a vida, tranquilos, serenos e montados numa grana preta,
em plena Cidade Luz.
Ah, como ele
gostaria agora de ter cara-de-pau suficiente para pedir a Celso Teles que
trocasse a despesa que ele daria ao generoso patrocinador em Caruaru, por uma
curta estada em Paris.
Mas logo viu
que era bobagem. Com poderia ele investigar qualquer coisa em uma cidade que ele
não conhecia, onde não falava o idioma e onde sua condição de policial não
tinha nenhum valor? Não, aquilo era caso para a polícia francesa ou para a
Interpol, quando chegasse a hora.
O delegado
saberia com certeza como proceder no caso. O importante era, acima de tudo,
manter o maior sigilo. Que Diva e o seu venenoso Lacraia continuassem pensando
que escaparam impunes e que nenhum médico ou policial tivera inteligência e
perícia suficientes para esclarecer seus crimes de morte, quatro ao todo, se ele,
Eurico, não viesse a descobrir mais algum ainda!
Não, eles
tinham tido o azar de topar com um legista do caralho, o tal Doutor Krause, de
Joinville. E com o testemunho do agora doido Schlikmann. E com um
investigadorzinho principiante, mas pentelho como ele só, que tinha caído num
poço e detonado a farsa de corrupto e, provavelmente, assassino, guarda
Narciso. E descoberto, na Transportadora, que Bergonzi era o amante da
professorinha Lurdinha. E chegado na cola de Bergonzi em Caruaru, para
descobrir que ele era o Lacraia. E agora, em mais uma incursão tão rápida
quando bem-sucedida, quem estava apanhada na rede do investigadorzinho que
ainda nem era gente era a criminosa Diva Silva.
Ah, sim, Diva
Silva, Madame Silvá, a francesa, joia de integridade e fidelidade ao senhor
seu esposo, senhora católica fervorosa e ilibada, um exemplo de moral para o
ingênuo do Mota!
Pois bem, a
beatificação e a canonização de Santa Divá pelo Vaticano iam ter que esperar.
Bem antes disso, o coisa ruim, o capeta, deveria comparecer para tomar posse de
mais uma feia alma para o seu rebanho de tresmalhados. Uma feiíssima alma
embrulhada para presente numa belíssima embalagem exterior, que chegava a lembrar parcialmente aquela deslumbrante e inigualável Miss Amarante, sua
filha.
Inigualável,
vírgula! E a morena gostosa, que gostava de descer o sapato na cabeça e no saco
dos varões amarantenses? Ah, aquilo era mulher para mais de metro, para
quilômetro. Que pena que era demais para ele. Mas, desde esse dia, era com ela
que ele se dedicaria a sonhar. E, possivelmente, fazer outras coisinhas mais,
nas horas de solidão. Ah, Gládis De Rios! Ainda bem que ela não podia adivinhar
agora o que ele estava pensando fazer com ela, toda entregue em seus braços, fogosa e sensual. Ou será que podia?... Por um momento teve um frêmito de incerteza,
chegou a imaginar o peso do sapato nos países baixos. Meu Deus, tomara que não possa!
CONTINUA
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