MILTON MACIEL
85 - INVESTIGAÇÃO NO MAYSA PLAZA HOTEL
Fim do cap. 84: "Mas também podia - por que não? - ter ido se encontrar com a ex-patroa, a viúva do Silva, madame Silvá, a que tinha se mudado para Paris tempos atrás. Afinal, ele era o procurador dela para seus interesses no Brasil. Também isso fazia sentido. Será que ele poderia descobrir algo a respeito disso ali em Caruaru? O estagiário achava difícil."
A estada do investigador
catarinense em Caruaru não foi, nem de longe, o passeio agradável que ele
pretendia, quando propôs a seu chefe, o delegado Oliveira, que o deixasse ficar
mais uns dias ali na Princesinha do Agreste. Tão logo começou a investigar, a
cadeia de contatos o foi levando de ponto a ponto até que acabou no lugar mais
impressionante que havia visto em toda sua curta vida de 23 anos, a grande feira de Caruaru, a maior do Brasil,a Feira da Sulanca!
Debite-se isso a sua
inegável vocação para investigador. Eurico tinha uma espécie de faro apurado,
como que ‘cheirava’ as situações nas evidências e pistas mais escondidas e
impensáveis. Além disso, sabia lidar com as pessoas muito bem, o que,
basicamente, queria dizer que sabia mentir muito bem e representar papéis com
perfeição de ator.
foi na mesma tarde em chegou
ao Maysa Plaza Hotel, o mesmo em que Natanael Bergonzi tinha se hospedado desde
sua chegada a Caruaru, que Eurico descobriu que seu investigado tinha
deixado o hotel nesse mesmo dia, de madrugada. Logo após confirmar sua reserva
e passar o cartão de crédito, perguntou por seu ‘grande amigo e sócio’ Natanael
Bergonzi, que estava hospedado ali também e que era a pessoa que tinha
insistido muito para que ele também se hospedasse no Maysa. Em que apartamento
ele estava?
A moça consultou o
computador e revelou a Eurico que seu amigo havia deixado o hotel naquele mesmo
dia, por volta de cinco horas da madrugada. Muito decepcionado, o rapaz
resolveu que não revelaria nada disso a seu chefe, o delegado podia esperar
para saber dessa bomba no dia seguinte.
Assim ele ia poder dormir sem estar com
os ouvidos cheios e sem a ordem de voltar na manhã seguinte. Decidiu que iria
dar a si mesmo a oportunidade de aproveitar todas as mordomias a que tivesse
direito, pagas regiamente pelo benemérito Celso Teles. Afinal, quando é que ia
ter outra chance igual a essa? Trabalhando na delegacia de Amarante?
Dificilmente!
Assim ele resolveu
esquecer Natanael Bergonzi por uma noite e se dedicar a aproveitar as benesses
do hotel: piscina, sauna, restaurante, TV a cabo, Internet, frigobar cheio! Nadou,
divertiu-se, comeu como um gourmand, dormiu como um paxá. Só no outro dia de
manhã reassumiria sua posição de policial.
Foi o que fez, assim que
engoliu a último bolinho e a última xícara de café com leite, esgotada
totalmente a capacidade de seu estômago ao longo do lauto breakfast do hotel,
cheio de frutas, sucos, pães, ovos, frios, tortas e bolos.
Dirigiu-se ao balcão da
recepção e, quando chegou sua hora de ser atendido, teve que pedir desculpas ao
atendente, por causa do arroto que escapou, insubmisso. Assim que pôde falar,
perguntou?
– Bom dia, amigo. Eu
estou hospedado aqui desde ontem, no 32. Vim de Santa Catarina para me
encontrar com meu sócio e amigo, o Nata. Quer dizer, Natanael Bergonzi, é o
nome dele. Pois, para minha surpresa, me disseram ontem que ele saiu na
madrugada desse dia, lá pelas 5 da manhã. Ora, hoje de manhã eu pensei melhor e
fiquei preocupado. O Nata nunca que ia aprontar essa comigo, a gente é que nem
irmão, sócios há mais de 10 anos lá no Sul. E aí, como ele saiu tão de
madrugada, eu fiquei pensando que deve ter acontecido algo de muito sério com
ele. O senhor não teria ideia de para onde ele foi? Será que ele não deixou
nenhuma mensagem com vocês para mim?
O rapaz consultou seus
registros, foi até à sala da telefonista e voltou com cara de desolado:
– O senhor me desculpe,
mas não temos nenhuma informação, nenhuma mesmo. Ele fez o check out às 4 e 30 da madrugada de ontem e foi embora daqui de táxi.
Eurico fez cara trágica
de desesperado. Sua voz embargou-se de emoção, parecia que ia chorar, o que
comoveu o atendente:
– Meu Deus, só pode ter
sido a ameaça! Sabe o meu amigo está jurado de morte, ele andou se enrolando
com uma mulher casada lá na nossa cidade, aí ele me disse que ia dar um tempo
aqui, que é a cidade onde ele nasceu. Mas anteontem ele me ligou assustado,
disse que achava que o marido cornudo tinha descoberto que ele estava em
Caruaru, pela voz ele estava desesperado, ele me suplicou para vir para cá,
para ajudar com a situação. Aí eu larguei tudo e vim o mais rápido que deu.
– Que coisa terrível,
senhor. Ele deve ter fugido daqui, então.
– Sim, está na cara! E
não deixou nenhum aviso pra mim, nem me telefonou, porque deve estar pensando
que o tal marido pode, quem sabe, ter conseguido mandar grampear o telefone
dele. Ou até o meu, vai saber! Puxa, o cara pode até ter vindo para cá no mesmo
voo em que eu vim, ontem, de São Paulo para Recife.
– Pois é, é uma
contrariedade, este nosso aeroporto estar em reforma há tantos anos e nada de
ficar pronto, continuamos dependendo de Recife, que fica a 130 quilômetros
daqui.
– Mas você disse que ele
foi embora de táxi. Talvez se eu conseguisse falar com o taxista, quem sabe ele não deixou uma pista para mim. Ele sabia que eu, ao chegar aqui, ia mover céus
e terras atrás dele. Por favor, amigo, me ajude. Nos ajude. Pelo amor de Deus,
eu estou assustado demais. O Nata é o meu maior amigo, é como um irmão...
O rapaz hesitou um pouco,
mas falou:
– Olhe, meu senhor, o que
eu vou fazer é um tanto irregular, mas eu posso conversar em particular com o
segurança da porta de entrada, o turno dele termina agora às 9 horas. Me dê
licença só um momentinho. E, dirigindo-se a alguém na sala ao lado, pediu que
essa pessoa o substituísse por um instante.
Quando o rapaz se
encaminhou para a porta de entrada e começou a falar com um sujeito alto e
corpulento, de paletó azul-marinho e gravata, Eurico foi sentar-se num dos
sofás da recepção. Pouco depois o jovem atendente voltou e dirigiu-se a ele:
– Senhor, o guarda disse
que seu amigo saiu num táxi da frota azul e que ouviu quando ele disse ao taxista: Direto pro aeroporto de Guararapes, Recife, o mais rápido que der. O
taxista é o Almeida, que nos serve aqui faz bastante tempo. Acho que a esta
hora da manhã ele pode estar dormindo, geralmente ele cobre o turno da
madrugada. Mas pode não estar. Eu vou lhe passar o telefone celular do homem e
o senhor tenta se comunicar com ele.
Eurico apertou a mão do
moço efusivamente, fez cara de comovido. No aperto de mão, o rapaz sentou um
objeto estranho entre as mãos. Sorriu de orelha a orelha ao ver uma nota azul
de cem reais ali:
– Muito agradecido,
senhor. Não precisava, fiz de coração, pra ajudar o senhor e o seu amigo. Deus
queira que o marido furioso não o encontre! Muito obrigado mesmo!
O rapaz andou rápido para
seu computador, escreveu no cartão do hotel o número do celular do motorista
Almeida e o trouxe, todo sorridente, para Eurico. Que amigo leal e dedicado
aquele! Quisera ele ter um amigo assim algum dia...
Eurico ligou dali do
saguão mesmo, usando seu celular num interurbano em roaming. Afinal, todas as despesas, telefone inclusive, corriam por
conta de Celso Teles. Do outro lado só a resposta automática, o homem devia
estar dormindo. Continuou tentando de hora em hora. Às 11 da manhã, ligando da
beira da piscina, conseguiu a resposta. E encomendou uma corrida para as 11 e
meia.
Foi para o quarto,
banhou-se e vestiu-se rapidamente e, quando Almeida chegou, pediu-lhe para
descer um pouco e conversar com ele, sentados ambos em um banco à sombra, ali do
lado de fora do hotel. Repetiu a história do sócio e amigo, do marido
descornado furioso, do perigo de vida que seu quase irmão estava correndo.
Então o motorista Almeida comentou:
– Ah, esse seu amigo é
mesmo muito malandro. Comeu a mulher do outro, deu no pé pra Caruaru. Aí o
corno vem atrás dele e ele se manda para o exterior! Quero ver o babaca
encontrar ele agora.
– Exterior, Seu Almeida!
Mas que esperto esse meu sócio.
O investigador abriu a
carteira e começou a puxar outra nota de cem reais. Com a retaguarda de Celso
Teles, ele podia ser generoso com todo mundo e ele sabia o quanto aquela
corzinha azul tocava o coração das pessoas, como abria sua generosidade. Só
então perguntou, segurando a nota na mão:
– Para onde ele foi, Seu
Almeida? Me diga, pelo amor de Deus!
Almeida olhou para a nota
de cem na mão do outro, mas uma dúvida perpassou-lhe o pensamento:
– Sabe o que eu estou
pensando, moço: Quem me garante que o senhor não é o marido traído?
– E se fosse?
Eurico
falou isso já puxando mais uma nota de cem da carteira. Levou as duas em direção
ao taxista. Almeida não hesitou mais, pegou-as e respondeu:
– Bem, se for, bem-feito.
O seu amigo aprontou, agora tem que se foder. Foi para Paris, levei o homem
para o setor de Embarque Internacional, para a Air France. E ele foi
comentando, todo contente, na viagem, que ia enfim conhecer Paris, que era o
sonho da vida dele. E olhe, ele não me pareceu nem um pouco com um homem assustado,
que estivesse fugindo de um marido corno furioso – quer dizer, me desculpe
moço, eu...
– Tranquilo, Seu Almeida,
não precisa se desculpar, eu não sou o marido corno. Sou o sócio dele mesmo.
– Bem, melhor assim. E
senhor quer ir para onde mesmo? Pelo jeito não vai ser para o Guararapes, para
seguir para Paris atrás do homem.
– Não mesmo, Seu Almeida.
Vou ficar por aqui mesmo. Não vou a lugar nenhum com o seu táxi. Mas acho que o
senhor não se incomoda, não é?
– Claro que não, moço.
Esta foi a corrida mais curta e mais bem paga da minha vida. Muito obrigado. –
e entrou no táxi, indo embora todo satisfeito da vida.
O investigador Eurico
voltou para seu quarto e só então ligou para seu chefe em Amarante, dando-lhe a
má notícia da viagem de Natanael Bergonzi para Paris.
Depois que acalmou o
delgado Oliveira e convenceu-o a deixar que ele ficasse mais tempo em Caruaru,
dispôs-se apenas a gozar a boa vida por um par de dias, pelo menos. Dois dias
de mordomias totais, passeios pela cidade, conhecer um dos muitos locais de
forró autêntico pé-da-serra, comer do bom e do melhor da culinária nordestina.
Da outra grande atração
de Caruaru, a sua Feira da Sulanca, a maior feira ao ar livre do Nordeste
(alguns ali diziam que do Brasil, outros que do mundo inteiro) ele queria distância.
Tinha horror de aglomerações e de grandes massas de povo.
Dois dias de vida de paxá,
sem ter que mover uma palha. Afinal, como é que ele ia descobrir em Caruaru mais
alguma coisa sobre um cara que vivera mais de 25 anos de sua vida em Amarante e
que agora estava a caminho de Paris?
Mas policial nato é
policial nato. Enquanto almoçava como um grande glutão, começou a lhe vir à mente que o ex-gerente e homem de confiança total de Valdemar Silva tinha ficado
naquele hotel por mais de dois meses. Dois meses! Era muito tempo para o cara não
ter feito qualquer relação com os funcionários ou funcionárias. Sabia, de suas
incursões á transportadora em Amarante, que Natanael Bergonzi era homem
popular, de fala fácil, que gostava de impressionar as pessoas, de estar de bem
com gregos e troianos.
Ora, pensou Eurico, um
cara falastrão assim, montado na grana agora, não ia ficar de bico calado,
sorumbático, sem puxar papo com o pessoal do hotel. Resolveu seguir essa sua
linha de raciocínio. Aí lembrou-se da outra linha que seguira na Transportadora:
ora, o cara era boa pinta, impressionava as mulheres, viado não era,
embarrigara a Lurdinha. Logo, em mais de 60 dias por ali, o malandro devia ter procurado
mulher. Ou vice-versa, o que era até mais provável. Estava na hora de repetir a
fofoca da Transportadora. Tomara que encontrasse ali em Caruaru outra Mercedes.
Por isso, nem bem saiu da
mesa do almoço, foi ao seu quarto e apanhou algumas fotos de Natanael Bergonzi.
Hora de começar a puxar papo com as funcionárias do hotel. Ajudou-o o fato que
o atendente da recepção já havia segredado para alguém que ele estava li para ajudar
seu grande amigo e sócio a livrar a cara, perseguido que estava por um marido
cornudo.
Ora, segredou para alguém,
segredou para o mundo. Em poucas horas a história correu o hotel, andar por
andar, setor por setor. Funcionários e funcionárias encaravam-no com admiração,
aquele era o amigo perfeito, o que todos gostariam de ter na vida.
Eurico percebeu que, se
persistisse nessa sua busca, ia acontecer como sempre lhe acontecia: ia acabar
encontrando algo. E então, conhecia-se bem, não haveria mais de parar. E conforme as pistas a investigar... Ah, adeus dois dias de férias no dolce far niente, adeus vida
de paxá; ia se afundar no trabalho de novo!
Mas não teve jeito. O
policial dentro dele ficava tão excitado com o cheiro de uma pista que ele
começava a vibrar e a ficar elétrico, impaciente por movimento e encrenca. Começou
a conversar com as funcionárias do restaurante, da recepção, as telefonistas,
as arrumadeiras e... bingo!
Sempre levava o assunto
para o seu amigo perseguido, o grande conquistador, o galãzinho de Caruaru ciscando
no terreiro dos outros lá no Sul. As moças já sabiam da história,
solidarizavam-se com aquele rapaz tão novo e tão amigo. No meio da tarde uma
das arrumadeiras mais velhas saiu-se com essa:
– Esse seu amigo é daqui
mesmo de Caruaru. A família dele é daqui. Eu sei muito bem quem ele é. Só que
ele não me reconheceu, embora tenha estudado na mesma escola que eu no ginásio.
Eu acho que ele fez que não me reconheceu. Sabe, o pessoal dele é bem pobre,
gente humilde e trabalhadeira. Ele pode ser seu grande amigo, mas pra mim é um
sujeito metido a sebo, com a rei na barriga. Deve ter se enchido de dinheiro lá
no Sul, para poder ficar dois meses num hotel como este. E para poder comprar
imóveis aqui, coisa que ele não fazia segredo que estava procurando. Pois olhe,
seu moço, que eu saiba, nunca que ele procurou seus parentes, nunca ofereceu uma
mão para eles.
Eurico teve vontade de
abraçar e beijar aquela mulher quarentona. Que maravilha! A família do cara!...
Então resolveu dar corda na arrumadeira:
– Pois olhe, moça – o “moça”
foi intencional – eu sou obrigado a concordar com você. Na verdade, eu posso
dizer que eu sou o melhor amigo dele, mas ele não é o melhor amigo de ninguém.
O Nata é muito egoísta mesmo. Não pensa nos outros, veja só o que ele fez com essa
pobre esposa lá no Sul: enganou a coitada, prometeu casar com ela se ela se entregasse
a ele e deixasse o marido. E era tudo mentira.
– Safado! Maldito! – a mulher
estava realmente exaltada – Esse filha da mãe bem merecia que o corno lhe
metesse uma bala na cabeça. Melhor, uma peixeira na barriga! Um desgraçado que
abandona pai, mãe e irmãos na pior, é mesmo um filho da puta.
– E ele tem pais vivos?
– Não, os dois já
morreram. Mas dois dos irmãos dele vivem aqui em Caruaru. Pois eu lhe garanto
que, se o senhor conversar com um deles, o senhor termina de se desiludir com
esse seu amigo sem-vergonha.
– Verdade? Pois olhe, eu
bem que gostaria, eu fiquei ainda mais decepcionado com o Natanael agora,
depois desse caso dele lá no Sul. Quem sabe, ouvindo os irmãos, eu não me
desiludo mesmo e acabo com essa amizade.
A arrumadeira mostrou um
enorme entusiasmo nos olhos e na voz:
– Pois faça isso, moço. O
senhor é um amigo tão bom, aquele mequetrefe não merece a sua amizade.
– E onde eu posso
encontrar esses irmãos, a senhora sabe?
– Um deles, o Tião, foi
casado com uma antiga colega nossa, que trabalhou aqui na recepção e agora
trabalha numa loja do Shopping Difusora. A loja é das Pernambucanas. Se o
senhor for até lá, não é muito longe, chame um táxi, procure pela Alzira nessa
loja. Ela vai poder lhe dizer onde encontrar o Sebastião.
Eurico agradeceu o grande
favor com mais uma azulzinha. Celso garantia! E, quanto mais ele ficasse com fama
de generoso e azulador, mais ele atrairia gente interessada em lhe passar informações.
Agora era seguir a pista quentinha.
Chamou de novo o Almeida
do táxi. Agora tinha motorista particular. Foram primeiro ao Shopping Difusora,
onde o táxi ficou à sua espera, e lá Eurico não teve dificuldade alguma em
localizar a vendedora Alzira. Esta passou-lhe de imediato a informação que ele
precisava: encontrar o Sebastião, para ouvir falar mal daquele seu cunhado desgraçado,
o Natanael? Ora, era só procurar o ex-marido na madrugada seguinte, do sábado, na
Feira da Sulanca. Tião das Cuecas
tinha barraca ali há muitos anos, vendia cuecas e calcinhas em grande
quantidade. Mas era preciso chegar cedo, logo na abertura, entre 4 e 5 da
madrugada.
Opa, Feira de Sulanca, que
barra! E ainda madrugada alta. Bem, ao menos aquele era horário de atividade
normal do seu motorista particular. Combinou com Almeida para apanhá-lo no
hotel no dia seguinte às 4 da manhã. Que fosse a Feira da Sulanca, que remédio.
Eh, profissãozinha!...
Andou um pouco pelo
shopping, viu algumas garotas muito bonitas, comeu alguma coisa e voltou para o
hotel. Sobrava-lhe só um resto de dia para desfrutar a boa vida. E ainda ia ter
que dormir muito cedo, pois no outro dia era pular da cama em plena noite,
caramba!
A Feira da Sulanca
Na madrugada seguinte, meio
sonado, Eurico entrou na Feira da Sulanca e o que viu deixou-o de queixo caído.
Caramba, aquilo era muitíssimo maior do que ele havia imaginado! Ainda não era
cinco da manhã e o lugar já estava cheio de gente e de estranhos carinhos de mão,
enormes e cheios de carga.
Os “carroceiros”, como
eram chamados, corriam de um lado e de outro, ao longo dos corredores formados
entre as milhares de barracas, ali naquele ponto todas elas ficando atulhadas
do material que os carroceiros traziam para os feirantes: roupas de todos os
tamanhos, tipos, cores, formatos, deitadas sobre mesas largas, penduradas em
cabides infinitos, dobradas em prateleiras, vestindo milhares de manequins sem
cabeça e sem braços, alguns apoiados, outros pendurados e girando. Uma
barafunda total.
Os fregueses iam chegando e os vendedores e vendedoras abriam
a garganta em sua cantilena de ofertas e preços, às quais os clientes respondia
com entusiasmo. Um estranho coral de milhares de vozes ergueu-se e, no meio
daquilo tudo, todo mundo entendia todo mundo.
Só Eurico não entendia nada.
Nos seus ouvidos desacostumados as vozes soavam:
– Treis sandália por déis
real! Treis. Treis, é a promoção!
– Treis calcinha cinco
real. É a oferta!
– Ói o sutiã dereto da fábrica.
Dois por cincão!
– Quinze calcinhas, dez reais!
– Camisa. Camisa da fábrica.
Cinco real!
Céus, tudo ali era incrível!
Os preços... inimagináveis. Mais de 15 000 feirantes. E as barracas eram todas iguais.
Ou quase. Havia barracas dos dois lados, mesas enormes, balcões, araras,
pingentes, guarda-sóis, a cor azul predominando. Como é que ele ia encontrar a
barraca do Tião das Cuecas?!
No meio daquela balbúrdia
toda, com barracas e guarda-sóis dos dois lados e um rio de gente e carrinhos correndo
caudaloso nos dois sentidos entra elas, por centenas de metros, como é que ele
ia seguir a sugestão da vendedora Alzira?
– Ora, chegue lá e
pergunte onde fica a barraca do Tião, moço. Todo mundo sabe. O Tião das Cuecas, todo mundo conhece.
Agora ele se rachava de
perguntar e ninguém lhe dizia coisa com coisa. Antes das seis da manhã já tinha
mais de cinco indicações diferentes, apontando para lugares muito diferentes da
feira. Ele estava irritado, com fome, lembrando do breakfast do hotel que ia perder; e já estava ficando cansado de tanto
caminhar e perguntar. Por fim, conformou-se. Melhor parar de perguntar para
todo mundo e começar a curtir um pouco daquele mundo louco, surreal. Já que a
curra era inevitável, ia relaxar.
Sim, ele ia curtir a
Feira da Sulanca e confiar que, em algum momento, chegaria à tal barraca do Tião
das Cuecas.
E começou a andar, agora mais tranquilo, curtindo no meio daquele
povo todo, de todas as origens, tamanhos e cores. Sabia que ali havia gente de
todo o Nordeste e de Minas Gerais. Vinham buscar roupas para revender em suas
cidades, que iam de Recife, Maceió, João Pessoa e outras capitais, até lugares menores
e distantes, como Barbalha no Ceará, Caicó no Rio Grande do Norte, Itabaiana em
Sergipe, Alagoinhas na Bahia, Montes Claros em Minas Gerais.
CONTINUA:
Investigação na Feira da Sulanca
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