MILTON MACIEL
94 – VENENO DE
LACRAIA
Fim do cap 93 - "Agora não era hora de brigar, era hora de união. Foi nesse momento propício que Natanael sugeriu a Diva que ele podia usar o 1080 com a amante asquerosa e inconveniente. O veneno!"
Diva topou na
hora, com evidente entusiasmo. Sim, era o fim, a solução final para um problema
que estava ameaçando atrapalhar a vida deles. Sem Lurdinha, tudo voltaria à
normalidade tranquila de antes. E, para Natanael, que seria o encarregado de
aplicar o veneno, seria uma oportunidade maravilhosa de praticar, de treinar
para o grande momento final, quando eliminariam o maldito Pitoco para sempre de
suas vidas.
Então Diva
entregou a Natanael o pó e o líquido, retirados mais uma vez dos amplos frascos
de 500 gramas e 1 litro, respectivamente, que Valdemar tinha guardados numa
caixa metálica sem chave, em seu escritório. E sem cuidado maior, porque nunca
poderia imaginar que Diva soubesse o que era aquilo.
Natanael teve o cuidado extremo
de comprar luvas de látex em um supermercado, máscara cirúrgica em uma farmácia
e seringa de 5 mililitros e agulha fina em uma outra. E todos em outra cidade,
Florianópolis, para não deixar qualquer rastro em Amarante.
Leu muito bem
as instruções e Diva serviu como instrutora, contando o que vira Valdemar
fazer, quando matou o concorrente Pimenta no escritório.
Então Natanael
Bergonzi foi na sexta à noite para a casa modesta de Lurdinha. Ela morava ali
sozinha, não tinha parentes em Amarante, viera de Pato Branco, no Paraná. Levou
champanhe para comemorar, disse, para encanto da professorinha, que tinha
terminado tudo com Diva Silva e que, na segunda-feira, Amarante inteira ficaria
sabendo do seu amor por Lurdinha.
E que abria mão do dinheiro todo da maldita
tarada, tudo por amor a sua querida e seu filhinho. Antes o amor e a família,
do que um dinheiro amaldiçoado.
Lurdinha
chorou de contentamento, quis ligar para a mãe contado tudo na mesma hora, que
estava grávida inclusive, que iam os dois casar antes do fim do mês. Mas
Natanael suplicou-lhe que não fizesse isso. Na semana seguinte, ele fazia
questão de tirar uma licença na firma e iria com ela, no carro dele, até Pato
Branco, onde se apresentaria como pretendente e pediria a mão da filha em
casamento, diretamente a seus pais.
Aquela noite,
mais do que nunca, Lurdinha entregou-se em chamas a seu homem, seu futuro
marido, o pai do seu filho, seu grande amor. Natanael aproveitou as últimas
horas com aquela mulher linda e fogosa, gozou como nunca, três vezes até a
madrugada, coisa que nunca lhe acontecera. Talvez fosse a excitação do ato que
praticaria a seguir que o deixara tão viril, tão potente.
Quando
Lurdinha dormiu enfim, exausta e feliz como nunca, Natanael Bergonzi retirou os
apetrechos de sua valise, que estava ali ao pé da cama, inocentemente
abandonada no chão.
Então o
Lacraia assumiu o comando!
Luvas e
máscara colocadas calmamente, aproximou-se da cabeceira da cama. Lurdinha
moveu-se levemente. Ainda nua, dormindo, sorriu, o sonho certamente feliz. O
Lacraia observou por muito tempo aquele corpo perfeito, com a barriguinha levemente
saliente. Ficou um bom tempo também contemplando a beleza daquele rosto, que
sorria à meia luz do quarto. Menina boa aquela, um mulheraço na cama, uma pena
que a coisa tivesse que terminar assim...
Mas... que
fazer? Com pesar genuíno no coração, o Lacraia começou a aplicar seu veneno.
Deixou o pó cair suavemente sobre o seio esquerdo. Depois de uns minutos,
começou a espalhá-lo muito suavemente ao redor da auréola, na pele alva.
Aguardou mais um pouco. Sabia agora que Lurdinha não voltaria mais à
consciência plena. Então aplicou uma dose menor do pó já diretamente dentro das
narinas da moça. A inconsciência seria total em menos de dois minutos.
Contado esse
tempo, parou para observar mais uma vez o esplendor daquele corpo nu. Que pena! – pensou – Pobrezinha, estava tão feliz!
Então
abaixou-se de novo e, com muita delicadeza, introduziu a finíssima agulha na
região do quadril da bela adormecida. Injetou o conteúdo lentamente, enquanto
lembrava alguns dos seus melhores momentos com Lurdinha. Deu um suspiro fundo,
sentiu pesar no coração outra vez...
Consumatus est!... Estava tudo pronto!
Juntou todos
os apetrechos do crime, todas as suas coisas, as poucas roupas suas que
mantinha na casa de Lurdinha. Hora de ir embora. Escolhera a sexta à noite para
a execução porque ninguém mais viria atrás da professora até a semana seguinte.
Só estranhariam sua ausência a partir da primeira aula da tarde na segunda.
Procurou e desligou o celular dela. Assim teriam que vir atrás dela e
encontrariam o corpo. Pensou, com tristeza, se já não estaria, então, começando
a se decompor aquela obra prima da natureza.
Pronto, tudo
pronto, já podia ir. Voltou-se outra vez para contemplar a beleza extrema
daquele corpo de mulher; depois deixou o quarto e a casa com uma sensação de
perda. Do lado de fora, ao entrar no
carro, lembrou que o certo seria sentir alívio.
Foi o que fez.
Pensamento positivo! O seu grande problema estava acabado. E ele sabia agora
muito bem como proceder para acabar com seu outro problema, esse ainda maior e
mais pesado que Lurdinha: o volumoso e atarracado Valdemar Silva.
Ligou o rádio
do carro, colocou um CD de rock pesado e arrancou suavemente. Vida nova! Bola
pra frente...
A única coisa
que escapou ao seu controle foi uma tal de Dona Nair. Que era a faxineira que
vinha, todos os sábados de manhã, limpar a casa de Lurdinha. E que tinha algo
além a confiança da professora: tinha a chave da casa. Dona Nair descobriu o
corpo às 8 horas da manhã; Alcebíades Trancoso começou sua série fotográfica fantástica
às 8 horas da noite do mesmo dia, fazendo hora extra. Para seu deleite de voyeur e para a gratidão eterna da polícia
de Amarante. Não fosse Dona Nair e o belo tom amarelado das fotos estaria
perdido para sempre.
Nisso o
Lacraia não foi feliz. Mas, sentado naquele banheiro de luxo em Paris, ele
ainda não sabia nada disso.
A tarde passou
para ele e Diva entre amores e confidências, entre sorrisos e comemorações. Os
dois amantes estavam no céu. Tudo tinha dado certo para eles, os que ousaram se
atravessar no caminho de um e de outro acabaram tombando pelo percurso, como
tinha que ser. A sequência das mortes era simplesmente magistral, rememoraram,
felizes:
1 – Valdemar matou Pimenta. O pobre concorrente
entrou na história só para que eles pudessem descobrir aquela arma secreta
fantástica, que o maldito Pitoco havia conseguido, sabe-se lá como. Pimenta não
tinha feito nada contra eles, muito pelo contrário, os tinha beneficiado como
se fosse um anjo protetor. Mas tivera uma morte gloriosa, mais do que
necessária para eles.
2 – Natanael matou Lurdinha. Antes que ela
detonasse todo o futuro dele, com aquela estupidez de golpe da barriga e
exigência de casamento. Uma morte lamentável. Porém necessária.
3 – Diva matou Eunice. Antes que aquela anta
virasse uma ameaça real. E, ainda mais, para que Diva pudesse testar a
facilidade e a eficácia da metodologia da morte. Nada a lamentar.
4 – Narciso matou Valdemar. Uma morte
necessária para o futuro de ambos. Mais: imprescindível. Mais ainda: uma morte
com o doce sabor da vingança, a eliminação total da face da Terra daquele
orangotango presunçoso, porco e violento. Diva tinha jurado vingar-se dele aos
17 anos. Tudo a celebrar agora. Como única coisa a empanar o brilho da
celebração, a dura realidade que aquele bastardo do seu pai tinha morrido antes
que ela fosse poderosa o suficiente para fazê-lo pagar pela venda indecente de
uma filha. Que ardesse no inferno por todo o sempre, maldito pudim de cachaça!
5 – Natanael matou Narciso. Outro acidente
de percurso, como o de Eunice, só que com muito mais gravidade. Um chantagista
primário, mas um cara que sabia demais. Tinha sido o braço vingador de Diva, o
braço executor de Lacraia. Mas um imbecil que se deixara ver por Adolfo
Schlikmann durante a execução. Merecia morrer por tudo isso.
Enquanto
revisavam felizes e amorosos essa sua contabilidade letal, os dois amantes
brindavam o sucesso total com champanhe francesa, o que, ali na França, era
apenas champanhe nacional, comum,
acessível e barato.
Natanael
Bergonzi tinha mais razões para sorrir. Diva não sabia, nunca ele lhe revelara,
mas havia mais uma morte a incluir na lista e a comemorar. A daquele palhaço de
Caruaru, o Esteves, que atrapalhou sua conquista da rica herdeira dos Dantas,
de Toritama. Despachou o desgraçado na peixeira, mas era muito novo e
inexperiente, deixou rabo e testemunhas, foi preciso seu velho, aquele
retardado, assumir a culpa por ele, para ele poder sair livre da empreitada e
se mandar para o Sul.
Essa figuração
era hors concours. Mas merecia ser
incluída, ainda que na ordem cronológica errada, era um triunfo de 22 anos
atrás:
6 – Natanael matou Esteves. Maravilha!
Sim, ele tinha
três mortes nas costas. Diva tinha uma. E, juntos, eles tinham mais duas:
Lurdinha e Valdemar. Natanael gargalhou, chamando a atenção de Diva Simonetti:
– Que foi,
amorzinho? Lembrou do que?
– Lembrei do
ditado que os idiotas ensinam para os imbecis.
– Qual?
– “O crime não compensa.”
CONTINUA