MILTON MACIEL
RESUMO da parte 2: Os dois guris decidiram libertar a garota das garras do bêbado Tonhão Dureza. Para isso manietaram o bêbado que dormia pelas botas, acordaram-no na hora em que o trem fazia uma acentuada curva à esquerda e abriram de repente a janela. Uma lufada de fumaça da locomotiva entrou e encehu os olhos do homem de fuligem. Pretestando ajudá-lo e dizendo que foram buscar água para lavar os olhos dele, na verdade jogam neles o conteúdo de um vidrinho com VINAGRE, que pegaram no carro restaurante. Fazem isso no momento em que o trem está parando na estação da Música, em Vacaiquá, onde os moleques são esperados pelo bonachão peão da fazenda da madrinha, o negro Artur Coelho. Descem do trem levando a mocinha com eles e, quando estão para sair da estação na charrete, levam o maior susto vendo que o bandido já conseguiu se recuperar e, saindo do trem, investe contra eles, empunhando um porrete:
– Desgraçados, eu mato os três!
O grito vinha de um homem com a camisa toda ensangüentada,
com a testa cortada sangrando, com os olhos vermelhos como dois tomates, que
trazia um enorme porrete na mão. Era Tonhão Dureza, no auge de sua fúria! O que falhou no plano dos meninos foi o tempo de recuperação
de Tonhão, muito mais rápido do que eles imaginaram.
PARTE 3
Assim que o vinagre foi jogado em seus olhos e a ardência ficou dez vezes pior,
a bebedeira completamente dissipada, o homem deu um pulo do banco, para correr
para a torneira do banheiro. Mas não contava com aquela coisa enrolada em suas
botas. Caiu feio e rebentou a testa no encosto de um banco. O sangue esguichou
sobre a camisa.
Quando viu a
corda nos pés, através dos olhos em fogo, compreendeu imediatamente o que tinha
acontecido. Traição! Aquilo era coisa daqueles dois moleques do diabo. Tinham
armado aquilo tudo contra ele. O cheiro de vinagre era inconfundível. O gosto
dele, misturado com sangue, também o era. O maldito guri tinha jogado vinagre
nos olhos dele! Nos dois olhos! Ah, mas ele ia degolar os dois desgraçados! E
também aquela puta que tinha fugido com eles, ela que era propriedade legítima
dele, ganha em jogo honesto, dada com concordância plena pelo pai, que era o
dono anterior.
Sentou no banco,
levou a mão às costas, que veio de lá com a adaga afiada e cortou a corda fina
que prendia suas botas uma à outra. Aí, deixando a adaga sobre o banco, correu
para o banheiro e foi lavar os olhos em água corrente abundante. Em pouco tempo
a sensação horrorosa nos olhos foi passando e ele já conseguiu olhar para fora.
Na certa os desgraçados tinham descido ali, naquela estação de Vacaiquá. E foi aí
que os viu, os três, já fora da estação, se aproximando de um negro alto e
gordo, parado à frente de uma charrete. Correu para o banco, para pegar a
adaga, com a qual ia degolar aqueles três filhos da puta.
Mas, quando
chegou ali, não viu adaga nenhuma. Olhou ao redor, algum daqueles desgraçados
tinha tido a coragem de roubar a adaga de Tonhão Dureza! Mas não tinha tempo de
fazer nada agora, tinha que pegar aqueles três antes que eles sumissem com a
carroça. Ia ser na mão mesmo, estrangulava todos. Quando saiu dali, uma mulher
grávida pôde enfim se livrar do problema de uma adaga que estava incomodando
sua bunda pesada.
Tonhão Dureza
soltou um urro, correu para a plataforma de descida, esbarrou e jogou do vagão,
ao chão lá fora, o Chefe Xavier. Já na estação, viu um monte de madeiras
velhas. Pegou um toco de sarrafo, que lhe serviu de porrete. Ah, mas agora ia
quebrar em pedaços a cabeça de cada um daqueles piás malditos e também a
daquela maria-mijona.
A menina foi a
primeira a notá-lo e gritou apavorada:
– O Tonhão! O
Tonhão! Ele vai me matar!
Os guris se viraram
para ver e levaram o maior susto com aquela verdadeira assombração toda
manchada de sangue. O homem vinha que nem um louco, ia bater neles também, sem
dúvida. Gritaram para seu Artur:
– Acode, Seu
Artur. É um bandido que assalta diligência! Qué nos matá!
Artur Coelho,
viu o perigo, não se importou em saber o que era aquilo, apenas que o sujeito
avançava com um porrete contra suas crianças. Sua cabeça treinada de
ex-combatente de duas revoluções registrou rápido: era o inimigo!
Com uma
velocidade impressionante para seu porte rotundo, virou-se para a charrete a
apanhou o chicote. E deu dois passos em direção ao homem que avançava rápido.
Tonhão estacou e rosnou entre dentes:
– Sai do
caminho, negro de merda! Não te mete que isso é coisa minha. Aqueles dois bosta
tão robando a minha mulher! Desafasta!
– Desafasta tu,
seu loco! Quem tu pensa que é, pra ameaçá os meus guri?
– Pois eu sô
Tonhão Dureza! Nunca ouviu falá? Parece que não, senão já tava se borrando de
medo. Sai da frente, negro, senão eu quebro primero a tua cabeça e depois
esmigalho os miolo daqueles piá. Se tu qué vivê, não te mete, não diz que eu
não te avisei, seu tição retinto, seu filho duma... Ai!
Um silvo agudo
no ar precedeu a chegada da ponta do relho na cara de Tonhão Dureza. Um enorme
lanho cortou-lhe a bochecha do lado direito e mais sangue começou a sair na
hora. Aí Seu Artur, com uma destreza impressionante, começou a dar chicotada
atrás de chicotada no homem parado, que largou o porrete para tentar se
defender com os dois braços, procurando proteger a cara das batidas. Mas era
inútil: uma saraivada de lategaços cobria-lhe o corpo todo, que sangrava por
todos os cortes, rasgada em tiras a camisa e até a bombacha.
Tonhão Dureza
caiu ao chão, deixou-se ficar numa posição fetal, os braços lanhados protegendo
o rosto, enquanto o negro grande continuava a bater nele com o relho, com toda
sua força. Depois de alguns segundos, vendo que o homem ficava quieto, Seu
Artur olhou ao redor e viu que o chefe de estação, o chefe de trem e outros
funcionários da viação férrea estavam ali ao redor. Viu também que os passageiros
vinham descendo em massa do trem, para poderem ver ainda melhor aquilo que se
passava em frente à estação. O negro falou:
– Vocês pode
fazê o favor de levantá esse coisa ruim do chão? Bota ele de volta no trem e
ele que vá s’imbora pra sempre daqui.
Os funcionários
da ferrovia apressaram-se a erguer o homem. Nunca na vida que podiam esperar
que o negro Artur, a pessoa mais risonha e de mais boa paz que conheciam em
toda aquela linha de trem, pudesse derrotar dessa forma o afamado Tonhão
Dureza. Que sova de laço que o negro tinha dado no desgraçado! Aquilo estava
era desmoralizado agora, pra sempre, que fosse embora com o rabo no meio das
pernas, curar suas feridas.
Mas não foi o
que se viu. Assim que se viu em pé e firme em suas pernas, assim que viu que
ele era um lanho só, sangrando por todo o corpo, ardendo como se tivesse
entrado picumã com vinagre em cada corte daqueles, o assassino Tonhão Dureza
ficou ensandecido:
– Tu acha que tu
me ganhô, negro de merda, só porque tu me pegô a traição com esse relho. Queria
vê se fosse na briga de facão, tu tava era varado agora! Mas fica sabendo tu
duma coisa: Tu é um negro morto! Tu não me escapa, desgraçado. E nem esses piá
de bosta. E essa mijona aí. Eu até posso ir agora, que to mui cortado. Mas vocês
não perde por esperá, eu volto e acabo com todos vocês. Com todos, não escapa
um, entendeu?!
Seu Artur
sacudiu a cabeça para os lados, deu um longo e alto suspiro e disse:
– Bueno, eu não
queria fazê isso, mas tu não me deixa escolha. Então é tu ou eu. Pior, é tu ou
os meus piá e a prendinha ali. Bueno, então tá decidido: vai sê tu!
E, ante o olhar
surpreso dos presentes, mais de 30 pessoas ao redor, o negro grande falou:
– Tu disse que
se fosse no facão a coisa ia sê outra. Pois bem, olhem aqui o facão que eu tô
tirando da charrete. Alguém tem um aí do mesmo tamanho?
O chefe de
estação disse que tinha e Seu Artur pediu que ele fosse buscar lá dentro. O
chefe voltou em dois tempos e o negro falou:
– Bueno, entrega
pra esse maula, tira da bainha, a briga não vai sê de planchaço. É batalha de
vida ou morte. Daqui só sai um vivo.
– Tu tá morto,
negro do diabo! – gritou Tonhão Dureza, pegando o facão e já pulando em direção
a Seu Artur Coelho – Todo mundo sabe que Tonhão não tem rival no facão. Sô o
melhor nisso em todo o Rio Grande.
E desferiu seu
golpe mortal em direção ao pescoço do negro, que continuava imóvel no mesmo
lugar, com o facão pendente na mão direita, ao lado do corpo. O olhar do negro
parecia de puro deboche, havia um sorriso nos lábios daquele maluco.
O ajudante de
maquinista fechou os olhos, murmurando:
– Negro loco,
não se defende, o outro vai acabá com ele! Arranca-lhe a cabeça fora!
O facão de
Tonhão desceu com velocidade impressionante em direção ao pescoço do negro. E o
atacante gritou, triunfante:
– Lo dególo!
CONTINUA
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