segunda-feira, 29 de julho de 2013

Os Dois Guris - 2a. parte

OS DOIS GURIS - 2a. parte
MILTON MACIEL

RESUMO da 1a. parte:

Dois meninos, de 8 e 10 anos, viajam sozinhos num trem e aprontam de tudo, Até que entra no trem um homem mal-encarado e bêbado, trazendo uma mocinha chorosa a pulso. O homem dorme e os guris conversam com a menina, quando ficam sabendo que o homem é perigoso e a ganhou do pai dela num jogo de cartas. Ela a leva à força, para ser mulher dele. Os meninos ficam indignados:

– Mas nós podemo te ajudá – falou, inchando peito o Maiorzinho. Deixa com a gente.

– Mas o que vocês podem fazer? – estranhou a mulher grávida.

2a. PARTE:
– Pois nós vamo denunciá isso pra autoridade, ora!

E saiu, levando a reboque o Menorzinho, à procura do chefe de trem. Quando o encontraram, derramaram aflitos tudo o que sabiam. Mas o Chefe Xavier desconversou:

– Não é que eu não possa fazer nada. Sou a autoridade máxima no meu trem. Nem preciso dos outros funcionários, como vocês disseram, posso muito bem dar uma sumanta de pau nesse tal de Tonhão sozinho, já cansei de fazê isso, sou muito do macho e me garanto. Mas nesse caso, não posso me meter. O homem ganhou a menina num jogo honesto e o próprio pai entregou ela. Então está tudo certo.

– O senhor acha certo uma moça ter que virá mulher dum bandido só porque o pai dela qué? O pai dela que é um borracho sem-vergonha também? – objetou o Maiorzinho.

– Se fosse tua filha, o senhor entregava?! – berrou-lhe na cara o Menorzinho.

Mas não teve jeito, o chefe Xavier fez meia-volta e foi para outro vagão, deixando os meninos indignados.

– Covarde! – exclamou o Maiorzinho

– Tá se cagando de medo do tal Tonhão, esse velho mentiroso. Bueno, a aí? Como é que fica a situação da guria, então?

– Vamo tê que salvá ela nós mesmos – inflou o peito de novo o Maiorzinho. Eu me garanto!

– Pois eu também me garanto! Não tenho medo desse borracho. Vamo pensá no que nós podemo fazê pra tirá a guria dele.

E os dois foram para o carro restaurante, sentaram à mesinha e começaram a traçar um plano. Depois de uns vinte minutos, voltaram a seu vagão. Tinham um plano enfim. E vinham com uma arma secreta na mão do Maiorzinho. Graças a Deus que tinham sentado àquela bendita mesinha! E graças a Deus, também, que tinham levado picumã pelas fuças e pelos olhos!

Voltaram para o vagão deles e foram falar com a menina e com a mulher grávida.

– Escuta, nós temo um plano. Tu foge com a gente do trem, quando chegá a nossa estação – disse o Maiorzinho, confiante.

– Só que tem que sê já, porque a nossa estação é a seguinte, a gente sabe – afirmou o Menorzinho, enérgico.

A mulher grávida objetou:

– Mas e o borracho? Se ele acorda antes, como é que vai sê?

– É, ele não vai me deixar sair do vagão. Agora ele é meu dono.

– Mas ele tem que acordá antes! Nós dois vamo fazê ele acordá. Tu só tem que dizê se aceita fugí com a gente, só isso!

– Aceito! Pior do que eu estou, não tem como ficar. Eu vou!

– Pois então a senhora nos dá a corda da sua canastra?

A mulher grávida abaixou-se, retirou a corda com a qual dera várias voltas ao redor da canastra, protegendo-a para que ninguém abrisse as duas tampas e deu-a ao Menorzinho. O pequeno esgueirou-se imediatamente no espaço à frente das pernas da menina e começou a passar a corda ao redor das botas do bêbado adormecido. No fim pediu à garota:

– Me ajuda a dá um nó bem apertado, eu não tenho força sozinho. Puxa duma ponta que eu puxo da outra, ó... Isso, assim!

– Agora vamo cuidá as curva, tchê! – ordenou o Maiorzinho.

E ficaram olhando para ver quando a locomotiva faria uma curva à esquerda. Só que isso nunca acontecia. E estrada era uma reta sem fim, duas curvas surgiram apenas, mas foram para a direita. O Menorzinho começou a ficar aflito.

– Puxa, tchê, que barbaridade, essa maria-fumaça só vira pro lado errado. Será que falta muito poco tempo pra chegá na estação da Música?

Como resposta o Maiorzinho apenas lhe ditou nova ordem:

– Anda, diz pra guria saí do banco e vai pro lado do homem. Vai dá tudo certo. Eu já to com os trinco aberto, na curva eu levanto a janela sozinho, sô muito macho pra fazê isso sem precisá de ninguém mais.

O Menorzinho assumiu o novo posto, a garota saiu para o corredor. Segundos depois o Maiorzinho avisou:

– Tá virando, tá virando! É agora. Acorda o bruto! Grita! Sacode ele!

O Menorzinho começou a gritar no ouvido do bêbado, que mal se mexeu. Deu-lhe dois tapas na cara, descarregando a raiva que tinha dele, O homem abriu os olhos, olhou para ele inexpressivamente e preparou-se para seguir dormindo. Ô bêbado maldito, duro de acordar.

– Vai, vai, acorda o bicho, faz ele abrí os ólho. Agora, seu flocho! Os ólho, os ólho!

O menorzinho, em desespero de causa, e por não saber mais o que gritar no ouvido do bebum, começou a berrar, cantando uns versos que havia aprendido na escola, com os colegas maiores:

“Quem diz que cagá não custa,
Tá muito mal enganado.
Um sorete curto e grosso
Trás um cú atropelado.”

Seja como for, funcionou. O homem sentou direito no banco, arregalou bem os olhos para tentar entender onde estava e...

E nesse momento, o Maiorzinho levantou completamente a janela do seu banco. Mas tanto ele como o Menorzinho, a menina e a grávida fecharam bem os olhos. O homem bêbado deu um berro, fechando as olhos atingidos em cheio pela lufada quente e mal-cheirosa, sem poder saber quem havia aberto a janela.

– Fecha, fecha isso, infeliz! A picumã, a picumã! Ai, ai , ai, meus ólho!

E cometeu o erro de todos, levando as mãos aos olhos, que se fecharam automaticamente, esfregando-os com força. Isso só aumentava o efeito de erosão das partículas de fuligem e fazia a dor ficar muito mais forte, somada a uma ardência brutal.

O Menorzinho continuou seu papel:

– Fica de olho fechado, moço. Foi um home lá da frente que abriu pra cuspí. Espera que meu irmão foi buscá água pra jogá nos seus ólho. Agüenta só mais um poco.

O bêbado gemia e esfregava os olhos em desespero. O Maiorzinho, com toda calma, deixava passar um tempo coerente com ir buscar água no banheiro ali no fundo do vagão. Então “chegou” no seu banco à frente do do bandido e falou:

– Pronto, moço, eu peguei água neste vidro aqui. Agora abre bem os ólho, bem aberto mesmo, pra eu podê lavá. Segura com os dedo.

O homem fez isso. Abriu os olhos que ardiam infernalmente e puxou as pálpebras inferiores para baixo. Então o menino maior jogou com força uma parte do líquido do vidrinho em cada olho escancarado. O bêbado deu um berro novo, ainda maior que o primeiro.

O Maiorzinho falou:

– Agüenta moço, que é assim mesmo, daqui a poco passa!

O que arde, cura! – gritou o Menorzinho, sem conseguir segurar a gargalhada.

Rindo mais baixo, o Maiorzinho jogou no chão, embaixo do seu próprio banco, o vidrinho onde estava escrito VINAGRE!

Naquele instante, o chefe de trem, que não tinha coragem de entrar no vagão onde Tonhão estava, de medo que os moleques exigissem que ele tomasse alguma providência, gritou da plataforma:

– Estação da Música, Vacaiquá. Os dois moleques de Donha Joaquina descem aqui. Venham logo.

Os meninos pegaram suas malinhas e a mocinha, sua trouxa. Acenaram para a mulher grávida. Correram para a plataforma. Mas aquela na outra ponta do vagão, onde o chefe de trem não estava. Desceram os três. Os dois guris correram por fora do trem e vieram ter com Chefe Xavier, que desceu, para entregá-los ao chefe de estação de Vacaiquá. A menina correu nesse momento, a esconder-se por trás de uma pilha de madeiras velhas.

O chefe de trem deu sua missão por cumprida:

– Aí estão os dois filhos de Donha Joaquina e Seu Acelyno, lá de Livramento. Agora, tu só me entrega eles pra pessoal dá fazenda de Dona Mimosa.

– Macanudo, tchê. O Seu Artur já tá aí faz mais de hora, esperando os piá com a charrete grande.

Chefe Xavier voltou contente para seu trem, daqueles dois encrenqueiros estava livre. Imagine só o perigo, se ele ia se meter com um criminoso como Tonhão Dureza! Só criança mesmo pra imaginar uma loucura dessas. Melhor ser covarde que defunto!

Os meninos viram, felizes, Seu Artur parado em pé, ao lado da charrete, do lado de fora da estação. E, no momento que Chefe Xavier ficou de costas, subindo os degraus do vagão, fizeram sinal para a menina, que correu para juntar-se a eles.

Chegaram triunfantes a Seu Artur, que os esperava de braços e sorriso abertos. O negro grande estranhou a mocinha junto com eles, o chefe de estação, também.

– É nossa prima Maria, lá de Livramento. Na última hora nosso pai resolveu mandar ela com a gente também. Mandou uma carta pra madrinha, mas pode que não tenha chegado ainda ­ – Ô menininho pra mentir bem, aquele Menorzinho!

Seu Artur estendeu a mão enorme e calosa à mocinha bonita e lhe falou:

– Buenas, prenda. Mui bem-vinda a Vacaiquá. Quem vai ficar mui contenta com sua vinda é Dona Mimosa, nunca vem menina passá as férias aqui e ela só tem aqueles quatro marmanjo em casa.

Ajudou a garota a subir na charrete, pois os dois piás já tinham pulado lá em cima com a maior facilidade. Estavam os três felizes e exultantes, o plano tinha dado certo nos mínimos detalhes. Angélica – a menina falou enfim seu nome – estava livre afinal.

Seu Artur se preparava para subir também no banco da charrete, quando veio aquele berro infernal:

– Desgraçados, eu mato os três!

O grito vinha de um homem com a camisa toda ensangüentada, com a testa cortada sangrando, com os olhos vermelhos como dois tomates, que trazia um enorme porrete na mão. Era Tonhão Dureza, no auge de sua fúria!

O que falhou no plano dos meninos foi o tempo de recuperação de Tonhão, muito mais rápido do que eles imaginaram.
CONTINUA 

Nenhum comentário:

Postar um comentário