AURÉLIO NÃO TEM BUCETA (Que só ignorante pensa que é palavrão!)
MILTON MACIEL
Que Aurélio não tenha buceta pode parecer óbvio, pensarão muitos, por tratar-se, evidentemente de um homem. Mas não é a qualquer Aurélio que quero me referir aqui. É ao Buarque de Hollanda, o Pai dos Burros, o DICIONÁRIO Aurélio. Esse Aurélio não tem buceta porque a grafia correta, em idioma português, é bOceta – com O.
Nós é que temos o costume de, ao falarmos, trocar muitas vezes o o pelo u, mormente se o coitado do o é a última letra: ensino vira ensinu, caderno vira cadernu, e assim por diante. Da mesma forma, bochecha vira buchecha, boceta vira buceta e por aí vai. Logar virou oficialmente lugar, inclusive. Com o tempo, o mesmo vai acontecer com a dita cuja.
Então fica comprovada minha primeira afirmação: Aurélio não tem buceta!
Vamos agora à segunda: Buceta não é palavrão; Aliás, também não é nome feio. Senão, vejamos:
Para mim palavrão e anticonstitucionalissimamente, é oftalmotorrinolaringologista ou, pior ainda, a maior de todas as palavras registradas em dicionário de português (Houaiss) até hoje, a maior palavra de nosso idioma, um termo técnico com 46 letras, que descreve o portador de um tipo de silicose:
pneumoultramicroscopicossilicovulcanoconiótico.
Pois o pneumoultramicroscopicossilicovulcanoconiótico é um coitado que desenvolveu uma silicose por inalar repetidamente fumaça com cinzas de vulcão. Vai ver cansou de cheirar pó, não fazia mais efeito.
Ora, convenhamos que pneumoultramicroscopicossilicovulcanoconiótico é mesmo um palavrão! Lembra até um daqueles enormes vocábulos que, em todo o planeta Terra, só podem existir em idioma alemão – vocábulos que, para serem pronunciados até o fim, exigem que o pobre mortal tenha que parar para tomar fôlego pelo menos umas quatro vezes, se não quiser cair duro, roxo, cianótico ou, quiçá, até mesmo para-vulcanoconiótico.
Boceta é palavrinha, é pequena e é delicada, com 6 letrinhas, não tem a nada a ver com o gigantismo de um oftalmotorrinolaringologista, de pantagruélicas 28 letras, um inegável, um ineludível palavrão.
Por outro lado, o machismo dominante de nossa cultura pespegou-nos a peça de que boceta é nome feio. Discordo. Para mim nome feio é Valdicrêisson, Anderssocreitão, Um-Dois-Três-de-Oliveira-Quatro, Hermenengarda Filisbinda, até mesmo o inocente nissei T. Oku Kaganawara, que, aliás, fazendo-nos lembrar como tudo é relativo, é um nome lindo lá no Japão.
Já boceta é linda. Tanto como inocente palavra, não afetada pelos machismos e falsos-moralismos da cultura hipócrita, quanto na sua estética exterior da parte física feminina, mormente quando envolvida por seus naturais pelos, capazes de esconder eventuais excessos. Aí ela é o Delta de Vênus e seu inconfundível formato de escuro triângulo tem inspirado os artistas pelos séculos sem fim.
Ora, é fundamento da Filosofia, na Estética, que “belo é aquilo que se deseja”. Pois se mais de 3 em cada 4 homens e mais de 1 em cada 4 mulheres passam a vida inteira atrás de um (ou vários!) Deltas de Vênus, como conceber que ele não seja lindo, se é assim tão desejado?
Boceta etimologicamente parece provir de bouceta, uma pequena bolsa ou caixa. Ou seja, é uma bolsinha. Em Portugal ainda é comum que se use a expressão Caixa de Pandora e, mais raramente, Boceta de Pandora, para designar o recipiente do qual Pandora deixou escapar todos os males que afligem a humanidade.
O mito grego de Pandora tem paralelo no de Eva e a Serpente, de origem sumeriana. Em ambos o mesmo nojento machismo dos religiosos da Antiguidade (em nada diferente do dos nojentos fanáticos religiosos de hoje) dá um jeito de colocar a culpa na mulher por todos os males humanos.
Quando Zeus (Júpiter, para os usurpadores romanos) empreendeu sua longa guerra contra seu pai Kronos (Saturno, para os romanos usurpadores), todos os Titãs, da mesma estirpe de Kronos, aliaram-se a este. Com exceção de um só: o Titã Prometeu. Ele preferiu trair sua estirpe e manter-se aliado de Zeus, porque tinha o dom da profecia, sabia ver o futuro. E, nesse futuro, ele viu Zeus vencedor.
Quando isso de fato se concretizou, Zeus resolveu recompensar o aliado, dizendo-lhe para pedir o que bem entendesse. Ora, Prometeu o que fez, pegando o novel chefe dos deuses olímpicos pela palavra, foi pedir a Zeus que livrasse de punição a seu irmão Titã, Epimeteu. Zeus havia condenado todos os Titãs, exceto Kronos e Rea, seus pais, e Prometeu, ao banimento para o Tártaro, nas entranhas da Terra (Gaia). Apanhado pela palavra, Zeus ficou furioso, pois queria de toda forma se vingar de Epimeteu.
Contudo, já que era forçado a perdoá-lo, arranjou outra forma de puni-lo. A forma foi ardilosa e... belíssima. Pois foi então criada uma mulher “artificial’ (o mito não é muito claro quanto a este artificialismo, posto que Pandora era uma perfeita mulher, uma obra prima de Hefesto). Essa mulher, de incrível beleza, foi oferecida por Zeus a Epimeteu como esposa, como prova de que não havia mais ressentimentos.
Só que Pandora chegou trazendo consigo uma boceta (é a outra!). Essa boceta de Pandora era um misterioso repositório, dentro do qual havia algo guardado que NUNCA poderia ser revelado. Ou seja, Pandora JAMAIS poderia abrir a boceta (é a outra!). O mito aproveita para aludir à proverbial curiosidade humana, é claro que a travestindo de curiosidade feminina. E o que acontece é que Pandora não resiste e, um dia, bem escondida, ela abre uma pontinha de sua boceta.
E aí acontece a desgraça, tal qual planejada por Zeus: de dentro da bolsa, (ou caixinha, ou vaso, conforme a versão) saem todos os males que vão afligir a humanidade: a intemperança, a ambição, a cobiça, os ciúmes, a velhice e a doença. Pandora fecha a boceta rapidamente e lá ainda fica a Esperança: a última que sai, por isso a última que morre.
Ou seja, deram um jeito de botar todas as culpas numa boceta (em duas, para sermos mais exatos) pelos males dos homens. Da mesma forma culparam a coitada da Eva de ser uma tapada, que é enganada pela Serpente (Lilith), cedendo – também por causa da curiosidade. Aí ela tentou o homem e o desgraçou, resultando daí a expulsão do Paraíso. Ou seja, a boceta é culpado pelos males dos paus!
Ah, sim podemos dizer pau, sem problemas. Afinal, isso é coisa de homem, é coisa de macho. Não é palavrão! Começa que tem só 3 letras. Depois, pau é pau; é pedaço de madeira, antes de mais nada. Nem pode ser arrolado como nome feio, veja só!
Então o establishment machista fixou a coisa assim: pau pode, boceta não pode. Pau não é nome feio, boceta é nome feio. Pau não é palavrão, boceta é palavrão. E o pior é que fizeram as mulheres acreditar nisso! Ou seja, os cretinos machistas, que foram os que impuseram isso, vivem correndo atrás delas, quando não vai por bem vai por mal, e elas têm que acreditar que a coisa é feia, que é palavrão, que é inferior. Pois o Freud não inventou até a tal da inveja do pau, veja se pode! E as histéricas, lembram? Hister = útero. Psicologia machista, um portento do início do século passado. Que depois evoluiu, é justo reconhecer.
Então está na hora de encerrar este texto. O Aurélio não tem, mas ainda vai ter, a língua evolui. Não é palavrão, nem é nome feio. Na verdade, é Delta de Vênus, tem a beleza do desejado, fora a beleza anatômica em si. Então que as mulheres tenham orgulho de suas bocetas e parem de falar aquilo ali, lá em baixo, xana, xoxota, periquita, pixirica e outros substitutivos que são, de um modo geral, palavras menos bonitas e soam mais como desculpas por serem portadoras de uma.
E não precisa falar vulva. É um nome mais sem graça ainda. Boceta tem vulva e vagina, é completa e é digna. E é bonita, como uma criação perfeita de Deus que é. Chega de hipocrisia! Fim de papo!
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