MILTON MACIEL
– Estão nas
últimas negociações, marquesa. Já temos maioria.
– Tem
certeza?
– O
próprio camerlengo(*) é a fonte da informação.
– E ele
está pronto? Já sabe o que tem que fazer?
– Sim,
marquesa. Tudo está certo. Até o último dos detalhes. Ah, e a senhora já está
registrada nos arquivos como católica temente e praticante. Estão lá documentos
de batismo, primeira comunhão e crisma, Todos fabricados no mesmo dia, na Cúria
do Rio de Janeiro, conforme sua determinação, senhora.
– Muito
bem, Alcione, obrigada. Você já pode ir agora.
A
Marquesa de Mont Bello deixou-se ficar por um longo tempo em sua
poltrona, com os olhos perdidos na paisagem de Avignon, que podia
contemplar da janela de seu majestoso escritório. Ele estava encravado na ala
renascentista do seu Palais du Printemps. Aquela tinha sido uma
boa aquisição, sem dúvida, tanto quanto os seus títulos de nobreza. Avignon!
Era simbólico, por isso o quisera. Ali, por um longo tempo, instalara-se o
papado. Inclusive naquele palácio. As reformas custariam mais caro que o
palácio inteiro e demandariam anos e anos de execução.
Mas
dinheiro era bem o tipo de problema com que não precisava se preocupar. Hoje
ele jorrava dos quatro quadrantes do mundo. E assumira dimensões simplesmente
astronômicas, depois que sua igreja se tornara a mais importante da China e
cooptara, à força de muito suborno e propinas, a imensa maioria dos dirigentes
do Partido – hoje uma instituição muito mais proforma, nessa nova
China capitalista e imperialista, a maior potência comercial e militar do
mundo. Ali, por muito tempo, o poder de sua organização estaria garantido.
E pensar
que, há duas gerações apenas, ninguém poderia imaginar, em sã consciência, que
ela, uma mulher, uma mulher jovem e nascida no Brasil, estivesse a poucas horas
de se tornar a maior autoridade da Igreja Católica Apostólica Romana. Papisa, não: Papa! Não aceitava aquela palavra machista! Girou com a poltrona, dando
as costas à larga janela renascentista, hoje guarnecida de modernos caixilhos
de aço inoxidável internamente, e postou-se de frente para o grande retrato a
óleo de seu avô, na parede oposta.
Ele, o
patriarca da família, dera origem a todo o grande império hoje sob seu comando
exclusivo. Criara e fizera crescer de maneira espantosa a Igreja Universal do TRONO
de Deus. Montou um sistema genial de franquias e expandiu os negócios através
de redes de mídia cada vez mais concentradas. Ainda no seu tempo conseguiu
comprar as grandes redes concorrentes de televisão e depois, através de
testas-de-ferro, foi adquirindo, um a um, todos os grandes conglomerados de
comunicação: jornais, revistas, portais, operadoras de telefonia fixa e móvel,
fazendo mudar, para isso, toda a legislação vigente.
Fora por
sua iniciativa que sua Igreja começara a avançar célere na
conquistas de sucessivos postos políticos, primeiro no Legislativo, depois
no Executivo, até eleger o primeiro presidente, já no fim da longa vida do
patriarca. Desde então, mandava solidamente no Governo e sufocava tenazmente qualquer
tentativa de oposição.
Sua mãe,
antes dos quarenta anos, tivera a espinhosa missão de suceder o pai. Fora
preparada com muito cuidado para a missão e pode-se dizer que se saíra
razoavelmente bem. Mas tinha suas limitações e, durante sua gestão, o
progresso, embora existente, não fora tão expressivo quanto poderia ser.
Foi por
isso que o Conselho, naquela noite surpreendente, viera lhe propor que
assumisse o Poder, ela com apenas 23 anos, ainda cursando Harvard. Ela
concordou rapidamente com a proposta, e assinou todos os documentos para a
interdição e internação da mãe na clínica onde veio a falecer, dois
meses depois.
Deu um
sorriso amargo ao recordar isso. Pobre mãe! Não estava de fato à altura de
exercer o cargo, o Poder era algo para o qual ela não tinha propensão alguma.
Uma sentimental. Tivera que concordar com sua sumária eliminação, era o mais
adequado a fazer naquela hora. Ao menos, tinha sido indolor! E a prova de que
tomara a decisão certa estava ali agora, sobre sua mesa: a relação dos cardeais
do Conclave que votariam a seu favor. Os outros seriam afastados por “doença”,
jubilados ou eliminados, conforme necessário.
Ora, a
tomada da Igreja Católica, uma velha meta desde os fins dos tempos do avô, era
agora o coroamento de uma longa e profícua administração sob o pulso de ferro
da neta. Antes, precisara trilhar todos os caminhos de crescimento econômico. A
expansão pela América de Norte e África havia sido difícil nos primeiros
tempos. Mas usando a mesma velha arma de sempre – one dollar, one vote –
conseguira seguir os mesmos caminhos de corrupção e enrollment de
políticos de Legislativo e Executivo, a mesma tática aprendida e aperfeiçoada
no Brasil. Hoje, ela tinha maioria fácil até na Suprema Corte americana.
Depois,
com a vertiginosa decadência dos Estados Unidos e do próprio Vaticano – este
abaladíssimo com a falência fraudulenta do seu Banco Vaticano e com ao avanço
impiedoso da Universal do Trono de Deus sobre todos os mercados há séculos
dominados pela Igreja Católica – seus olhos se voltaram para a China e o Japão,
agora mero satélite econômico do gigante chinês. A anti-potência de
agora, o Brasil, estava sob total e tranquilo domínio da Universal.
Então era a hora de conquistar a potência oriental. O que foi feito em tempo
recorde, para surpresa até dos mais otimistas dos seus conselheiros.
Finalmente,
talvez mais por capricho ou para honrar a memória do avô, ela resolveu fazer o
grande cerco ao que sobrava da agonizante Igreja Católica, já enormemente
esvaziada pela inacreditável insistência no celibato dos padres, carente total
de novas vocações. A Universal partira para conquistar os padres mais novos e
os seminaristas. Assimilá-los no nascedouro foi a grande política, nascida de
sua própria cabecinha iluminada. Com a decadência econômica, a Igreja começou a
se desfazer de propriedades em todo o mundo. E a Universal foi comprando tudo
que conseguiu negociar vantajosamente. Inclusive igrejas e catedrais foram
transacionadas. De início os compradores se apresentavam como mecenas, mas eram
todos alimentados pelos Yuans da Universal.
Depois da
bem sucedida aliança econômica com a já combalida Igreja dos Santos do
Últimos Dias, nos EUA e com a estável Igreja Ortodoxa, a Universal decidiu
que era realmente a hora de arremeter com toda a força do seu poderio econômico
contra a Igreja Católica. O take over final!
Ela
chamara, divertida, a essa operação de “O cerco de Roma”. No percurso muitas
cabeças rolaram, era inevitável. Os mais empedernidos inimigos tiveram que ser
vencidos pelo terror, já que não aceitavam se submeter pelo dinheiro.
Paciência, os fins justificavam os meios, era uma guerra de conquista. E guerra
é guerra!
Mas agora
tudo estava consumado. Valera a pena. Tinha só 33 anos e ia se tornar a
primeira Papa da história. Papa, não Papisa, detestava essa palavra!
Agora o Conclave iria se reunir em poucas horas. E fariam a eleição mais rápida
e mais surpreendente de toda a história também. Ao invés de um velho cardeal
sexagenário, a fumaça branca iria subir, ainda hoje, anunciado o habemus papam para
sua primeira papa mulher. Uma jovem e bela mulher de 33 anos apenas. Uma
brasileira!
Agora era
estar preparada para arrasar impiedosamente os focos de resistência dos
tradicionalistas. Aposentadoria compulsória, espancamentos exemplares, a
eliminação sumária, em último caso. E tratar de exercer o Poder da melhor forma
possível. Afinal, ele agora estava totalmente em suas mãos e era problema seu
restaurar o imenso poder de arrecadação financeira que a Igreja tivera no
passado.
Então
todo seu corpo foi sacudido por uma gargalhada de satisfação: acabava de
imaginar o choque que provocaria, nos velhos cardeais do Conclave, o nome papal
que escolhera para si mesma: MARIA MADALENA I – sem G, afinal a Papa é
brasileira!
(*)
camerlengo – é o cardeal que confirma a
morte de um papa. Destrói seu Anel do Pesacador e conduz depois os procedimentos
que preparam o Conclave, reunião especial do Colégio dos Cardeais, que tem poder
para eleger o novo papa.
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