PARA MIM, A PROFECIA FUNCIONOU
Pois é, para mim
funcionou a profecia. Morri no dia 21 de Dezembro de 2012. O meu mundo, pelo
menos, acabou. Uma bala perdida me encontrou. Ou, talvez, eu deva dizer que ela se encontrou graças a mim, ela é que estava perdida, não eu.
Antes eu não
acreditava em bala perdida aqui no centro do Rio de Janeiro. No máximo era
coisa de favela. Eu até ria quando ouvia o comentário que bala perdida era
bobagem, que, como diziam, era coisa que entrava por um ouvido e saía pelo
outro. Pois para mim foi exatamente desse jeito!
O que eu posso
dizer é que num momento eu estava lépido e faceiro, indo pro botequim do
Maneco, no Humaitá. No instante seguinte, vi uns doidos numa moto, dando cavalo-de-pau
bem perto de mim, e aí começou uma fuzilaria danada. Aí tenho certeza que
escutei algo e senti esse algo cutucar meu ouvido direito. Foi só isso.
Logo a seguir vi
que eu estava de pé e que eu estava deitado. O cara deitado era eu, só que
estava duro e morto, tive certeza na hora. E o cara de pé também era eu, só que
esse eu tava legal, não sentia nada. Lembrei do troço no ouvido, passei a mão
nos dois e nada. Tudo perfeito. Olhei em frente e vi que uma viatura da polícia
vinha à toda. Os caras estavam atirando. Os da moto tinham feito meia-volta e
passavam por mim nesse exato momento. Também estavam atirando.
Saquei na hora
que eu tinha sido vítima de uma bala perdida. Mas... Quem é que tinha me
matado?
Engraçado que
aqui no, digamos, lado de fora, a gente ouve de um modo diferente. Saquei isso
quando os caras da moto passaram por mim e eu pude ouvir a conversa deles até
depois de eles sumirem de vista.
– Esse presunto
aí no chão é seu, cumpadi? Aposto que é, porque tu atira mal pa caralho!
– Não enche,
porra! E acelera mais que os meganha tá na cola. Entra no bequinho!
Aí a viatura, com
quatro PMS, dois atirando nos da moto, passou à toda por mim. Mas eu ouvi o
dialogo dos caras como se eu estivesse comodamente sentado dentro do veículo.
– Esse presunto
aí no chão só pode ser teu, mermão. Tu é um bosta com esse revórve. Se atirá
num bandido na Urca, mata alguém no
bondinho lá em cima.
– Vai se catá, Craudionor!
Vai enchê o saco da tua mãe.
– Minha véia não
tem saco, não é como a tua, que deve sê travecão.
Aí o tenente se
queimou:
– Parem com isso
e atirem direito, seus palhaços. Calem a boca! Olhem, os caras conseguiram
entrar na viela. Tchau e bênção! Agora é que gente não pega mais eles, é
estreito demais pra viatura. Vamos voltar. Vamos vistoriar o presunto.
Aí voltaram e
pararam ao lado do meu eu que estava no chão. A rua continuava deserta, ninguém
tinha vindo ver o que era o barulhão dos tiros e dos veículos cantando pneu.
Um dos soldados
deu um chute no eu caído, desvirando-o. Fiquei uma fera e reclamei:
– Pô, mais jeito,
seu animal. Isso machuca!
Mas machuca o
que? Pois se eu não senti nada. O cara no chão já era, era um presunto mesmo.
Estava de olhos abertos, com uma cara apalermada de quem teve uma surpresa.
Puxa, eu não pensei que estivesse tão maltratado, ficando enrugado tão cedo. No
espelho, eu via sempre algo melhor.
Então os PMS
examinaram os meus bolsos, acharam minha carteira e minha identidade. Meu
cartão do SUS também.
– Desafasta, nem
perde tempo. Um durango, dez pau na carteira, uma moeda de um real! É tudo que
esse miserável tem.
– É, o desgraçado
morre e só serve pra dá prejuízo. Melhor deixar essa notinha aí mesmo, não paga
a pena aliviar. E o infeliz ainda pode prejudicar nossa vida. Vai que a
autopsia dá que a bala é de um de nós!
– Do dedo torto
do Praxedes, o senhor quer dizer, tenente.
– Ah, vai a
merda, Craudionor!
O tenente então
usou toda a sua calma e todo o seu treinamento, para orientar seus comandados:
– Ô, Praxedes,
pega um revólver velho na viatura, um dos que a gente já preparou com quatro
disparos, bota na mão desse cara. E vai dar uma boa olhada por aí, vê se tem
alguém espiando de alguma janela, que possa cagüetar a gente depois. E vocês se
afastem mais, pra não dar vestígio de pólvora, e, assim que o Praxedes fizer sinal
que a barra tá limpa, encham esse sujeitinho de chumbo. Ele resistiu à prisão,
deu cinco tiros na gente. Claro que antes você, Guedes, vai fazer um disparo com o revólver na mão dele, pra ficar resíduo de pólvora. Mira na viatura.
– Boa tenente! Assim
eles nem perdem tempo na tal de autópsia, vão ter que contar uma porrada de
bala!
– Claro, vocês
sabem que vão nos acusar de qualquer jeito. Até que a bala pode ser dos bandidos, mas não
vale a pena correr o risco. Tudo certo, Praxedes? Cospe fogo então, turma!
E aí me mataram
de novo! Fiquei indignado. Pô, eu que tinha dado um duro danado pra ser honesto
a vida inteira, vivi sempre na maior pindaíba, não aceitei nem mesmo ser gigolô
de velha rica, agora ia aparecer nos jornais como bandido!
Ainda bem que
minha velha empacotou antes de mim, ia morrer de qualquer jeito amanhã, de
vergonha. Sacanagem! Se esse troço funciona mesmo, não reencarno mais neste
país!!!
Nenhum comentário:
Postar um comentário