O LENHADOR SENSÍVEL
MILTON
MACIEL
– Ola, Pitot, que cara estranha é essa?
– É
meu irmão Charles, sabe? Acabo de vir do burgo dele, ele está muito mal.
– Verdade, Pitot? Pois eu o vi ainda esta
semana aqui na vila e ele me parecia tão normal. Está doente, é?
– Doente da alma, Jean-Marie! Da alma. É
tristeza, uma tristeza sem fim, pobre Charles.
– Mas o que aconteceu com ele?
– Bem deixe eu lhe contar tudo direitinho. Sabe,
o Charles sempre foi um menino muito sensível. Era diferente de nós, que sempre
fomos uns brutos, só queríamos saber de brincar de guerra, vivíamos às turras
com outros garotos, a aprontar coisas horríveis no burgo. Mas Charles era um
menino diferente, preferia brincar com os animaizinhos, colher flores no campo,
e, depois que lhe ensinaram a ler, era só que ele fazia, sempre que lhe sobrava
um tempo das atividades da família. Pois ele era o único que ajudava o pai na
tarefa de lenhador.
– E isso é o que ele faz hoje, não é? É
como lenhador que ele sustenta a família, que eu saiba.
– Sim, e isso não é lá muito adequado para
ele, pois é uma criatura delicada demais, sensível demais para executar tarefas
tão brutas.
– E isso é o que o deixa assim infeliz,
então?
– Pois aí é que está, Jean-Marie. Não é por
isso, não. É uma coisa que tem a ver com os serviços extras, para o quais ele é
convocado de vez em quando. Foi por causa de sua habilidade como o machado que
o Duque de Montpellier o designou para a função. O que, aliás, passou a lhe dar
uma excelente renda extra, você precisa ver como está bem maior a casa dele
agora.
– Bom, mas então o que é que o deixa tão
descontente, se ganha mais dinheiro e é distinguido pelo Duque em pessoa.
– Pois ele me confidenciou ontem, bêbado
que nem nosso abade, quando eu estive em visita a seu burgo. Como sofre o pobre
Charles! Disse que é por causa da incompreensão das pessoas. Charles é um homem
bom, uma alma de Deus, delicado e gentil ao extremo, como só ele pode ser. Aí
me falou que o que mais o infelicita é o comportamento das crianças. Agora elas
se escondem dele, como se lhe tivessem medo. Ele me sussurou, lágrimas nos
olhos, que não pode entender por que razão isso acontece.Você sabe, Charles
sempre adorou bichos e crianças. Dava gosto ver como ele, ao chegar do
trabalho, depois de dar atenção a seu instrumento, seu grande machado, limpá-lo
e afiá-lo todo dia, ia brincar com as crianças do burgo, como se fosse um
menino grande. No fundo é isso que Charles é, uma criança com barbas, só um
menino de alma pura e terna.
– Bem, Pitot, então que diabos é isso que
ele faz, trabalhando com seu machado, como um bom e honesto lenhador que ele é?
Afinal como é que ele serve ao Duque, então?
– Como carrasco, Jean-Marie! Ele é o
verdugo local. Corta pescoços fazendo cumprir a justiça do Duque e do Arcebispo.
E é perfeito no serviço: jamais perdeu um golpe. Ele é mesmo exímio com um machado.
– Grand Dieu!
E Jean-Marie deixou cair da mão seu copo de
vinho, que espatifou-se no chão, deixando Pitot sem entender nada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário