quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

LUA  OCULTA – 71   
MILTON MACIEL 

71 – A BOA NOVA 
Fim do cap. 70:  "Celso Teles, então, fez um sinal para que todos prestassem mais atenção e falou:"

– Muito bem, que vai dar certo eu afirmo e Gládis garante. Isso é suficiente. Agora vamos ao que interessa: Vocês vão começar a passar pelo Lucas, para ele dar a vocês as primeiras lições e as primeiras leituras sobre administração pública e política geral. Já o Leon, que vai sair na frente, vai ter que enfrentar as feras dentro do partido, caras que que são sujos e jogam sujo. Então os instrutores vão ser o Dr. Luzardo e o Marcelo, sobrinho dele e nosso prefeito. Você vai aprender todos os meandros, todas as curvas, todas as chicanas, todas as armadilhas. Você, sim, Leon, vai ter que aprender a conviver com políticos.

– Por que, exatamente?

– Porque você tem que ganhar uma convenção partidária. Essa vai ser a grande eleição para você. A que vem depois, aquela em que o povo vota, essa você já ganhou.

– Por que você afirma isso, amor?

– Lissinha, em primeiro lugar porque o partido do governo, graças ao trabalho do Doutor Luzardo e do Marcelo, tem a preferência fácil do eleitorado. E só corre risco de perder se o candidato deles for um daqueles dois ordinários, que o povo sabe que não valem nada. Por isso o desespero do Doutor Luzardo.

– E em segundo lugar?

– Em segundo lugar, meu bem, porque a marqueteira da campanha dele está aqui bem na minha frente, uma espanholita que é uma fera imbatível no marketing.

– PQP, chefe! É covardia! Já ganhou, pode encomendar o diploma de posse. Com Carmen De Rios no marketing, Leon Schlikmann pode ser eleito até papa no Vaticano. E sem precisar sair de Amarante.

Carmen deu um rápido beijo na face risonha de Paula:

– Paulinha, sua exagerada!...

– E tem mais ainda, amor?

– Tem, sim, querida. Em terceiro lugar, porque Leon ganhou as boas graças do povão, é gente boa, tem a pureza que vocês mencionaram e ainda por cima é o ai-jesus da mulherada.

– Verdade, chefe. Em candidato bonito, milhares e milhares de mulheres votam com a buceta.

– Paulinha! Isso são modos de falar, menina?

– Ora, são modos de falar a verdade, Carmen! Veja o caso daquele Color de Mello, daquele Aécio Neves, uns Zé-bonitinhos que ganhavam votos da mulherada só por causa do tipão. Isso não é verdade, gente?

Lucas concordou:

– Verdade certinha e transparente, Paula. Não se pode negar. Ponto para Leon Schlikmann, portanto.

Paula fechou magistralmente, dentro do seu melhor estilo:

– Ponto para nosso Zé-bonitinho de Amarante, recebendo os votos das periquitas em fogo desta cidade.

– Mas a coisa não para só nisso, pessoal – foi a vez de Gládis reforçar – Tem muito mais ainda. Porque, além do apoio do cara que o povo de Amarante adoraria ver na prefeitura, o atual ídolo deles, nosso jefito Celso Teles, vai ter ainda a participação de uma outra pessoa que o povo desta cidade simplesmente adora de paixão desde criancinha: sua eterna Miss Amarante.

– Eu, Gládis? Que participação? - quis saber a eterna Miss.

– Sim, meu amor – quem respondeu foi Celso – Nós temos a ideia de que você seja uma importante peça no governo de Leon Schlikmann e vamos anunciar isso durante a campanha. Queremos que você seja uma secretária municipal, mais exatamente de Agricultura e Abastecimento.

– Deus do céu! Minha nossa! Que incrível! Eu secretária disso tudo?...

– E essa indicação nem foi do Celso ou minha, Fofa, foi da Maria Amália! Ela deixou a caminha pronta para você deitar nos louros, sua danadinha.

– Maria Amália? Mas ela acha que eu sou capaz disso tudo, então?

Celso sorriu-lhe a resposta:

– Com certeza, senhora dona agrônoma que já cultiva os campos do meu coração. Agrônoma e secretária municipal de Agricultura e Abastecimento.

Larissa sentiu as pernas tremerem, detectou o perigo, podia apagar de novo:

– Ai gente, é demais pra mim... Me abraça forte, amor... Forte, forte. Assim. Ai... Agora tá  melhor... Ai, é demais, é muita coisa boa junta. Eu podendo trabalhar  por todas as pessoas desta cidade... Que perspectiva maravilhosa, dá uma vontade de viver, de se matar no estudo e no trabalho, de começar agora mesmo!

Leon exultou:

– Legal, Lissinha, a gente vai poder trabalhar juntos. E você já vai aprendendo tudo na prática, quando chegar a sua vez, você está pronta. Grande ideia, Celso... Quer dizer, grande ideia, Maria Amália Lasson!

 Celso retomou o comando:

– Muito bem, turma. Estamos entendidos então? Passou o susto, Lissinha? Leon?

O sim foi geral. O entusiasmo era evidente, o mais exultante de todos era Fúlvio Rondelli, que mal cabia em si de tanto contentamento.

Ah, sua anjinha loira, sua menininha sofrida e frágil, agora a caminho de ser uma mulher casada, uma mãe, uma agrônoma, uma secretária de Agricultura, uma futura prefeita! Uma fortaleza, uma líder, um modelo de ser humano. Ah, como ele estivera certo em sempre acreditar nela, em ter sempre certeza que ela haveria de desabrochar do meio de seus medos para se tornar uma pessoa notável e fantástica, no dia em que começasse a ser ela mesma.

Subitamente o italiano, alto e espigado, ele mesmo parecendo uma fortaleza, fraquejou. Levou as duas mãos aos olhos, cobrindo-os, e não segurou o choro. Larissa imediatamente abraçou-se com ele e beijou com carinho e gratidão. Ah, como era bom ser amada e cuidada assim, a vida inteira, por um homem maravilhoso como padrinho Fúlvio!

A comoção foi geral, aquele era mesmo um momento mágico, nada nem de longe parecido havia acontecido até então no recinto da Teles Automóveis. Para Gládis, com sua imensa antena estendida para o infinito, era como se uma força superior descesse sobre eles e os envolvesse a todos, uma força que tinha a ver com a preservação coletiva de Amarante. Também ela estava radiante de felicidade. Sua Fofinha ia ser aquilo tudo que ela pressentira e que Maria Amália confirmara a partir de seus estudos.

Um enorme alivio tomou conta de Celso. Não, ele não podia ser prefeito de Amarante. Mas conseguira arranjar um substituto à altura para o cargo. O futuro de Amarante estava garantido. Leon Schlikmann e Larissa Silva, juntos e em sequência, garantiriam esse futuro. Amarante seria salva e progrediria ainda mais, graças às suas duas crianças de ouro, seus anjos loiros preservados e cobertos do ouro de suas heranças, para que pudessem ser preparados para se tornarem gestores probos e competentes dos recursos do seu coletivo.

A Boa Nova!

Celso pensou que estava na hora de dar a boa nova a quem mais ansiava por ela. Tirou o celular do bolso e ligou para o doutor Luzardo Assunção, deixando todos os presentes antenados na conversa que anteviam pelo lado de Celso Teles:

– Alô, doutor? Celso Teles. Estou com a sua resposta.

– Pelo amor de Deus, me diga que mudou de ideia, homem! Me diga que aceitou ser o nosso candidato!

– Pois eu lhe garanto que tenho uma grande surpresa para o senhor. Só que vai ter que vir aqui para a Teles. E agora mesmo. Se não estiver cortando ou costurando nenhuma barriga, por favor, pare qualquer coisa que estiver fazendo e venha para cá imediatamente.

– Urra! Eu iria nem que tivesse que levar mesa de cirurgia e paciente juntos. Já estou correndo para aí. Ahnn... Posso passar na prefeitura e pegar meu sobrinho? Arranco ele na hora do que estiver fazendo, pode ter certeza que ele está inda mais ansioso por sua resposta do que eu.

Quinze minutos depois, quando cafezinho e suco corriam soltos na sala de reuniões, os dois políticos entraram afoitos e aflitos pela novidade. Na meia hora que se seguiu, Celso e Gládis, secundados por Carmen, Rondelli e as outras pessoas presentes, explicaram o grande plano em todos os seus pormenores. Por fim o médico falou:

– Você tem razão, Celso. Não foi o que eu queria, o que a gente queria. Foi ainda melhor! A gente queria um candidato limpo e imbatível para esta eleição. Mas vocês nos entregaram mais 16 anos do futuro de Amarante de bandeja.

O prefeito falou, então, muito animado:

– E nos surpreenderam com essas duas criaturas fora do comum, que a gente não tinha condições de ver como o grande potencial que são. Mas é certo, eles são o futuro, eles garantem o hoje e o amanhã.

–  E o mais batuta – afirmou o Doutor Luzardo – é que nós vamos ter você, Celso Teles, o tempo inteiro com a gente, como o regente dessa orquestra incrível que vocês montaram. Que coisa extraordinária! Olhem, vocês nos transportaram do inferno direto para o céu. Quero ver aqueles dois pilantras se imporem agora na convenção contra Celso Teles, contra Leon Schlikmann e contra Miss Amarante em pessoa! Candidatos ricos, que não precisam roubar e que nunca roubariam por que são honestos e ficha-limpa. E contra toda essa baita estrutura que vocês têm aqui, com marketing e tudo. E, claro, sem esquecer a nossa bruxinha de plantão, para nos corrigir quando a gente perder o rumo.

Gládis meneou graciosamente a cabeça de longos cachos negros em agradecimento. O prefeito, que nunca tinha visto a espanholita-filha tão de perto, estava sem respiração. Que morena absurdamente bonita! E vistosa, alta, imponente, soberana. E, ele lembrava muito bem, instrutora de autodefesa, a lutadora que tinha surrado Valdemar Silva e treinara Miss Amarante, a criaturinha mais frágil e delicada deste mundo, para surrar Adolfo Schlikmann. E, como se tudo isso ainda fosse pouco,  que bailarina! Babara por ela, assistindo sua apresentação no De Rios Flamenco, na cerimônia de casamento de Leon com sua bela Jennifer.  Essa Gládis era mesmo uma mulher completa! Se aquela gata concorresse em qualquer eleição, por qualquer partido, estaria eleita na hora para qualquer cargo!

Quem sabe um dia poderiam convencê-la a filiar-se ao partido e concorrer a alguma vaga do executivo ou do legislativo por ele. Ah, os tempos agora eram outros, cada vez mais as mulheres viriam ocupar um espaço que pertencia a elas por direito e competência, mas que lhes foi sempre sonegado pelo velho machismo das oligarquias da velha política. 

Marcelo tinha duas filhas, de 9 e 11 anos. E ali, em frente a seus olhos embevecidos, estava a criatura que ele queria fosse o único e grande modelo de vida para suas meninas. Seu tio lhe havia falado sobre algo que iria ser implantado na Academia de Celso Teles, um curso de autodefesa para mulheres e meninas. Dirigiu-se a Gládis e perguntou–lhe diretamente sobre isso. Ela respondeu:

– Vamos ter, sim, senhor prefeito. Começamos no mês que vem a formar a primeira turma. É só para mulheres, é claro. Isso lhe interessa?

– Interessa demais, como pai de duas meninas de 11 e 9 anos. Ainda teria vagas para elas?

– Certamente que sim. Ainda não começamos a divulgar nada, elas ficam com nossas primeiras duas vagas, portanto. Mas... a mãe delas concordaria? Isso é fundamental para nós e para as próprias meninas.

– Sem dúvida, nós já conversamos sobre isso. Aliás, ela me disse que, se não for inconveniente, também ela gostaria de aprender, de participar do curso como aluna. Isso é possível?

– Com toda certeza, prefeito. Tome, pegue aqui o meu cartão, peça para sua esposa ligar para mim aqui na Teles e a gente acerta os ponteiros.

Marcelo Assunção agradeceu muito a Gládis e se afastou prudentemente dela. Sim, quem tinha que ficar em contato com essa espanhola, esse poço sem fundo de sensualidade e atração, era sua mulher. Ele trataria de se manter o mais distante possível. 

Aquela mulher era a garantia do fim de qualquer casamento! Nem precisaria fazer nada, aceitar sequer um marido alheio. Esse é que ia começar a ficar embeiçado, fascinado e teria cada vez mais dificuldade de manter o interesse em sua esposa. Imagine só para ele, com 14 anos de casado! Gládis De Rios era um perigo ambulante.

Para buscar um antídoto, colocou os óculos escuros e passou a olhar disfarçadamente por trás deles, algumas vezes, para Larissa Silva, a belíssima Miss Amarante. Sim, aquela loirinha era ainda mais bonita que a morena, por mais incrível que isso pudesse parecer. Mas não tinha o mesmo potencial de perigo, não era uma destruidora potencial de casamentos, uma devoradora potencial de maridos enlouquecidos. Era só... bonita demais. Só isso...

No fim da grande reunião, bem à brasileira, foram todos para Churrascaria Estrela dos Pampas, onde comeram e beberam do melhor e, seguindo as ordens de Carmen De Rios, a marqueteira da futura campanha, ninguém podia falar absolutamente nada sobre candidaturas, ao menos em voz alta. 

O Doutor Luzardo e o prefeito Marcelo concordaram imediatamente com isso. Sigilo agora era tudo, até que todas as providencias tivessem sido tomadas e eles pudessem partir como um rolo compressor para cima dos dois pilantras, que já se sentiam com domínio total sobre a futura convenção partidária.
Não havia razão alguma para açodamentos, tinham quase 18 meses de preparação pela frente. Nesse tempo, Celso e sua equipe dariam formação completa ao par de loirinhos, os herdeiros riquinhos de Amarante. Eles progrediriam e subiriam. Nesse ínterim, os dois adversários, por serem os malandros que eram, só podiam cair e se complicar mais e mais, o que se pode normalmente esperar de quem sempre apronta mais uma.

CONTINUA

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