MILTON MACIEL
71 – A BOA NOVA
Fim do cap. 70: "Celso Teles, então, fez um sinal para que todos prestassem mais atenção e falou:"
– Muito
bem, que vai dar certo eu afirmo e Gládis garante. Isso é suficiente. Agora
vamos ao que interessa: Vocês vão começar a passar pelo Lucas, para ele dar a
vocês as primeiras lições e as primeiras leituras sobre administração pública e
política geral. Já o Leon, que vai sair na frente, vai ter que enfrentar as
feras dentro do partido, caras que que são sujos e jogam sujo. Então os
instrutores vão ser o Dr. Luzardo e o Marcelo, sobrinho dele e nosso prefeito.
Você vai aprender todos os meandros, todas as curvas, todas as chicanas, todas
as armadilhas. Você, sim, Leon, vai ter que aprender a conviver com políticos.
– Por
que, exatamente?
– Porque
você tem que ganhar uma convenção partidária. Essa vai ser a grande eleição
para você. A que vem depois, aquela em que o povo vota, essa você já ganhou.
– Por que você afirma isso, amor?
– Lissinha,
em primeiro lugar porque o partido do governo, graças ao trabalho do Doutor
Luzardo e do Marcelo, tem a preferência fácil do eleitorado. E só corre risco
de perder se o candidato deles for um daqueles dois ordinários, que o povo sabe
que não valem nada. Por isso o desespero do Doutor Luzardo.
– E em
segundo lugar?
– Em
segundo lugar, meu bem, porque a marqueteira da campanha dele está aqui bem na
minha frente, uma espanholita que é uma fera imbatível no marketing.
– PQP, chefe! É covardia! Já ganhou, pode encomendar o diploma de posse. Com Carmen De
Rios no marketing, Leon Schlikmann pode ser eleito até papa no Vaticano. E sem
precisar sair de Amarante.
Carmen
deu um rápido beijo na face risonha de Paula:
–
Paulinha, sua exagerada!...
– E tem
mais ainda, amor?
– Tem,
sim, querida. Em terceiro lugar, porque Leon ganhou as boas graças do povão, é
gente boa, tem a pureza que vocês mencionaram e ainda por cima é o ai-jesus da
mulherada.
–
Verdade, chefe. Em candidato bonito, milhares e milhares de mulheres votam com a buceta.
–
Paulinha! Isso são modos de falar, menina?
– Ora,
são modos de falar a verdade, Carmen! Veja o caso daquele Color de Mello,
daquele Aécio Neves, uns Zé-bonitinhos que ganhavam votos da mulherada só por
causa do tipão. Isso não é verdade, gente?
Lucas
concordou:
–
Verdade certinha e transparente, Paula. Não se pode negar. Ponto para Leon
Schlikmann, portanto.
Paula
fechou magistralmente, dentro do seu melhor estilo:
– Ponto
para nosso Zé-bonitinho de Amarante, recebendo os votos das periquitas em fogo
desta cidade.
– Mas a
coisa não para só nisso, pessoal – foi a vez de Gládis reforçar – Tem muito
mais ainda. Porque, além do apoio do cara que o povo de Amarante adoraria ver
na prefeitura, o atual ídolo deles, nosso jefito
Celso Teles, vai ter ainda a participação de uma outra pessoa que o povo desta
cidade simplesmente adora de paixão desde criancinha: sua eterna Miss Amarante.
– Eu, Gládis?
Que participação? - quis saber a eterna Miss.
– Sim,
meu amor – quem respondeu foi Celso – Nós temos a ideia de que você seja uma importante
peça no governo de Leon Schlikmann e vamos anunciar isso durante a campanha.
Queremos que você seja uma secretária municipal, mais exatamente de Agricultura
e Abastecimento.
– Deus
do céu! Minha nossa! Que incrível! Eu secretária disso tudo?...
– E essa
indicação nem foi do Celso ou minha, Fofa, foi da Maria Amália! Ela deixou a caminha
pronta para você deitar nos louros, sua danadinha.
– Maria
Amália? Mas ela acha que eu sou capaz disso tudo, então?
Celso
sorriu-lhe a resposta:
– Com
certeza, senhora dona agrônoma que já cultiva os campos do meu coração.
Agrônoma e secretária municipal de Agricultura e Abastecimento.
Larissa
sentiu as pernas tremerem, detectou o perigo, podia apagar de novo:
– Ai
gente, é demais pra mim... Me abraça forte, amor... Forte, forte. Assim. Ai... Agora tá melhor... Ai, é demais, é muita coisa boa junta. Eu podendo
trabalhar por todas as pessoas desta cidade... Que perspectiva
maravilhosa, dá uma vontade de viver, de se matar no estudo e no trabalho, de
começar agora mesmo!
Leon
exultou:
– Legal,
Lissinha, a gente vai poder trabalhar juntos. E você já vai aprendendo tudo na
prática, quando chegar a sua vez, você está pronta. Grande ideia, Celso... Quer
dizer, grande ideia, Maria Amália Lasson!
Celso retomou o comando:
– Muito
bem, turma. Estamos entendidos então? Passou o susto, Lissinha? Leon?
O sim
foi geral. O entusiasmo era evidente, o mais exultante de todos era Fúlvio
Rondelli, que mal cabia em si de tanto contentamento.
Ah, sua
anjinha loira, sua menininha sofrida e frágil, agora a caminho de ser uma
mulher casada, uma mãe, uma agrônoma, uma secretária de Agricultura, uma futura
prefeita! Uma fortaleza, uma líder, um modelo de ser humano. Ah, como ele
estivera certo em sempre acreditar nela, em ter sempre certeza que ela haveria
de desabrochar do meio de seus medos para se tornar uma pessoa notável e
fantástica, no dia em que começasse a ser ela mesma.
Subitamente
o italiano, alto e espigado, ele mesmo parecendo uma fortaleza, fraquejou.
Levou as duas mãos aos olhos, cobrindo-os, e não segurou o choro. Larissa
imediatamente abraçou-se com ele e beijou com carinho e gratidão. Ah, como era
bom ser amada e cuidada assim, a vida inteira, por um homem maravilhoso como padrinho
Fúlvio!
A comoção
foi geral, aquele era mesmo um momento mágico, nada nem de longe parecido havia
acontecido até então no recinto da Teles Automóveis. Para Gládis, com sua
imensa antena estendida para o infinito, era como se uma força superior
descesse sobre eles e os envolvesse a todos, uma força que tinha a
ver com a preservação coletiva de Amarante. Também ela estava radiante de
felicidade. Sua Fofinha ia ser aquilo
tudo que ela pressentira e que Maria Amália confirmara a partir de seus
estudos.
Um
enorme alivio tomou conta de Celso. Não, ele não podia ser prefeito de
Amarante. Mas conseguira arranjar um substituto à altura para o cargo. O futuro
de Amarante estava garantido. Leon Schlikmann e Larissa Silva, juntos e em
sequência, garantiriam esse futuro. Amarante seria salva e progrediria ainda
mais, graças às suas duas crianças de ouro, seus anjos loiros preservados e
cobertos do ouro de suas heranças, para que pudessem ser preparados para se tornarem gestores probos e competentes dos recursos do seu coletivo.
A Boa Nova!
Celso pensou que estava
na hora de dar a boa nova a quem mais ansiava por ela. Tirou o celular do
bolso e ligou para o doutor Luzardo Assunção, deixando todos os presentes antenados
na conversa que anteviam pelo lado de Celso Teles:
– Alô,
doutor? Celso Teles. Estou com a sua resposta.
– Pelo
amor de Deus, me diga que mudou de ideia, homem! Me diga que aceitou ser o
nosso candidato!
– Pois
eu lhe garanto que tenho uma grande surpresa para o senhor. Só que vai ter que
vir aqui para a Teles. E agora mesmo. Se não estiver cortando ou costurando
nenhuma barriga, por favor, pare qualquer coisa que estiver fazendo e venha
para cá imediatamente.
– Urra!
Eu iria nem que tivesse que levar mesa de cirurgia e paciente juntos. Já estou
correndo para aí. Ahnn... Posso passar na prefeitura e pegar meu sobrinho?
Arranco ele na hora do que estiver fazendo, pode ter certeza que ele está inda
mais ansioso por sua resposta do que eu.
Quinze
minutos depois, quando cafezinho e suco corriam soltos na sala de reuniões, os dois
políticos entraram afoitos e aflitos pela novidade. Na meia hora que se seguiu,
Celso e Gládis, secundados por Carmen, Rondelli e as outras pessoas presentes,
explicaram o grande plano em todos os seus pormenores. Por fim o médico falou:
– Você
tem razão, Celso. Não foi o que eu queria, o que a gente queria. Foi ainda
melhor! A gente queria um candidato limpo e imbatível para esta eleição. Mas
vocês nos entregaram mais 16 anos do futuro de Amarante de bandeja.
O
prefeito falou, então, muito animado:
– E nos
surpreenderam com essas duas criaturas fora do comum, que a gente não tinha
condições de ver como o grande potencial que são. Mas é certo, eles são o futuro,
eles garantem o hoje e o amanhã.
– E o mais batuta – afirmou o Doutor Luzardo – é
que nós vamos ter você, Celso Teles, o tempo inteiro com a gente, como o
regente dessa orquestra incrível que vocês montaram. Que coisa extraordinária!
Olhem, vocês nos transportaram do inferno direto para o céu. Quero ver aqueles
dois pilantras se imporem agora na convenção contra Celso Teles, contra Leon
Schlikmann e contra Miss Amarante em pessoa! Candidatos ricos, que não precisam
roubar e que nunca roubariam por que são honestos e ficha-limpa. E contra toda
essa baita estrutura que vocês têm aqui, com marketing e tudo. E, claro, sem
esquecer a nossa bruxinha de plantão, para nos corrigir quando a gente perder o
rumo.
Gládis
meneou graciosamente a cabeça de longos cachos negros em agradecimento. O
prefeito, que nunca tinha visto a espanholita-filha tão de perto, estava sem
respiração. Que morena absurdamente bonita! E vistosa, alta, imponente,
soberana. E, ele lembrava muito bem, instrutora de autodefesa, a lutadora que
tinha surrado Valdemar Silva e treinara Miss Amarante, a criaturinha mais frágil e delicada deste mundo, para surrar Adolfo Schlikmann. E, como se tudo isso ainda fosse pouco, que bailarina! Babara por ela, assistindo sua
apresentação no De Rios Flamenco, na cerimônia de casamento de Leon com sua
bela Jennifer. Essa Gládis era
mesmo uma mulher completa! Se aquela gata concorresse em qualquer eleição, por
qualquer partido, estaria eleita na hora para qualquer cargo!
Quem
sabe um dia poderiam convencê-la a filiar-se ao partido e concorrer a alguma
vaga do executivo ou do legislativo por ele. Ah, os tempos agora eram outros,
cada vez mais as mulheres viriam ocupar um espaço que pertencia a elas por
direito e competência, mas que lhes foi sempre sonegado pelo velho machismo das
oligarquias da velha política.
Marcelo
tinha duas filhas, de 9 e 11 anos. E ali, em frente a seus olhos embevecidos,
estava a criatura que ele queria fosse o único e grande modelo de vida para
suas meninas. Seu tio lhe havia falado sobre algo que iria ser implantado na
Academia de Celso Teles, um curso de autodefesa para mulheres e meninas. Dirigiu-se
a Gládis e perguntou–lhe diretamente sobre isso. Ela respondeu:
– Vamos
ter, sim, senhor prefeito. Começamos no mês que vem a formar a primeira turma.
É só para mulheres, é claro. Isso lhe interessa?
– Interessa
demais, como pai de duas meninas de 11 e 9 anos. Ainda teria vagas para elas?
–
Certamente que sim. Ainda não começamos a divulgar nada, elas ficam com nossas
primeiras duas vagas, portanto. Mas... a mãe delas concordaria? Isso é
fundamental para nós e para as próprias meninas.
– Sem
dúvida, nós já conversamos sobre isso. Aliás, ela me disse que, se não for
inconveniente, também ela gostaria de aprender, de participar do curso como
aluna. Isso é possível?
– Com
toda certeza, prefeito. Tome, pegue aqui o meu cartão, peça para sua esposa
ligar para mim aqui na Teles e a gente acerta os ponteiros.
Marcelo Assunção agradeceu muito a Gládis e se afastou prudentemente dela. Sim, quem
tinha que ficar em contato com essa espanhola, esse poço sem fundo de
sensualidade e atração, era sua mulher. Ele trataria de se manter o mais
distante possível.
Aquela mulher era a garantia do fim de qualquer casamento!
Nem precisaria fazer nada, aceitar sequer um marido alheio. Esse é que ia
começar a ficar embeiçado, fascinado e teria cada vez mais dificuldade de
manter o interesse em sua esposa. Imagine só para ele, com 14 anos de casado!
Gládis De Rios era um perigo ambulante.
Para
buscar um antídoto, colocou os óculos escuros e passou a olhar disfarçadamente por trás deles,
algumas vezes, para Larissa Silva, a belíssima Miss Amarante. Sim, aquela
loirinha era ainda mais bonita que a morena, por mais incrível que isso pudesse
parecer. Mas não tinha o mesmo potencial de perigo, não era uma destruidora
potencial de casamentos, uma devoradora potencial de maridos enlouquecidos. Era
só... bonita demais. Só isso...
No fim
da grande reunião, bem à brasileira, foram todos para Churrascaria Estrela dos
Pampas, onde comeram e beberam do melhor e, seguindo as ordens de Carmen De
Rios, a marqueteira da futura campanha, ninguém podia falar absolutamente nada
sobre candidaturas, ao menos em voz alta.
O Doutor Luzardo e o prefeito Marcelo
concordaram imediatamente com isso. Sigilo agora era tudo, até que todas as
providencias tivessem sido tomadas e eles pudessem partir como um rolo
compressor para cima dos dois pilantras, que já se sentiam com domínio total
sobre a futura convenção partidária.
Não
havia razão alguma para açodamentos, tinham quase 18 meses de preparação pela frente.
Nesse tempo, Celso e sua equipe dariam formação completa ao par de loirinhos,
os herdeiros riquinhos de Amarante. Eles progrediriam e subiriam. Nesse
ínterim, os dois adversários, por serem os malandros que eram, só podiam cair e
se complicar mais e mais, o que se pode normalmente esperar de quem sempre apronta
mais uma.
CONTINUA
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