MILTON MACIEL
67 – AFINAL, QUEM MATOU VALDEMAR SILVA?
Fim do cap. 66: "– E quanto ao seu carro novo, doutor?
– Na semana que vem eu volto aqui, para ter sua resposta e aí aproveito e decido. Agora estou muito ansioso, não tenho cabeça para isso."
Enquanto
tudo acontecia em Amarante – casamento do ano, De Rios Flamenco, Maria Amália
psicóloga, convite político – o delegado Norberto Oliveira mantinha-se quase
alheio a tudo, preso somente àquilo se tornara para ele mais do que uma ideia
fixa, uma verdadeira obsessão: como descobrir de que forma “aquele nazista
azedo” tinha conseguido matar Valdemar Silva.
Não
havia dúvida, para o delegado, que Adolfo Schlikmann era o assassino de seu
compadre e aliado na tentativa de morte de Celso Teles. Afinal, só ele tinha
tudo a lucrar de imediato com a morte de Silva, porque só isso garantiria que ele
não viesse a ser, por sua vez, morto por ele. Uma espécie de “legítima defesa mafiosa", considerava o policial.
Não, não
havia como duvidar da autoria do crime. Adolfo Schlikmann de fato executara
Valdemar Silva naquela madrugada, em plena delegacia. Mas essa era, para o
delegado, a única certeza e a única coisa que podia ver com clareza.
Por que
todo o resto era puro mistério. Como o alemão obtivera o veneno? E a
imprescindível seringa com agulha para injetá-lo no desafeto? Só havia duas
possibilidades: ou ele já tinha essas coisas escondidas no corpo ao ser preso e
trazido para a delegacia, de onde não saiu mais até a descoberta da morte de
Silva, ou alguém de fora lhe havia trazido o material.
Considerando
a primeira possibilidade, o delegado Norberto reconhecia que o volume ocupado
por uma embalagem mínima com poucos gramas de um líquido e uma pequena seringa era
muito fácil de ocultar. Mas todos os bolsos do prisioneiro foram esvaziados e
seus pertences arrolados e lacrados no ato de sua entrada na delegacia. Restava
somente a hipótese de que uma pequeníssima embalagem como essa tivesse sido
presa a uma das pernas, sob a calça.
Contudo,
essa possibilidade ia às raias da pura fantasia: Por que razão o homem teria ido à
prefeitura, onde comparecera apenas para degustar a cerimônia da ‘morte’ de
Celso Teles, portando essa sinistra embalagem.[? Ora, até então, Valdemar e ele
eram aliados e Gládis De Rios ainda não havia revelado os ataques sexuais de
Schlikmann contra a filha ainda criança de Silva.
Então
Adolfo saíra de casa com o kit da morte preso ao corpo porque pretendia matar
uma outra pessoa antes de voltar para casa? Ora, isso era completamente
inconsistente, porque não existia uma única razão para não levar o embrulhinho
num bolso, simplesmente, pois não haveria nada que o obrigasse a passar por uma
revista. O que só aconteceu depois de sua prisão, no momento da entrada na
delegacia.
Sentado á sua mesa na delegacia, com o carcereiro Mota, o delegado comentou, desanimado:
– Furada
total! Essa não se cria!
O auxiliar respondeu:
– Não
mesmo. Não tem pé nem cabeça. Não pode ter sido assim.
– E, se
não foi assim, então alguém trouxe os bagulhos para o alemão naquela noite ou
madrugada. Somo obrigados a admitir isso, não resta outra hipótese.
– Mas
como, delegado? E quem? Pois se a única porta de entrada na delegacia é a da
frente e ali, no corredor, o guarda Narciso, homem de absoluta confiança da gente
há mais de 10 anos, passou a noite toda, como sempre fez. A porta dos fundos
está lacrada há muito tempo, pelo menos há dois anos, não tem como ser
aberta por fora, nós simplesmente mandamos inutilizar essa coisa.
– Sim,
Mota. Isso só nos deixa como possibilidades as janelas todas da casa. Que são dez, contando as basculantes de cozinha e banheiros.
– Mas
todas gradeadas por dentro! E teladas também, delegado.
– Sim,
isso é uma merda, porque deixa o ambiente aqui dentro um tremendo formo no verão.
Janelas teladas!
– Pois aí
a gente examinou janela por janela, tudo com o maior rigor, o senhor deve lembrar
bem. Nenhuma delas mostrou sinal de arrombamento.
– É
verdade. E eu fiz – duas vezes! – uma varredura completa do lado de fora,
procurando pegadas de alguém que tivesse forçado uma das janelas. E nada! Isso é
de enlouquecer, Mota, puta que pariu!
Então o
delegado levantou de sua cadeira e começou, mais uma vez, a caminhar com passos
largos pela sala maior, como uma fera furiosa dentro de uma grande jaula. De
repente deu um enorme chute no sofá, lembrando que era ali que Schlikmann estava na noite do crime, e gritou:
– Fala,
alemão desgraçado, como é que você conseguiu a bagulhada, seu filho da puta?!
Nesse exato
momento o telefone tocou. Mota atendeu:
– Para o
senhor, doutor. É do hospital, seu sogro, o Doutor Luzardo. Deve ser notícia do
doidão.
– Doidão
de araque, Mota. Pra mim esse merda está fingindo o tempo todo. Ele consegue
enganar os médicos, mas a mim ele não engana não. Ainda pego ele no pulo, você
vai ver. Dá aqui, deixa atender o homem, vamos ver se tem novidade mesmo. Só
espero que o desgraçado não tenha batido as botas, porque aí eu é que vou
morrer – de pura frustração.
O Dr.
Luzardo Assunção tinha mesmo novidades do paciente, o único de sua nova ala
psiquiátrica, recém-inaugurada:
– Genro,
você precisa ver o que o sujeitinho começou a fazer agora.
– O quer
foi desta vez, sogrão? Ele está melhor da loucura que ele finge, é?
– Seu
cabeça dura, o sujeito está goiaba mesmo, pode acreditar no psiquiatra forense,
o homem é fera e está acostumado com preso malandro. Mas o que ele está fazendo
de novo, desde ontem, é repetir a mesma cantilena dezenas de vezes por dia.
– E o
que ele diz?
– Ele primeiro
começa a gargalhar baixinho. Depois aumenta o volume da voz e começa a fazer o clássico
sinal de foda, bate com a mão direita espalmada na esquerda fechada, na altura
do polegar com indicador. E aí ele fica fazendo isso, rindo e repetindo:
–
Valdemar Silva se fudeu! Valdemar Silva se fudeu!
–
Desgraçado!
– Mas
ainda tem mais, eu não contei tudo.
– Mais
ainda? O que?
– No fim
ele pára de bater com a mão direita e pega uma seringa imaginária nela. É, isso
mesmo, uma seringa! Abre e aperta o polegar contra o indicador e médio meio
abertos e curvados e diz:
– Valdemar
se fudeu. Valdemar morreu. – E aí fica repetindo essas duas frases e rindo sem
parar.
– Filho
da puta! Mas isso é uma confissão! Espera aí que eu vou já pro hospital,
preciso gravar isso, é uma autêntica confissão mesmo.
– Agora
não adianta, o sujeito está dormindo, ele não tem hora certa pra dormir, passa
boa parte da noite acordado, andando e falando. E fazendo buracos no jardim,
para plantar dálias imaginárias. Eu acho que ele está é piorando cada vez mais
da demência.
– Bom,
se ele está produzindo provas contra si mesmo, falando essas besteiras que o
senhor me contou agora, então deve estar pinel mesmo. Mas vamos fazer o seguinte,
assim que ele começar com a lengalenga de novo, o senhor manda ligar pra mim e
eu vou aí pra gravar tudo.
– Ora,
meu genro delegado, você acha que eu já não fiz isso? Pra que existe câmara boa
em celular?
– Puta,
maravilha sogrão! Beleza, assim que eu tiver um tempinho passo aí para ver. E
pegar o arquivo.
– Mas
por quem esse meu genro me toma, gente? Acha que eu sou um velho dinossauro que
não entende de tecnologia? Ora, rapaz, eu já mandei o arquivo para você por
e-mail. Pode abrir que já está aí.
– Isso é
que é sogro, Deus do céu! Puxa, milhões de obrigados. Não, nada disso! Vale um
almoço com vinho do bom. Pode escolher o restaurante e o dia.
– Ah,
agora ficou bom. Um filminho de louco por um almoço dos bons. Taí, saí no
lucro. Bem, eu liguei foi para avisar que tinha mandando o e-mail. Agora
divirta-se, que eu tenho que cortar uma barriga de madame. Até.
– Até,
meu sogro, beijos pra sogrinha.
Largou o
telefone e deu um salto de Pelé comemorando gol:
– Puta
que pariu Mota, o desgraçado do Alemão confessou! Confessou, cara!
–
Confessou, doutor? Mas que beleza! Como foi?
– Pois venha
aqui no meu computador, meu sogro filmou a confissão e mandou o arquivo por
e-mail, deixe eu abrir.
Instantes
depois, em tela cheia, os dois policiais assistiam, extasiados, as caminhadas
loucas de Adolfo Schlikmann pelos aposentos e pelo jardim, na área gradeada
para ele. E riam às gargalhadas, exultantes, vendo o gesto de foder e o gesto
de injetar e ouvindo as frases repetidas sem parar, entremeadas de risadas típicas
de doido:
–
Valdemar Silva se fudeu! Valdemar Silva se fudeu! Valdemar morreu!
CONTINUA
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