domingo, 14 de fevereiro de 2016

LUA  OCULTA – 67   
MILTON MACIEL 

67 – AFINAL, QUEM MATOU VALDEMAR SILVA?
Fim do cap. 66:  "– E quanto ao seu carro novo, doutor?
– Na semana que vem eu volto aqui, para ter sua resposta e aí aproveito e decido. Agora estou muito ansioso, não tenho cabeça para isso." 

Enquanto tudo acontecia em Amarante – casamento do ano, De Rios Flamenco, Maria Amália psicóloga, convite político – o delegado Norberto Oliveira mantinha-se quase alheio a tudo, preso somente àquilo se tornara para ele mais do que uma ideia fixa, uma verdadeira obsessão: como descobrir de que forma “aquele nazista azedo” tinha conseguido matar Valdemar Silva.

Não havia dúvida, para o delegado, que Adolfo Schlikmann era o assassino de seu compadre e aliado na tentativa de morte de Celso Teles. Afinal, só ele tinha tudo a lucrar de imediato com a morte de Silva, porque só isso garantiria que ele não viesse a ser, por sua vez, morto por ele. Uma espécie de “legítima defesa mafiosa", considerava o policial.

Não, não havia como duvidar da autoria do crime. Adolfo Schlikmann de fato executara Valdemar Silva naquela madrugada, em plena delegacia. Mas essa era, para o delegado, a única certeza e a única coisa que podia ver com clareza.

Por que todo o resto era puro mistério. Como o alemão obtivera o veneno? E a imprescindível seringa com agulha para injetá-lo no desafeto? Só havia duas possibilidades: ou ele já tinha essas coisas escondidas no corpo ao ser preso e trazido para a delegacia, de onde não saiu mais até a descoberta da morte de Silva, ou alguém de fora lhe havia trazido o material.

Considerando a primeira possibilidade, o delegado Norberto reconhecia que o volume ocupado por uma embalagem mínima com poucos gramas de um líquido e uma pequena seringa era muito fácil de ocultar. Mas todos os bolsos do prisioneiro foram esvaziados e seus pertences arrolados e lacrados no ato de sua entrada na delegacia. Restava somente a hipótese de que uma pequeníssima embalagem como essa tivesse sido presa a uma das pernas, sob a calça.

Contudo, essa possibilidade ia às raias da pura fantasia: Por que razão o homem teria ido à prefeitura, onde comparecera apenas para degustar a cerimônia da ‘morte’ de Celso Teles, portando essa sinistra embalagem.[? Ora, até então, Valdemar e ele eram aliados e Gládis De Rios ainda não havia revelado os ataques sexuais de Schlikmann contra a filha ainda criança de Silva.

Então Adolfo saíra de casa com o kit da morte preso ao corpo porque pretendia matar uma outra pessoa antes de voltar para casa? Ora, isso era completamente inconsistente, porque não existia uma única razão para não levar o embrulhinho num bolso, simplesmente, pois não haveria nada que o obrigasse a passar por uma revista. O que só aconteceu depois de sua prisão, no momento da entrada na delegacia.

Sentado á sua mesa na delegacia, com o carcereiro Mota, o delegado comentou, desanimado:

– Furada total! Essa não se cria! 

 O auxiliar respondeu:

– Não mesmo. Não tem pé nem cabeça. Não pode ter sido assim.

– E, se não foi assim, então alguém trouxe os bagulhos para o alemão naquela noite ou madrugada. Somo obrigados a admitir isso, não resta outra hipótese.

– Mas como, delegado? E quem? Pois se a única porta de entrada na delegacia é a da frente e ali, no corredor, o guarda Narciso, homem de absoluta confiança da gente há mais de 10 anos, passou a noite toda, como sempre fez. A porta dos fundos está lacrada há muito tempo, pelo menos há dois anos, não tem como ser aberta por fora, nós simplesmente mandamos inutilizar essa coisa.

– Sim, Mota. Isso só nos deixa como possibilidades as janelas todas da casa. Que são dez, contando as basculantes de cozinha e banheiros.

– Mas todas gradeadas por dentro! E teladas também, delegado.

– Sim, isso é uma merda, porque deixa o ambiente aqui dentro um tremendo formo no verão. Janelas teladas!

– Pois aí a gente examinou janela por janela, tudo com o maior rigor, o senhor deve lembrar bem. Nenhuma delas mostrou sinal de arrombamento.

– É verdade. E eu fiz – duas vezes! – uma varredura completa do lado de fora, procurando pegadas de alguém que tivesse forçado uma das janelas. E nada! Isso é de enlouquecer, Mota, puta que pariu!

Então o delegado levantou de sua cadeira e começou, mais uma vez, a caminhar com passos largos pela sala maior, como uma fera furiosa dentro de uma grande jaula. De repente deu um enorme chute no sofá, lembrando que era ali que Schlikmann estava na noite do crime, e   gritou:

– Fala, alemão desgraçado, como é que você conseguiu a bagulhada, seu filho da puta?!

Nesse exato momento o telefone tocou. Mota atendeu:

– Para o senhor, doutor. É do hospital, seu sogro, o Doutor Luzardo. Deve ser notícia do doidão.

– Doidão de araque, Mota. Pra mim esse merda está fingindo o tempo todo. Ele consegue enganar os médicos, mas a mim ele não engana não. Ainda pego ele no pulo, você vai ver. Dá aqui, deixa atender o homem, vamos ver se tem novidade mesmo. Só espero que o desgraçado não tenha batido as botas, porque aí eu é que vou morrer – de pura frustração.

O Dr. Luzardo Assunção tinha mesmo novidades do paciente, o único de sua nova ala psiquiátrica, recém-inaugurada:

– Genro, você precisa ver o que o sujeitinho começou a fazer agora.

– O quer foi desta vez, sogrão? Ele está melhor da loucura que ele finge, é?

– Seu cabeça dura, o sujeito está goiaba mesmo, pode acreditar no psiquiatra forense, o homem é fera e está acostumado com preso malandro. Mas o que ele está fazendo de novo, desde ontem, é repetir a mesma cantilena dezenas de vezes por dia.

– E o que ele diz?

– Ele primeiro começa a gargalhar baixinho. Depois aumenta o volume da voz e começa a fazer o clássico sinal de foda, bate com a mão direita espalmada na esquerda fechada, na altura do polegar com indicador. E aí ele fica fazendo isso, rindo e repetindo:

– Valdemar Silva se fudeu! Valdemar Silva se fudeu!

– Desgraçado!

– Mas ainda tem mais, eu não contei tudo.

– Mais ainda? O que?

– No fim ele pára de bater com a mão direita e pega uma seringa imaginária nela. É, isso mesmo, uma seringa! Abre e aperta o polegar contra o indicador e médio meio abertos e curvados e diz:

– Valdemar se fudeu. Valdemar morreu. – E aí fica repetindo essas duas frases e rindo sem parar.

– Filho da puta! Mas isso é uma confissão! Espera aí que eu vou já pro hospital, preciso gravar isso, é uma autêntica confissão mesmo.

– Agora não adianta, o sujeito está dormindo, ele não tem hora certa pra dormir, passa boa parte da noite acordado, andando e falando. E fazendo buracos no jardim, para plantar dálias imaginárias. Eu acho que ele está é piorando cada vez mais da demência.

– Bom, se ele está produzindo provas contra si mesmo, falando essas besteiras que o senhor me contou agora, então deve estar pinel mesmo. Mas vamos fazer o seguinte, assim que ele começar com a lengalenga de novo, o senhor manda ligar pra mim e eu vou aí pra gravar tudo.

– Ora, meu genro delegado, você acha que eu já não fiz isso? Pra que existe câmara boa em celular?

– Puta, maravilha sogrão! Beleza, assim que eu tiver um tempinho passo aí para ver. E pegar o arquivo.

– Mas por quem esse meu genro me toma, gente? Acha que eu sou um velho dinossauro que não entende de tecnologia? Ora, rapaz, eu já mandei o arquivo para você por e-mail. Pode abrir que já está aí.

– Isso é que é sogro, Deus do céu! Puxa, milhões de obrigados. Não, nada disso! Vale um almoço com vinho do bom. Pode escolher o restaurante e o dia.

– Ah, agora ficou bom. Um filminho de louco por um almoço dos bons. Taí, saí no lucro. Bem, eu liguei foi para avisar que tinha mandando o e-mail. Agora divirta-se, que eu tenho que cortar uma barriga de madame. Até.

– Até, meu sogro, beijos pra sogrinha.

Largou o telefone e deu um salto de Pelé comemorando gol:

– Puta que pariu Mota, o desgraçado do Alemão confessou! Confessou, cara!

– Confessou, doutor? Mas que beleza! Como foi?

– Pois venha aqui no meu computador, meu sogro filmou a confissão e mandou o arquivo por e-mail, deixe eu abrir.

Instantes depois, em tela cheia, os dois policiais assistiam, extasiados, as caminhadas loucas de Adolfo Schlikmann pelos aposentos e pelo jardim, na área gradeada para ele. E riam às gargalhadas, exultantes, vendo o gesto de foder e o gesto de injetar e ouvindo as frases repetidas sem parar, entremeadas de risadas típicas de doido:

– Valdemar Silva se fudeu! Valdemar Silva se fudeu! Valdemar morreu!

CONTINUA

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