quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

LUA  OCULTA – 65   
MILTON MACIEL 

65 – DE BRUXAS, ANJOS E PSICÓLOGAS
Fim do cap. 64:  "– Claro que não, menina. Todas vocês e o Celso vão ser atendidos, pode ficar tranquila. Se bem que, com uma bruxinha igual a você..."

– Uma bruxinha para certas coisas, uma toupeira para outras, você bem sabe. Eu reconheço as minhas limitações. Posso ter uma senhora intuição, esses flashes, esses insights... Eles me valem quando eu menos espero, muitas vezes quando eu menos preciso também. Mas eu não tenho controle sobre isso. É totalmente espontâneo.

– Verdade, Gládis. Mas o pessoal deve pensar que você é a maior adivinhona, não é?

– Ah, se pensam! Isso me deixa danada! Eles acham que eu posso adivinhar o futuro. O meu e o deles. E vivem me enchendo de perguntas cretinas.

– Todo mundo?

– Não. Mamita e as meninas, o Celso, esses que já me conhecem há um bom tempo, sabem que não podem me usar como oráculo. Mas muitas outras pessoas, realmente...

– É, isso deve encher mesmo. E o que você faz com elas?

– Simples. Aprendi com o passar do tempo. Digo que perdi o dom. Que para adivinhar, preciso fazer 24 dias de jejum e orações. Que, se eu não fizer isso, vou errar feio e é muito pior ter uma previsão errada do que não ter nenhuma previsão.  Funciona. E eu morro de rir por dentro, porque nada dessas coisas, jejum e oração, é palavra forte no meu dicionário de vida.

– Não dá nem para imaginar Gládis de Rios fazendo jejum de 24 horas. Imagine só de 24 dias, então. Se há uma coisa que você sabe muito bem é curtir as coisas boas da vida: uma boa mesa, uma boa cama, desde que não seja para dormir e seja muito bem acompanhada. Por falar nisso, como é que vai o vulcãozinho aí em baixo?

– De férias, doutora minha. Vacaciones. Você sabe que eu sou muito, muito exigente. Exatamente como Mamita. Com a gente é tudo ou nada. Ou a gente se inflama mesmo, pega fogo, explode. Ou fica barra de gelo. Não está nem aí. Pois aqui nesta cidade ainda não topei com um macho que valha a pena. Então vou ficando na minha.

– Barrinha de gelo na bacorinha...

– Ah, é mais ou menos isso. Se eu sinto tesão, ignoro, faço passar ligeirinho. Claro, de vez em quando me desaperto na mão. Mas sempre relembrando transas boas do passado. Se há uma coisa que eu nunca consegui foi gozar pensando num cara com quem eu ainda não transei. Para isso minha imaginação não é boa, perde fácil para a minha memória. Mas, para dizer a verdade, dei um stop nas vacaciones nesta semana. Mas vou continuar depois que um certo cara for embora.

– Ah, é? E com é o felizardo?

– Ora, o Ramon. É um guitarrista, cantor e bailarino da nossa trupe do De Rios Flamenco, que se apresentou ontem, no casamento da Jenny com o Leon. Junto com abuelita, mamita e eu, é lógico. Ele é um espanhol muito gostoso, mais gostoso do que bonito, que isso não é muito a praia dele. Mas o cara é uma beleza na cama e no trato. É meio abichalhado também, vai ver que é por isso que é tão gostoso. Giletão. Eu acho legal, nunca tive preconceito, acho que ele tem todo o direito de se divertir dos dois jeitos.

– Hum... Você não tem nenhum receio de...

– De AIDS? Ora, Maria Amália, um homem só hétero também pode me contaminar com isso ou com outra DST qualquer, basta que eu seja trouxa o suficiente pra transar sem todos os cuidados. E isso é muito mais do que só exigir camisinha. Agora, o Ramon tem um jeitinho maravilhoso de ser homem e ser mulher ao mesmo tempo. Ele entende demais a alma feminina. Transa divinamente, com uma energia muito máscula, mas com uma suavidade bem feminina. Olhe, só mesmo você experimentando um cara assim para entender o que eu estou dizendo.

– Xi, não me fale em bicho! Se você está de vocaciones, de férias, eu estou fechada para balanço. Terminei meu quinto casamento cinco meses atrás, estou dando um tempo. Acho que vai ser meu ano sabático. Mas a gente tem que reconhecer que nós somos – você e eu – mulheres muito complicadas, muito fora do comum, não é?

– É, conhecendo você e a mim como acho que conheço, penso que somos femininas e feministas demais para podermos respeitar algum homem que não seja assim um... Bem, um Celso Teles, digamos.

– De acordo! Esse é exceção. Esse é um tipo raríssimo, um Ad Pondus, um sujeito totalmente equilibrado em tudo. Mas não é suficiente, é claro, para incendiar você, não é?

– Não, nunca foi. E eu até já transei com ele lá em Ribeirão Preto. De propósito, depois que ele se divorciou, para provar que ele não estava tão apaixonado por aquela cadela da ex-mulher dele, a ponto de não ter tesão ou de broxar comigo. Não broxou. A gente curtiu bastante. Posso dizer que foi o começo da ressurreição para ele e tenho o maior orgulho de ter sido tão amiga dele assim. Mas, depois de um tempo, a gente acabou caindo na gargalhada, porque vimos que não ia dar liga nunca. Nem eu ia ficar louca por ele, nem ele por mim. E nunca mais tivemos nada de cama e nunca mais falamos disso outra vez. E ele é o homem mais fantástico que existe e é o meu grande, imenso amigo, a quem eu devo tudo.

– Ah, mas pelo que ele andou me contanto ao telefone, ele é que deve tudo a você. Diz que você foi o catalisador do amor de Larissa por ele e que você é o catalisador da reação positiva de Larissa perante a vida. Ele me disse que você, colocada num carro, ia funcionar melhor que catalisador de platina.

– Ah, ah, ah! Esse Celso! Bem, eu acho que dei uma certa mãozinha sim, porque a Fofinha estava louquinha por ele e não era capaz de se dar conta disso. E ele, é claro, vivia se desmanchando e sofrendo por causa dela. Vou lhe dizer, Maria Amália, nunca vi um casal mais bem composto, mais adequado do que esses dois. E nunca vi duas pessoas que precisassem tanto uma da outra como eles dois. Me parece um casamento de almas perfeito.

– Bem, pelo que conheço do Celso, como meu paciente e amigo, acho que você está certíssima. E sabe por que? Porque é evidente que ter essa garota do lado é um tremendo privilégio para qualquer um. Receber o amor de uma criança como essa é de encher a alma.

– Você também acha que ela é uma criança?

– Totalmente. E por isso é que eu não quero fazer nada que precipite a entrada dela num mundo tão cacete e idiota como o dos adultos. Esta garota é uma exceção absoluta, é alguém que chegou à aparente vida adulta tendo ainda a pureza de uma criança. Eu fiquei chocada com o que ia ouvindo dela durante a viagem de vinda do aeroporto. Achei que era impossível. Aí corri e levantei o mapa astrológico dela no celular, ali no carro mesmo, e vi que era tudo autêntico. Uma criatura assim podia existir! E aí eu vi que eu não podia aplicar nela os meus conhecimentos e experiências de trabalho com adultos. E nem com crianças. Porque Larissa é diferente, está numa gradação intermediária, mas não perdeu a pureza original.

– Pureza de criança, você diz...

– Num certo sentido, eu me atreveria a dizer que ela é ainda mais pura do que a maioria das crianças. E eu já trabalhei com crianças realmente muito más. Elas existem, sim. E são dificílimas de tratar. Larissa é o exato oposto polar de tudo isso. Ela é um caso impressionante de concentração de... de... acho que de Bondade, eu deveria dizer!

– Isso mesmo! É isso mesmo que eu sinto. Parece incrível, mas tudo que essa menina sofreu na infância, não fez de dela uma pessoa amarga, difícil. E, por outro lado, sendo seguramente a mulher mais bonita que eu já vi em toda a minha vida, não existe nada nela que nem de longe lembre narcisismo, nem mesmo uma vaidade que seria muito natural.

– Gládis, ela me contou no carro que o grande sonho dela, com dez anos, era fazer uma cirurgia plástica para poder ficar FEIA! E, assim, virar uma criança normal. Você pode acreditar numa coisa dessas?

– Ah, sim ela contou para mim, para nós, chorando muito, como ela faz sempre.

– Eu vi essa garota chorando nos braços da sua mãe lá no aeroporto. Achei lindo, comovente. E depois, durante a viagem no carro, inúmeras vezes eu via lágrimas nos olhos dela. Aliás, meu Deus, o que é aquilo? Que olhos! Como pode existir aquela cor?

– Pois então, Maria Amália, ela acha que ter essa propensão para chorar demais, para chorar por qualquer coisa é um grande problema da vida dela. E ela está contando com você para ser curada desse mal.

– Mas nunca! Só se eu fosse irresponsável como profissional e louca como ser humano. Não se pode impedir a manifestação de superioridade de alma de uma pessoa!

Gládis levantou de sua cadeira e deu um beijo estalado na testa de Maria Clara:

– Maravilha! Ah, mas você me deixa feliz demais falando isso. Sabe, brincando, eu disse mais de uma vez que, se você tirasse da nossa Fofinha essa mania de chorar por tudo, eu ia quebrar sua cabeça com uma sapatada de flamenco.

A psicóloga riu da expressão e da cara de ameaça que a espanholita fez, enquanto lançava no ar um golpe de sapato na cabeça de um alvo invisível à frente delas. E completou:

– Pois fazia muito bem! Só assim para botar de volta os meus miolos no lugar, depois de eu ter feito uma barbaridade dessas. Burrada que eu não vou fazer, não, de jeito nenhum. E a Fofinha ainda vai me agradecer muito por isso.

– Ela, eu, o Celso, Mamita, as meninas, Rondelli, Amarante, o planeta Terra: mil vezes obrigada, Maria Amália santíssima. Abençoai-nos, reverenda madre!...

– Sua engraçadinha! Pois vá tratar de comer seu espanhol bisex enquanto ele ainda está na cidade, que eu vou ao xixi com urgência. Onde é o banheiro?


Naquela mesma tarde Maria Amália teve mais uma longa sessão com Larissa. Na verdade, estimulou-a a falar mais e mais, cada vez mais surpresa e encantada com a maneira como sua paciente se mostrava total e absolutamente – aliás, inacreditavelmente – transparente. A figura que lhe ocorria é que Larissa era como um lago límpido de águas cristalinas de degelo, como uma lâmina de cristal completamente transparente. Aquilo fugia a todos os parâmetros a que ela tivesse se acostumado durante toda a sua longa vida de terapeuta e de estudante perpétua. Nunca, nos seus 54 anos de idade, havia encontrado uma pessoa assim.

Larissa não cabia em nenhum compartimento onde houvessem outras pessoas. Impossível classificá-la. A menos que se criasse uma nova categoria. E essa categoria só teria um único espécime para sempre: Larissa Silva. Estava certo o que ouvira de Jennifer, de Carmen, de Gládis: ela era única, agora podia entender por que razões.

Quando conduziu a anamnese para as experiências de Larissa com o pai e com a mãe, uma surpresa a mais: entendeu que a moça, embora tivesse uma lembrança magoada dos genitores, não havia desenvolvido uma genuína raiva, muito menos ódio por eles. Chorou várias vezes ao mencionar as violências que sofria por parte do pai. Mas, cada vez que falava da mãe, jamais chorava. Seu semblante se fechava numa espécie de tristeza mais funda e manifestava um senso de distanciamento, de afastamento, de desligamento afetivo total. Ela havia criado um mecanismo de defesa mais sutil, protegendo-se das loucuras da mãe com uma espécie de muro emocional, onde se colocava o mais longe possível dela.

Foi nesse contexto que surgiu a figura maravilhosa que ia revolucionar completamente a vida da criança: o vizinho Fúlvio Rondelli. Quanto mais Maria Amália conduzia os temas para a mãe de Larissa, mais Fúlvio Rondelli aparecia em cena. A criança, natural e espontaneamente, o havia nomeado “padrinho”, palavra que tem uma conotação de pequeno pai.

Mas Fúlvio Rondelli era na verdade a figura de MÃE que Larissa desenvolvera. Ele era a sua mãe substituta, que se tornava a cada dia mais a mãe verdadeira. Era no padrinho que ela achava proteção, carinho, bondade, ternura, defesa, cuidados com suas feridas físicas e emocionais, com suas roupas sujas, para que não resultassem em mais castigos para a criança. Era na comida do padrinho que ela achava prazer, era vendo-o cozinhar para ela, comprar seus doces prediletos, sempre proibidos pela mãe obcecada pelas dietas, que ela se sentia aceita e amada. Sim, o padrinho era a fonte do Ágape, o Amor Incondicional.

E a fonte do Ágape supre o papel da Grande Mãe arquetípica, aquela que existe para nos dar segurança emocional, nos dar a certeza de que somos aceitos e amados independente de quem somos e do que fazemos. É o amor que não tem preço prévio. Aquele italiano enorme e meio encurvado, de traços e voz fortes e serenos, tinha sida a verdadeira mãe de Larissa!

E, por déficit e comparação, acabara suprindo também o referencial de figura masculina. Mas jamais como figura PATERNA. O padrinho não foi o Pai, foi a Mãe. Mas serviu para provar à menina que um homem podia ser bom e ter equilíbrio, ser competente no mundo exterior e no mundo interior. Fúlvio Rondelli servira, inequivocamente, para provar à pequena Larissa que existiam pessoas boas, muito boas, nesse mundo hostil e gelado. E isso havia criado para ela um senso de esperança, um senso de futuro.

Agora ficava muito fácil compreender a aniquilação que os pais impuseram ao mundo e aos sonhos puros da menina e da moça adolescente. E Maria Amália conclui enfim que o caminho que faltava para o desabrochar inteiro daquela flor em botão passava pelo mesmo caminho do Ágape.

Um caminho em que ela se transformaria na fonte de Ágape para os outros, porque era mais do que evidente que aquela alma era de fato, como Carmen de Rios o dissera tão bem naquele saguão de aeroporto, um Centro de Amor. E tudo isso transpareceria em sua vida futura, sem sombra de dúvida, através de sua verdadeira vocação, de sua profissão do coração, para a qual tivera apenas formação teórica. Quando aquela menina se espalhasse por sobre plantações e criações de animais, então sua alma se libertaria, seu espírito empreenderia os mais altos voos.

Quando, ao telefone, Jennifer lhe falara sobre Larissa na primeira vez, semanas atrás, ela havia ousado dar o que chamou de “um palpite” a respeito do caminho para a Fofinha de todas elas, a paixão de Celso Teles. Jenny havia mencionado algo assim:

– Pois eu acho – é só um palpite furado, eu não sou nem Maria Amália nem Gládis de Rios – que a Lissinha vai crescer, vai ficar enorme, forte, sem medos, no dia em que ela for mãe. Qualquer animalzinho fêmea vira uma fera terrível na hora de defender suas crias. Eu nem sei porque eu estou lhe dizendo isso, eu não tive experiência de mãe, não lembro de nada, fui abandonada numa cesto de lixo do aeroporto de Congonhas quando era bebê, você sabe. Por isso mesmo eu quero ser mãe e quero ser mãe perfeita. Mas, se eu pudesse escolher uma criatura para ser minha mãe, me imaginando um bebezinho, pode ter certeza de uma coisa, Maria Amália: Essa pessoa só podia ser a Lissinha! Você pode estranhar, porque a gente trata a menina como se ela fosse nossa filhota, nossa mascotinha. Mas eu não me imagino mãe dela, por mais esquisito que isso possa lhe parecer, eu gostaria que ela tivesse sido a minha mãe. Com toda a brancura dela, paciência, porque eu preferiria continuar sendo uma criança negra, com toda certeza. Já pensou que coisa fantástica a gente estar nas mãos de uma pessoa que é só puro amor, Maria Amália?

Agora, enquanto olhava para o rostinho da agrônoma que fora proibida de ser agrônoma, enquanto via ali e nos olhos de azul água-marinha que não podiam existir a realidade daquele “uma pessoa que é só puro amor” Maria Amália sentiu-se obrigada a concordar com Jennifer. Sim senhora, que enorme sensibilidade daquela moça também!

Larissa Silva agrônoma, produzindo alimentos e alimentando as pessoas, os animais, as cidades. Lissinha mãe, alimentando seus filhotes... Sim aquilo era a perfeita manifestação do Ágape como Maria Amália o concebia, emanando daquela alma superior.

Não, não havia dúvida, esse era o caminho, o único caminho. E não, não podia haver pressa. Seria pecado mortal, sem perdão. Que Larissa tivesse o seu tempo de criança e de inexperiência, que construísse sua trajetória sem açodamento, sem pressa de tornar-se “adulta”. Que recebesse e semeasse amor ao seu redor, cada vez mais. Talvez para um número cada vez maior de pessoas.

Maria Amália fechou os olhos e permitiu-se divagar. E era como se ela visse em Larissa o potencial para alimentar e proteger toda aquela cidade onde nascera. Sim, ela podia acreditar nisso, não lhe parecia nenhum despropósito.

Agora precisava discutir algumas coisas com sua terapeuta substituta, a notável Gládis De Rios. E, também, com o privilegiadíssimo Celso Teles. Ele, como toda certeza, como todo homem apaixonado, estaria empolgadíssimo com a Larissa mulher, a Larissa fêmea, a Larissa nobre caráter. Mas, exatamente por causa de sua condição de homem – e, para complicar, de homem apaixonado – provavelmente não conseguia ver a Larissa espírito superior. A Larissa do grande futuro, que só ela, a terapeuta com décadas de experiência, conseguia vislumbrar com toda clareza.

Sim havia muito, muito o que ensinar àquele ponderado Celso Teles. Para o bem de Larissa, para o bem dele mesmo, da família que eles pudessem formar, dos filhos que tivessem. Mas, muito além do que os outros podiam enxergar, para o bem do Coletivo!

Sim, espíritos dessa nomeada, desse nível tão elevado, quando chega o momento de desempenharem seus papeis em sua plenitude, sempre acabam por trazer um grande benefício para o Todo em que vivem. Podem mudar para melhor a vida de centena, de milhares, às vezes de milhões mesmo de criaturas.

Qual seria a grande missão de Larissa Silva? Por que o Coletivo lhe concentrara nas mãos, de repente, uma imensa fortuna, quase incalculável, ao lado de um gestor magnífico como Celso Teles, também ele muito rico,  ao lado de um paradigma magnífico de mulher como Gládis De Rios? E com as raízes de formação em engenharia agronômica!

Um espírito inferior, mesquinho, trataria de se pôr a salvo para desfrutar egoisticamente dessa fortuna, como soubera que a lastimável mãe de Larissa havia feito. Mas um espírito superior como Larissa Silva, vivendo na maior simplicidade em seu apartamento alugado e rodando a cidade orgulhosamente em seu velho fusquinha laranja, jamais fará nada parecido com isso. O dinheiro apenas passa através de pessoas assim, para produzir o bem para todos. Isso e somente isso é o que Maria Amália podia esperar daquela criança dourada que todos chamavam de anjo e de Fofinha.

Ah, gente privilegiada! Ah, cidade privilegiada! Eles tinham a criança dourada e a criança dourada cresceria lenta e seguramente para se derramar em prodígios sobre todos eles.

E Maria Amália concluiu, nesse momento, que sua missão em Amarante estava concluída. Deixaria as instruções muito precisas com Celso e com Gládis. Atenderia a ela e às outra moças. Tudo naquela mesma noite e madrugada. Não pretendia parar para jantar ou descansar, até estar com tudo pronto, lá pelas quatro da manhã. E aí iria embora muito rapidamente, justamente para o bem de Larissa, para que a Fofinha não tentasse se agarrar a ela como a uma tábua de salvação - salvação que ela não precisava de forma alguma!

Ora, precisar tábua de salvação justo ela, justo Larissa Silva, justo o anjo salvador!

Daquela sala mesmo onde estava, ligou para a agência de viagens e obteve a antecipação de sua volta para São Paulo na manhã seguinte. Chegava na segunda, saía na terça. Bingo! Missão cumprida! Só não podia esquecer de avisar Celso Teles que não aceitaria absolutamente NADA como pagamento por seus serviços profissionais.

Como cobrar, se a grande beneficiada havia sido ela mesma? Como cobrar, se ela havia conhecido pessoalmente um anjo?! Como cobrar, se ela havia tido a honra de apertar a mão enegrecida de Fúlvio Rondelli, centro de Luz, fonte de Ágape!

No outro dia de manhã, 9 horas, Gládis e Larissa a deixaram no aeroporto de Navegantes novamente. Lissinha ainda custava a compreender por que razão sua terapeuta a declarara assim totalmente “de alta”, sem a menor necessidade a análise e terapia.

Na despedida, quando o alto-falante anunciava a segunda chamada, Maria Amália disse:

– Venham aqui a duas, quero que vocês me abracem ao mesmo tempo. Vamos formar um triângulo. E eu vou levar essa energia maravilhosa de vocês comigo para onde eu for.

As três mulheres ficaram um longo tempo assim, todas nos braços de todas, o invisível manifestando-se para as sensíveis. Para os outros, eram apenas familiares que se despediam.

No avião, a caminho de Congonhas, Maria Amália sentia-se outra: renovada, bem-disposta, saudável, alegre. Descera em Navegantes, no dia anterior, de mal com a vida. Mais um casamento fracassado, uma agenda cruel de clientes e cursos a cumprir no Brasil e no exterior, um cansaço, uma velhice, um desencanto...

Agora voava como que levada pelo vento, leve como pluma, de bem com a vida novamente. Em suas costas, a impressão das mãos de Larissa em suavidade. Nas suas narinas, ainda o suave perfume que dela emanava. Nos seus cabelos algumas cintilações de pequenas lágrimas, que um anjo vertera com a cabeça mergulhada neles na despedida. No corpo e no sexo todo o fogo sagrado que animava Gládis De Rios, centro de Força. Chegara precocemente envelhecida, voltava moça e audaciosa!

Ah, sim, assim que chegasse a Dallas dentro de mais cinco dias, para o Congresso, iria ligar para aquele astrofísico armênio que vivia em Iowa. Afinal, já estava na hora de ter o sexto casamento. O quinto acabara há mais de cinco meses!

CONTINUA

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