quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

LUA  OCULTA – 61   
MILTON MACIEL 

61- MAUSOLEU À VENDA
Fim do cap. 60:  "Pode aparecer pra treinar na semana que vem, eu reintegro você no time. Depois do que você me falou, acho que dá pra correr o risco. Aí é só falar com o treinador, pra ver quando ele deixa você jogar de verdade."

– Que massa! Eu de volta ao time! Mas isso é bom demais, muito obrigado, cara. Pô, mas, espera aí. Você disse treinador? Mas o treinador não é você? Sempre foi.

– Não, meu camarada. Agora a gente tem um treinador de verdade, um profissional. Eu tirei o Leon, que é só um amador e deixei o time nas mãos de um supertécnico.

– Isso é incrível! E como é o nome do cara? E onde ele veio?

– Veio de São Paulo. O nome dele é Celso Teles.

– Putz, o Celso?! Mas ele não é treinador do Nacional? Ou do Bandeirantes, sei lá? Ou do time profissional, o Amarante?

– É, sim. É treinador de todos os quatro times de Amarante. Pode ter coisa melhor? Dentro de pouco tempo tudo que é jogo entre nós vai acabar sempre empatado.

– Pois olhe, Leon, você me dar uma chance de entrar de novo no time é demais. Que bom que eu posso voltar a participar, justo agora quando tudo está mudando pra melhor na nossa cidade e no nosso esporte. Graças ao Celso, é claro.

– Agora você disse tudo, cara. Graças ao Celso! Pro futebol, para Amarante toda. Já pensou se aquele desgraçado do meu pai consegue matar o Celso, Aurélio? O que ia ser de nós todos aqui?

– Caramba, que merda que ia ser! Ainda bem que não deu certo. Mas, desculpe perguntar, você não se grila com isso, fala assim na maior do seu velho?

– Eu ia me grilar se o atentado dele tivesse dado certo, cara. Só eu sei o sufoco que eu passei quando acreditei que o Celso tivesse morrido. Foi barra, amigo. Se você cresceu graças às porradas e ao controle do Nicanor, eu cresci graças ao meu sofrimento com a “morte” por 24 horas do Celso. E graças, é claro, ao meu amor por minha rainha negra, minha Rainha de Sabá. Quanto àquele velho assassino, eu só quero que ele se foda, quanto mais, melhor. Por mim, eu não tenho mais pai e isso é um grande alívio, cara.

– Claro, claro, eu entendo. Bom, vou deixar você cuidar da sua vida. Você estava andando pra lá, quando os palhaços e eu interrompemos sua caminhada.

– É, eu estou indo pra Teles Automóveis.

– Pô, mas isso é longe daqui, cara! Por que você está andando a pé? Exercício? Ou o Porsche está na oficina.

– Acertou, o carro está na oficina com o Tio Rondelli. Mas é só revisão. Vou vender.

– Opa, vai trocar por um zerinho.

– Que é isso, cara! Vira essa boca pra lá. Agora eu sou um homem sério, um homem quase casado. Vou vender aquela merda e comprar um carrinho velho bem baratinho.

– Ué! Você, Leon, o caçador do Porsche vermelho, o seu pegador de gatinhas?

– Pois eu mesmo, Aurélio. Caçaram o caçador, uma negra linda me pegou.

– Bem, eu estou pasmo. Só tenho que lhe dar meus parabéns, é uma mudança do vinho pra água. Mas vamos lá, minha moto está ali na esquina, eu deixo você na Teles.

– Legal, aceito. Aqueles palhaços me fizeram perder muito tempo. E assim a gente aproveita e papeia mais alguns minutos. E tem mais, chegando lá, você desce comigo e eu peço pra falar com o Celso. A gente espera até ele poder nos atender e eu advogo a sua causa pro treinador do Delfim. Que tal?

– Bárbaro! S’imbora então!

Menos de meia hora depois, Aurélio montou em sua moto e deixou a Teles feliz demais com tudo: Tinha recuperado a amizade de Leon, tinha defendido o amigo contra três idiotas insolentes e covardes, tinha sido reintegrado ao Delfim Futebol Clube e tinha obtido a benção do supertécnico do time, ninguém menos que o milagroso Celso Teles. Que, ao ouvir as palavras de arrependimento e o pedido de desculpas de Aurélio, simplesmente passou a mão no celular e ligou para Nicanor, dando ao amigo de Leon a chance de dizer o quanto estava agradecido ao mulato pelos cascudos que tinha levado dele. Nicanor acabou convidando-o para dar uma passada na obra, o que Aurélio estava fazendo de imediato, dirigindo sua moto para a rua Tuiuti.

Leon aproveitou a saída de Aurélio para contar a Celso a grande novidade. Quando começou a falar, Celso fez sinal para que ele esperasse, voltou a usar o telefone e disse:

– Rondelli, larga tudo aí e vem pra cá. Temos grandes novidades no fronte Schlikmann.

As largas passadas das longas pernas de Rondelli o levaram ao escritório do chefe em um exato minuto. Então Leon pôde falar o que queria:

– Bomba: A mansão Schlikmann está à venda, pessoal! E não só por iniciativa minha, que sonhava com isso como algo impossível. Foi minha mãe mesma que me sugeriu que a gente se livrasse do elefante branco.

Rondelli deu um longo assobio:

Catzo! Aquilo vale uma nota preta, uma verdadeira fortuna. E vocês vão morar onde? Sua mãe sempre morou ali. E você também.

– E a gente se encheu, Tio Rondelli. Encheu o saco. Até Dona Marion chama aquilo do mesmo jeito que eu chamo: o Mausoléu Schlikmann. Aquilo rescende a Adolfo Schlikmann e à velharada toda anterior da família. Pra mim é um lugar lúgubre, sufocante, tudo que eu quero é me mandar de lá. E Dona Marion também. Aliás, ela já vai embora na quinta mesmo.

– E vai para onde, pro apartamento livre de vocês? Mas ele não é pequeno para alguém como ela, acostumada a ter tudo tão grande?

– Minha mãe vai embora é de Amarante, gente. Vai voltar para terra dela, Luiz Alves, vai morar com uma irmã viúva. Lá os Schroeder são muito importantes, o irmão mais novo, Tio Alfred, é o prefeito. Acontece que ela não está conseguindo segurar a barra de ser esposa do bandido Adolfo, aqui em Amarante. Ela está dizendo adeus para esta cidade para sempre, o orgulho dela não aguenta. E vai se divorciar do marido! E esse mesmo orgulho maldito não aguenta também o fato que o filho dela, o tal do ariano puro, o herdeiro da grife, vai casar com uma negra.

– Caramba! A que ponto se chega!

– Pois é, Celso. Ela ia embora na semana que vem. Quando eu comuniquei a ela, horas atrás, a data do casamento, neste sábado, ela ligou pro irmão e antecipou a partida. Está lá agora, correndo com as empregadas, tratando de embalar tudo o que vai levar e o que elas vão despachar por transportadora para Luiz Alves. O meu tio Alfred vai mandar um carro com motorista pra levar a irmã.

– Sim, senhor, quem poderia imaginar este desenlace, não, meu filho...

– Pois é, tio. Mas o bom é que o Mausoléu fica livre, pronto pra ser entregue a quem comprar. Mas é claro que a venda deve ser uma coisa muito lenta e...

– Não, não, Leon. Aí você se engana. Esse imóvel é, com certeza, o mais valorizado e estratégico de toda a cidade; acho que,  ao contrário, vai chover interessado, principalmente se a gente oferecer para empresas grandes de fora de Amarante. Me deem um pouco de tempo, vou fazer algumas investigações pela Internet e acionar alguns contatos meus em Ribeirão e São Paulo. Aí a gente já pode formar uma ideia mais exata do potencial e do tempo de venda.

– Bem foi exatamente pra isso que eu voltei correndo pra cá. Essa venda do imóvel foi uma bomba com a qual eu não estava contando. Então vim pedir mais esse help pra vocês. Se você conseguir comprador, Celso, você pode ficar com a comissão normal de corretor ou até mais, se você quiser.

Fúlvio Rondelli explodiu numa gargalhada:

– Você ainda não conhece o nosso Celso, bambino! Comissão de venda! Essa é muito boa.

– Mas tio, deve dar um valor muito alto, eu não sei quanto é a comissão, mas deve dar bastante dinheiro.

– Dinheiro que eu não preciso, Leon. Ainda mais em cima de um amigo e de um amigo que veio pedir ajuda. Nada disso. Se eu fizer a venda, não aceito nada de comissão. Assim como não aceito continuar mais falando em comissão. 

– Pô, cara, eu nem sei o que dizer, você me deixa até sem jeito, é muita generosidade. Muito obrigado, é até cretino dizer só isso.

– Tá bom, rapaz, está dito, aceito e também não se fala mais nisso. Agora eu vou começar a pesquisar, fiquei meio eletrizado com isso.

– Sorte sua, Leon. Esse, quando fica elétrico assim, e porque já tem uma ideia na cabeça. E aí ele e não para mais até colocar a coisa em marcha. Vamos fazer os seguinte: vamos nos mandar daqui, porque de agora em diante ele não vai nem olhar mais pra gente. Só Deus sabe a hora que ele vai sair daí. Isso se não sair direto pra um aeroporto só com a roupa do corpo, como já vi ele fazer uma vez.

Mas Celso já estava de olho fixo no monitor do computador, fez apenas um gesto vago com a mão quando os dois se despediram.

Rondelli voltou para sua oficina e Leon foi atrás de Jennifer mais uma vez. Encontrou-a junto com Paula, na copa, servindo dois cafezinhos. Estendeu sua xícara para Leon, que agradeceu com um beijo delicado. Mas nem levou o café à boca, depois disso, pois precisava falar:

– Jenny, o carinha aqui, membro do MSC, agora entrou para o MSTA também. Vim pedir um help.

– Hum, explica as siglas, amorzinho...

– MSC, todo mundo sabe, é o Movimento dos Sem Carro. O help que eu preciso é uma carona pra casa, depois do seu expediente aqui, no fim da tarde.

– Fácil. E o MSTA o que é?

Ora, esse é mais conhecido ainda: quer dizer Movimento dos Sem Teto de Amarante.

E então explicou, para as duas moças incrédulas, todo o diálogo com a mãe e a operação de venda do mausoléu Schlikmann. No final, disse para Jennifer:

– Esse é o grilo, amor. Dona Marion sai depois de amanhã e eu saio hoje. Não estou mais a fim de morar nem mais um dia no mausoléu da família. Por isso o help é duplo, Sabá: carona pra casa, mas pra sua casa. Você pode acolher um Sem Teto naquele seu confortável apartamento de dois dormitórios no Saad Beirute Apart-hotéis? Eu posso ficar no outro quarto e pagar um aluguel módico, até o dia do meu casamento com uma certa deusa e rainha.

– Engraçadinho! Nada disso, você pode ficar sem pagar aluguel, mas tem que dormir no mesmo quarto da dona. Que, na certa, vai querer abusar de você na calada da noite. O que você me diz?

– Aceite, bobo – disse Paula – Não é toda noite que se pode ser abusado por uma bunda desse tamanho. Paga o sacrifício. Mas agora fiquei curiosa: E depois do casamento, onde é que o jovem casal pretende morar?

– Ora, Paula, no mesmo apartamento, é claro; não é, querida?

Claro como cristal, o combinado não é caro. Essa era uma surpresa que a gente estava reservando pra contar mais adiante pra vocês.  O meu copo-de-leite vai para o Beirute, onde eu vou beber ele todos os dias e noites, sem precisar me afastar das minhas amigas queridas do coração. Foi isso o que a gente combinou. Só que o apressadinho aí já quer casar hoje mesmo com a sua pobre amiga aqui, antes de assinar os papéis. Aí ele me come, eu sou desonrada e ele pode não querer mais casar no sábado. Sabe como é, alemães tradicionais só casam com moça virgem, são chegados numa donzela.

Como ela, Leon, virgenzinha total naquele umbigo e nos dois tímpanos, eu garanto. Mas vai com calma, deixa esses pra tirar só na noite de núpcias, tá? Respeite a donzela, por favor.

Paula, rindo muito, saiu como um raio, para contar a grande novidade para as outras colegas.  Leon e Jennifer esperaram a hora certa e saíram para almoçar juntos. E para combinar mil detalhes do casamento do sábado; e do casamento daquela noite, é claro.

CONTINUA

Nenhum comentário:

Postar um comentário